Título: Sarney defende-se sem anunciar medidas concretas
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Fonte: Valor Econômico, 17/06/2009, Política, p. A8

É uma injustiça do País julgar um homem como eu, com tantos anos de vida pública, com a correção que tenho de vida austera, de família bem composta, que tem prezado a sua vida para a dignidade da sua carreira..." A declaração, feita pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), resume o tom de seu discurso ontem, no plenário do Senado. Em 33 minutos, Sarney gaguejou, trocou o sobrenome de um senador, iniciou frases sem terminá-las e encerrou seu pronunciamento sem anunciar medidas concretas de combate à corrupção na Casa que preside.

Envolvido em denúncias relativas a atos administrativos mantidos em sigilo, que beneficiaram um neto e duas sobrinhas, o pemedebista assumiu postura defensiva e declarou duas vezes: "A crise é do Senado, não é minha".

Sarney buscou em sua biografia e na história do Brasil argumentos que poderiam defendê-los das acusações. "O Visconde do Rio Branco, quando, no Senado Federal, veio defender-se das críticas que lhe faziam sobre a questão do Prata, ele disse: ´Defender-se não é fraqueza´", citou, em suas primeiras frases. No discurso lido, relatou que em seus "60 anos de vida pública, 50 anos dentro do Parlamento", assistiu a muitas crises, mas que seu nome não esteve envolvido. "Não seria agora, na minha idade, que eu iria praticar qualquer ato menor que nunca pratiquei na minha vida", disse, sem mencionar a denúncia recente de que recebia irregularmente auxílio-moradia mensal de R$ 3,8 mil, nem que policiais do Senado foram enviados ao Maranhão para vigiar seus imóveis, além das contratações.

O presidente do Senado questionou se era justo ele ser alvo de acusações, "depois de ter prestado tantos serviços a este País, depois de passar pela Presidência e de enfrentar a transição democrática". "Então, vê-se agora a pessoa sendo julgada, porque uma neta minha e um neto meu...E, por isso, querem me julgar perante a opinião pública deste País? É de certo modo a gente ter uma falta de respeito pelos homens públicos que nós temos", afirmou.

Os quatro meses de gestão de Sarney foram marcados por escândalos, como o pagamento de hora-extra durante o recesso, a criação ostensiva de diretorias no Senado para abrigar indicações políticas, e o envolvimento de dois diretores ligados a Sarney em irregularidades. João Carlos Zoghbi, diretor de Recurso Humanos, foi indiciado pela Polícia do Senado por formação de quadrilha e corrupção e Agaciel Maia, deixou a diretoria-geral da Casa após denúncia de que ele não registrou casa avaliada em R$ 5 milhões. "Fiquem absolutamente tranquilos quanto a uma coisa: nós faremos tudo que for necessário, tudo que for para a moralidade e o bem do Senado", disse Sarney.

Ao fim do pronunciamento, a reação de parlamentares que se opõem à gestão de Sarney, como integrantes do PT, PSDB e do PMDB, foi imediata. O Presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PSDB-CE) resumiu as principais críticas e disse que Sarney deveria assumir as responsabilidades do cargo e conduzir a reforma administrativa do Senado, de modo a enxugar a resolver os problemas estruturais da Casa. "Temos de discutir hoje o que faremos amanhã e não estamos discutindo nada."

"O discurso é insuficiente. Ele tinha que anunciar logo as medidas, não esperar o retorno do senador Heráclito na semana que vem. A imagem da instituição está em jogo", disse o senador Renato Casagrande (PSB-ES).

Questionado pelos jornalistas se as denúncias justificariam o afastamento do presidente da Casa, o líder do PT no Senado, Aloizio Mercante (SP), desconversou. "Ele foi eleito com o voto da maioria do Senado e democracia é assim."

Para o petista, o discurso foi uma resposta importante à Casa no momento de crise. "Foi importante para prestar contas do que está acontecendo. Agora é importante apresentar as medidas administrativas para recuperar a transparência. Vamos esperar as medidas", disse.

Nos bastidores, parlamentares afirmaram que o discurso de Sarney buscou dar um "fôlego" ao presidente do Senado, suspeito de usar atos secretos para nomear parentes na instituição. (Com agências noticiosas)