Título: Núcleos recuam, mas IPCA pode somar quase 40% da meta do ano até março
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2005, Brasil, p. A2

A inflação de fevereiro medida pelo IPCA foi de 5,9% ante 5,8% em janeiro, anunciou o IBGE na sexta-feira. A taxa continua alta, mas os núcleos começam a dar sinais de arrefecimento, constatou Luiz Roberto Cunha, economista da PUC-RJ, destacando que o núcleo de médias aparadas com suavização variou 0,60%, enquanto o núcleo sem suavização baixou para 0,43%. É a primeira vez que o núcleo com suavização cai, após vários meses em alta. Para ele, isso corrobora o otimismo do Banco Central (BC) na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom). Essa observação não impede Cunha de apostar numa alta da Selic de 0,25 pontos para março, admitindo que a inflação do primeiro trimestre do ano "ainda será carregada".

Carlos Thadeu Filho, da UFRJ, calcula que o IPCA do primeiro trimestre deve acumular 1,9% de alta (0,58 em janeiro, 0,59% em fevereiro e 0,62% estimados para março por conta das tarifas de ônibus de SP). "Isto corresponde a 37% do centro da meta de 5,1% perseguida pelo Banco Central. Ou seja, o IPCA já queimou quase 40% dessa taxa na largada do ano". Os preços administrados permanecerão como os vilões da inflação trimestral e certamente do ano, prevê Thadeu. Do 1,9% projetado, ele calcula que 1,5 ponto virá da contribuição dos administrados, entre eles a tarifa de ônibus de São Paulo. Segundo ele, se o mercado esquecer que o Banco Central está perseguindo o centro da meta de inflação de 5,1%, a inflação poderá fluir bem a partir do segundo trimestre. "Tirando o efeito ônibus, o IPCA poderá se acomodar no nível de 0,30% a partir de abril, percentual bem baixo". Luiz Roberto Cunha também desenha uma tendência de inflação mais tranqüila no segundo trimestre. "O núcleo deve continuar na faixa de 0,60% ou um pouco mais baixo, mas o cerne da inflação está melhorando", admitiu. Cunha chamou a atenção para o fato de que o modelo de metas do BC trabalha com dois parâmetros: câmbio e juro, que estão em torno de R$ 2,70 e 19%, respectivamente. "A tendência de queda dos preços pode justificar uma parada de alta dos juros a partir desta reunião do Copom para ver o efeito no curto prazo", sugeriu. O economista, porém, ainda nutre dúvidas em relação ao cumprimento da meta este ano. "Vai depender dos próximos onze meses, dos Estados Unidos (choque externo), da política fiscal, além da inércia inflacionária que tem sido muito forte". Para o especialista em preços, se a inflação deste ano chegar em 7% estará cumprida a meta. "Para isto é que existe a margem de 2,5%", observa Cunha. Thadeu também não crê no cumprimento do centro da meta, por conta da realimentação da inflação, principalmente pelos preços administrados. Em estudo recente, ele calcula que a inflação de 2005 herdou uma inércia inflacionária (vinda de 2004) que impacta em 1,4 ponto percentual o IPCA. A maior contribuição para esta influência vem dos preços administrados, com contribuição de 1,8 ponto percentual no IPCA (já excluídos os efeitos da apreciação cambial). Este choque de oferta é decorrente da correção das tarifas deste ano pelo IGP-DI, que no ano passado subiu 12,5%. Nos preços livres, a contribuição inercial é negativa (menos 0,3 no IPCA), pois há o efeito benéfico da apreciação cambial sobre estes preços. Com base nesses cálculos, Thadeu considera que o BC fixou uma meta de inflação muito apertada para 2005, pois o fez baseado num cálculo preliminar da inércia. Nas suas contas, a meta ajustada para o ano, levando em conta a medida da realimentação inflacionária de 1,4 ponto percentual, seria de 6% (4,5% da meta original mais 1,4 ponto percentual da inércia). "Reduzir a inflação de 7,6% para 6% já seria uma vitória". Em seu trabalho, Thadeu revela que o BC , em relatório de setembro do ano passado, chegou a mensurar em 0,9 ponto percentual o impacto da realimentação inflacionária sobre o IPCA de 2005. O BC definiu inércia como "a parcela da inflação que resultará de mecanismos de realimentação inflacionária, de variações de preços em 2004 acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o IPCA".