Título: No Senado, ação de alguns soma-se à omissão de outros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2009, Opinião, p. A10

O Senado está nu. Ao longo do tempo, a Casa foi incorporando, por ação ou omissão de cada um dos senadores, a ideia de que o voto popular automaticamente confere à elite parlamentar que está no comando da máquina administrativa o direito ao uso privado de recursos, na forma de benefícios ou cargos para parentes e amigos, ou para tecer uma rede de lealdade entre seus pares. Sem papel definido na democracia brasileira, mas com funções de veto que conferem à instituição um enorme poder, ela passou a ser de grande atratividade para caciques políticos que dependem de poder nacional para manter intacta sua hegemonia regional, e vice-versa. É certo, existem honrosas exceções, mas o domínio da máquina do Senado tem fortalecido políticos com perfil talhado na política do atraso, do mandonismo e do patronato.

Nos últimos anos, foi a presidência daquela Casa que manteve a projeção nacional de José Sarney (PMDB-MA), do falecido Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), do provinciano Garibaldi Alves (PMDB-RN), do esperto Renan Calheiros (PMDB-AL). A exceção confirma a regra: o senador Tião Viana (PT-AC) só ascendeu à presidência do Senado porque era o vice de Renan, que renunciou ao cargo para salvar o seu mandato.

A máquina do Senado foi sendo moldada à imagem e semelhança dessa mentalidade de donatários dos senadores. É impossível dissociar a diretoria do Senado dos presidentes que se sucederam nos cargos ou nas mesas diretoras. Todas as denúncias que se acumulam contra o ex-diretor-geral Agaciel Maia, ou contra o ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi, não apagam o fato de que eles eram pessoas da confiança dos senadores que tinham funções de direção nos últimos 15 anos. Os empregos criados, os benefícios concedidos, os cargos de comissão inventados - é difícil imaginar que tudo isso tenha sido simplesmente saído da caneta de Maia, sem que um presidente da Casa, ou um membro da mesa diretora, tivesse conhecimento do acontecido. Isso se torna ainda mais improvável quando se sabe que foram beneficiados à larga parentes e amigos dos senadores.

É improvável também que Zoghbi tenha montado todo um esquema sem a tolerância dos senadores que administraram a Casa - é de se lembrar, por exemplo, que o verdadeiro "mercado negro" de cotas de passagens aéreas montado pelo ex-diretor de Recursos Humanos foi largamente utilizado pelos representantes dos Estados. Também é difícil imaginar que Agaciel Maia tivesse tanta autonomia, a ponto de ser apontado pelos senadores como o único responsável pelas centenas de "atos secretos" que se acumularam ao longo dos últimos 15 anos em sua gaveta, de conhecimento apenas dos interessados.

O atual presidente do Senado, José Sarney, mesmo lavando as mãos das muitas denúncias que envolvem a sua pessoa e membros da sua família, está definitivamente manchando uma biografia de ex-presidente da República, o primeiro civil depois de 21 anos de ditadura militar. É uma escolha sua. Todavia, o simples fato de cada denúncia expor de forma tão definitiva, até caricata, a mistura do público com o privado no Senado, tem a sua face positiva. No mínimo, quebra-se a cultura consolidada naquela Casa de que o uso de cargos públicos é um direito conferido aos senadores pelo voto. Desmistifica também a tese de que o uso da estrutura administrativa da instituição para fins políticos é a ordem natural das coisas, porque a Casa é política. E, por fim, expõe o atraso de políticos que mantém posições e privilégios nacionalmente porque detêm a hegemonia em localidades muito pobres e de populações que se equilibram na linha da pobreza, sem que seus Estados beneficiem minimamente do poder que conferem a esses políticos no cenário nacional.

A partilha de vantagens no Senado deixou de ser secreta, como foram centenas de atos assinados ao longo da última década e meia. É um bom momento para a instituição rever os seus conceitos. Os senadores que não têm o perfil patrimonialista dos que se sucedem na mesa pecaram por omissão. Os arranjos políticos internos tornaram mais cômodo para eles fingir que nada acontecia. Agora, têm a obrigação de dar agora uma satisfação à opinião pública.