Título: Cenário de 2006 pode ser igual ao de 1998?
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2005, Política, p. A6

O Brasil passará em 2006 pela segunda tentativa de reeleição presidencial consecutiva em sua história. O presidente Lula buscará repetir o sucesso alcançado pelo seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que em 1998 inaugurou a novidade política e fez bom uso daquilo que ele próprio inventara. É cedo para afirmar peremptoriamente se Luiz Inácio da Silva terá êxito ou não em sua recondução. Mesmo mantendo todo o zelo necessário, o analista não pode se furtar de construir cenários, e na análise dos mais plausíveis para a disputa eleitoral do próximo ano, o que se vê são condições favoráveis ao líder máximo do Partido dos Trabalhadores. O que mais salta à vista, como condição favorável à reeleição, é que a popularidade de Lula mantém-se muito alta desde a posse e, por ora, descolada dos erros de seu governo. Se Fernando Henrique era mestre em reduzir o impacto e a permanência das crises, o atual presidente parece ser doutor em criar uma imagem maior e, em alguns momentos, independente do que ocorre em sua gestão. É por isso que em diversas ocasiões ele fala como se fosse o líder da oposição. O eleitorado mais informado constata este fato de modo crítico, embora isso não signifique necessariamente rejeição eleitoral; o restante da população, que constitui a maioria, tem até o momento se encantado com esta postura. Arrisco a dizer que a grande massa vê em Lula alguém que está defendendo diariamente os interesses dos menos favorecidos, como constatam nos discursos transmitidos à noite pelo jornalismo televisivo. Se é verdadeiro ou não, são outros quinhentos; o que importa é que "è benne trovatto". Caso não aconteça nada que possa modificar esta percepção difusa e majoritária, os candidatos oposicionistas terão que se mostrar tão populares quanto Lula, lembrando ainda que o presidente é conhecido em todo o território nacional e reconhecido mais como um protótipo do brasileiro do que como um líder de um estado. Quem dos nomes aventados até o momento pode competir com este perfil? Alguns leitores poderiam lembrar do ex-governador Garotinho, talvez outros possam imaginar que Cesar Maia consiga espalhar sua imagem mais "populista" (a que defende o Exército na rua e beija criancinhas) pelo programa nacional do PFL e, quase todos, terão dificuldades de enxergar, hoje, um candidato tucano com tal caracterização. No entanto, mesmo parecendo mais um acadêmico do que um político de massas, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi extremamente bem sucedido em 1998, vencendo no primeiro turno, com boa votação em todo o país. Não seria possível para o PSDB repetir esta história? É aí que entra uma característica básica da reeleição. Se o presidente passou bem pelo teste eleitoral, ganhando com boa margem de votos - casos de FHC e Lula -, e mantém ainda uma boa popularidade, o cargo presidencial vai lhe permitir, em si, ter um alto grau de conhecimento e reconhecimento. Para tanto, é preciso ter alguns motes políticos bem recebidos pela população e explorá-los à exaustão. Tal fórmula pode ser resumida assim: bastam poucos sucessos e defendê-los cotidianamente como as "maiores prioridades do país" que, desse modo, uma parcela considerável de eleitores permanece fiel ao presidente quando ele buscar sua recondução.

Aliados são maiores inimigos da reeleição

Fernando Henrique inaugurou o uso desta fórmula, pois soube com maestria transmitir à população, no seu primeiro período governamental, uma imagem de defensor da estabilização econômica e de líder com destaque internacional - embora suas intensas viagens para fora fossem motivo de piada, o eleitorado não desaprovava isso. Estas duas características também estão presentes no presidente petista, ao que se somam sua romaria pelo país - o que só reforça o caráter nacional de seu perfil político -, a defesa convincente dos "mais necessitados" e os resultados econômicos, percebidos como bons e seguros, inclusive por grandes parcelas da classe média e dos formadores de opinião. De todos estes aspectos, a sensação de bem estar econômico talvez seja o melhor orientador do voto. Ressalte-se que não se trata de um desempenho econômico em abstrato, mas a situação atual comparada ao passado e ao que poderia ocorrer se houver mudança. Fernando Henrique foi reeleito no ano em que a economia teve o pior comportamento em seu primeiro mandato. Entretanto, do ponto de vista do bem estar econômico, seu governo estava sendo avaliado como melhor do que o anterior e com maiores condições de manter "as conquistas" do que os candidatos oposicionistas. O desempenho da economia na Era Lula tem todas as chances de ser melhor do que o obtido no período FHC, inclusive em comparação com a sua primeira metade. Ter neste e no próximo ano um crescimento entre 3,5% e 4%, com inflação baixa e desemprego ainda alto, mas em declínio, constitui um cenário bastante favorável à reeleição do atual presidente. Por ora, três coisas poderiam alterar a realidade eleitoral. A primeira e mais importante seria uma crise internacional, sempre imponderável, mas que hoje está bem mais longe do horizonte do que nos anos Fernando Henrique. Além disso, a oposição pode tentar convencer o eleitorado pelo argumento da "incompetência petista", de modo que se coloquem como mais aptos a melhorar o bem estar da população. Só que aqui o governo Lula tem uma vantagem: seus adversários são também "vidraças", pois ocupam postos no plano subnacional. Por exemplo: as imagens do "Jornal Nacional" da semana passada que mais impressionam o eleitor médio foram a crise da Saúde no Rio - ponto negativo para Cesar Maia - e as fugas em larga escala da Febem - ponto negativo para Geraldo Alckmin -, e não o aumento da carga tributária, anunciado pelo ministro José Dirceu. Um último aspecto evitaria a reeleição, e ele é o mais imprevisível. O presidente Lula só perde para seus aliados, isto é, se o conflito entre os partidos que compõem o governo tiver uma intensidade capaz de produzir efeitos negativos para a economia e de inviabilizar as coligações eleitorais. Decerto que as brigas vão continuar, mas não sabemos se terão força para impedir uma nova vitória do candidato petista.