Título: G-20 cria desafios para ação diplomática
Autor: Sérgio Leo
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2005, Brasil, p. A2

Para os que aprovam a política externa brasileira e para os classificam de bobagem ideológica a estratégia do Itamaraty, de aproximação com os governos dos outros países emergentes, os últimos dias desta semana trarão notícias de grande interesse. Em Nova Délhi, na Índia, os diplomatas comandados por Celso Amorim buscarão ampliar a dimensão do G-20, o grupo de países em desenvolvimento criado há dois anos para defender interesses comuns na abertura dos mercados para produtos agrícolas, nas discussões de liberalização comercial na Organização Mundial do Comércio (OMC). A capital indiana abrigará o encontro do G-20, a partir de quarta-feira. O encontro servirá para a oficialização do ingresso, no grupo, do Uruguai, único país do Mercosul a desdenhar do G-20 quando de sua criação, nos dias que precederam a fracassada reunião ministerial da OMC em Cancun. A entrada uruguaia no G-20 é o primeiro ato público de maior alinhamento do país vizinho, agora presidido pelo socialista Tabaré Vasquez, às iniciativas internacionais do governo Lula. À margem da reunião do G-20, o governo indiano pretende divulgar com alarde a formalização do acordo comercial de redução de tarifas para importação de diversos produtos, entre Índia e o Mercosul. Especialistas daquele país dizem que o acordo, a ser posto em prática a partir deste ano, poderia, antes de 2010, catapultar o comércio entre o bloco sul-americano e a Índia, dos atuais US$ 650 milhões anuais em exportações indianas para US$ 12,7 bilhões, e das importações de US$ 1 bilhão por ano para US$ 13,6 bilhões. Pode ser pura retórica com fins políticos, mas mostra um eco entusiasmado à aproximação terceiro-mundista do Itamaraty. A orgulhosa divulgação do acordo com a Índia e a adesão do Uruguai ao G-20 poderiam alimentar algum esforço de propaganda do Itamaraty, mas os diplomatas, felizmente, vão a Nova Délhi com propósitos mais pragmáticos, coerentes com a anunciada ambição de mudança da geografia mundial de comércio. Na semana passada, na cidade de Mombasa, no Quênia, uma reunião com número limitado de ministros de Comércio e Relações Exteriores, da qual participaram Brasil e Índia, Estados Unidos e União Européia, decidiu que a OMC tem de chegar à sua próxima grande reunião ministerial, em dezembro, em Hong Kong, com um mapa preciso dos métodos a serem usados para orientar a derrubada de barreiras comerciais e subsídios que distorcem o comércio mundial. Para isso, haverá, em julho, uma reunião em Genebra capaz de definir uma "primeira aproximação" do que será o acordo a ser alcançado em Hong Kong. Nesse contexto, ganha importância a reunião do G-20, depois de amanhã. O Brasil, com apoio de outros países, quer ir além dos objetivos iniciais do G-20, de propostas comuns em agricultura. O ministro Celso Amorim chega em Nova Délhi decidido a obter um consenso para "coordenar" as ações do grupo também em relação aos outros temas da OMC. Há dez dias, na reunião do Quênia, foi bem-sucedida a pressão dos países desenvolvidos para destacar, também, o esforço de redução de barreiras no comércio de bens industriais e no comércio de serviços (como os bancários, de telecomunicações, de energia, e de programação de computadores).

E a fórmula para redução das tarifas industriais?

Na sexta-feira, Amorim e seus colegas da África do Sul e da Índia, reunidos na Cidade do Cabo, reforçaram a iniciativa política conhecida como IBSA (Índia, Brazil, South África) e decidiram "coordenar" esforços nas discussões comerciais mundiais. Na reunião de Mombasa, o ministro de Comércio Internacional da Índia, Shri Kamal Nath já havia informado que queria, com Brasil e China, estratégias comuns para tratar na OMC dos outros temas exigidos pelos países ricos. Discute-se na OMC a fórmula para baixar tarifas de importação. Países com tarifas mais altas para manufaturas, como Brasil e Índia, rejeitam a chamada fórmula suíça, que reduz mais rapidamente exatamente essas tarifas. Há sugestões, apresentadas em Mombasa até por países em desenvolvimento, como México e Chile, que criam uma espécie de compensação, pela qual países em desenvolvimento que reduzissem mais suas tarifas ganhariam mais prazo para fazê-lo, ou direito a uma lista de produtos excluídos desse esforço de liberalização. A reunião do G-20, nesta semana, deve gerar uma declaração ministerial enfatizando a necessidade de concentrar o foco da Rodada Doha em agricultura - tema posto para escanteio pelos países ricos nas rodadas anteriores da OMC. Mas não escapará de falar sobre bens industriais e serviços. O cronograma das discussões se acelera, por medo de outro fiasco em Hong Kong. Ainda em março espera-se dos diplomatas em Genebra uma discussão sobre as fórmulas para tarifas de bens industriais. Em maio, às margens da reunião da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), haverá outra reunião "mini-ministerial". Espera-se já em maio uma definição sobre a tal formula de queda de tarifas. No Brasil, na semana passada, uma reunião da Coalizão Empresarial mostrou que o país não está pronto para acompanhar esse calendário. Representantes do Itamaraty alertaram para a necessidade de ter uma proposta de fórmula para redução de tarifas industriais até a reunião técnica da OMC, ainda neste mês de março; representantes do Ministério do Desenvolvimento revelaram ser muito difícil cumprir essa meta. Os economistas da Coalizão ainda discutem o assunto. A pressão imposta pelo calendário da OMC apenas mostra que o país se aproxima dos limites de sua capacidade negociadora internacional. O governo sabe disso; para iniciar as negociações de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e Canadá, decidiu, discretamente, há alguma semanas, passar para último plano as conversas sobre um acordo da mesma natureza com o Marrocos. Mais que nunca, se exige competência e pragmatismo da diplomacia brasileira, e dos especialistas do setor privado.