Título: Lula gastou menos que FHC com pessoal
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2005, Brasil, p. A3

O número de servidores públicos na área federal cresceu, mas os gastos com pessoal e encargos, em termos reais, encolheram nos dois primeiros anos do governo Lula em relação a 2002, último ano da gestão de Fernando Henrique Cardoso. Enquanto o total de servidores aumentou em 6,2%, a despesa recuou 1,0% entre 2002 e 2004. Três fatores ajudam a explicar esse quadro. Nos oito anos da gestão FHC a prioridade na área de recursos humanos foi a recomposição salarial dos servidores de nível mais alto e a contratação de mais funcionários dessa faixa. O governo Lula, por sua vez, contratou pessoal de nível médio, de salário mais baixo. E os aumentos salariais negociados no ano passado vão impactar as contas de forma diluída: a intensidade foi menor no ano passado e será maior em 2005 e 2006. O número de servidores públicos federais cresceu 6,2% nos dois primeiros anos da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, interrompendo uma tendência de redução do número de servidores públicos, iniciada em 2001. O número de funcionários chegou a 2,132 milhões, o mais alto dos últimos dez anos, segundo dados do Boletim Estatístico de Pessoal, elaborado pelo Ministério do Planejamento. Esse número inclui servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário federais, e também os militares. (Ver quadro ao lado) Os gastos, em termos nominais, também cresceram: de R$ 72,8 bilhões, em 2002, último ano do governo FHC, para R$ 78,2 bilhões em 2003 e R$ 88,2 bilhões no ano passado, segundo dados oficiais. Mas, se for considerada a variação da inflação oficial, medida pelo IPCA, os gastos com encargos e pessoal da área federal, incluindo Executivo, Judiciário, Legislativo, civis e militares, o governo está gastando menos do que os tucanos gastaram no último dos oito anos do mandato de Fernando Henrique Cardoso. Os cálculos foram feitos por Nélson Marconi, professor em São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Ele, que foi diretor de carreiras e remuneração do governo federal de 1994 a 1998, corrigiu os gastos com pessoal e encargos, incluindo despesas com a aposentadoria dos servidores, pela inflação oficial mensal (IPCA). As despesas em 2003 encolheram em relação ao último ano da gestão tucana e no ano passado voltaram a crescer, mas ainda assim ficaram abaixo do registrado em 2002, em termos reais. FHC gastou R$ 92,076 bilhões em 2002 para remunerar 2.007.774 servidores. Lula desembolsou R$ 91,1 bilhões para pagar 2.132.410 funcionários. Neste ano de 2005, as despesas com pessoal, segundo cálculo da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, devem crescer em R$ 9,2 bilhões. A folha de pessoal somaria, então, R$ 98,1 bilhões. E em 2006 haveria acréscimo de outros R$ 10 bilhões. Este aumento na folha é resultado das negociações salariais, feitas em 2003 e 2004. Segundo dados do Ministério do Planejamento, as 58 negociações salariais realizadas no ano passado beneficiaram 1,1 milhão de servidores civis do Executivo, com reajustes indo de 6,25% a mais de 100%. Além disso, existe a possibilidade de o Poder Executivo, em 2005, aumentar o gasto com pessoal em mais R$ 719,8 milhões, preenchendo até 27,919 mil cargos e funções vagos, criados ou transformados. Se forem considerados os limites de contratação para o Judiciário, Câmara dos Deputados, Senado, Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério Público da União, o número de servidores cresce em 49,144 mil em 2005. Esses tetos estão estabelecidos no Orçamento da União. O gasto com pessoal, que foi, em termos reais, represado em 2003 e 2004, tende a subir, portanto, neste ano e em 2006. O professor Marconi observa que no último ano do governo FHC o Poder Judiciário recebeu um reajuste salarial importante, ajudando a engordar a folha, que cresceu de R$ 86,8 bilhões, em 2001, para R$ 92 bilhões. Além disso, a política do governo FHC para o funcionalismo elegeu como ponto central a recomposição do salário dos cargos de nível mais alto. O peso das despesas com a previdência dos servidores (incluídas nos gastos com pessoal), também cresceu desde o início dos anos 90. No ano passado, segundo dados oficiais, o pagamento de aposentados e pensionistas respondeu por 43% das despesas com pessoal. Grande parte do aumento das despesas com pessoal e encargos, registrada nos últimos anos, deve-se à possibilidade, aberta pela Constituição de 1988, de servidores públicos contratados pelo regime CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) serem transformados em estatutários. "Aí começou a crescer o problema da aposentadoria do servidor público", lembra o professor. Um número importante de funcionários, que estava atrelado ao INSS, passou a integrar o regime de aposentadoria do estatutário. E as condições deste são, historicamente, mais favoráveis do que as concedidas ao trabalhador do setor privado. O atual governo, conforme publicou o Valor na última terça-feira, pretende encaminhar ao Congresso, ainda neste mês de março, o projeto de lei que cria o regime de previdência complementar para os servidores da União. O regime básico teria um teto para pagamento de benefício de R$ 2.508,72, igual ao da Previdência Social. Acima disso, o servidor seria pago por um fundo de previdência complementar, de natureza privada. Marconi também elogia a proposta, que poderia ter sido tomada há muito tempo. Ele lembra que na primeira reforma da previdência, feita na segunda gestão de Fernando Henrique Cardoso, aprovou-se emenda à Constituição estabelecendo um teto para a aposentadoria dos servidores públicos. "Mas não se regulamentou. Esta decisão do atual governo é positiva". O professor considera fundamental que os fundos de pensão a serem criados sejam, de fato, de natureza privada, com os recursos depositados em nome da pessoa física. "Isso impõe transparência ao sistema e evita que o governo caia na tentação de pôr a mão nesse dinheiro, em caso de necessidade".