Título: Radicalismos põem à prova política externa de Obama
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Fonte: Valor Econômico, 17/06/2009, Opinião, p. A12

Desde que tornou-se presidente do Irã em 2005, Mahmoud Ahmadinejad coleciona confrontos e inimigos. Sua retórica bélica fez ainda mais fortes as suspeitas de que o programa nuclear iraniano tem como finalidade a produção de armas nucleares. Sua negação do Holocausto é uma odiosa provocação a Israel. Em sua gestão, o Irã vive sob sanções econômicas internacionais e a economia, que se nutre basicamente do petróleo, caminha para recessão suave com inflação alta. Todos esses fatos levaram à suposição de que Ahmadinejad fosse ejetado do poder pelas urnas, em uma das mais concorridas eleições do país. Não foi o que aconteceu. Ele foi eleito com esmagadora maioria, de mais de 62,7% dos votos, cerca de 10 milhões de sufrágios a mais do que quando chegou à Presidência. A última encrenca de Ahmadinejad, as possíveis fraudes eleitorais, levou multidões às ruas em protesto e abriu a maior crise em 30 anos do regime dos aiatolás.

O Irã é uma teocracia com algumas janelas e a palavra final sobre o assunto está com o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, que deu um surpreendentemente rápido imprimatur à vitória de Ahmadinejad e fez um pedido de apoio de todos ao eleito, no sábado. Na segunda-feira, ele pediu à comissão eleitoral que investigasse as alegações de fraude feitas pelo principal candidato da "oposição", o conservador moderado Mir-Houssein Mousavi. Sob contínua pressão das massas nas ruas, o Conselho dos Guardiães, que seleciona os candidatos aptos a concorrer, aceitou rever parcialmente algumas urnas. A brecha aberta para que se averigue irregularidades deverá provocar mais pressão pública contra Ahmadinejad, em um clima de crescente tensão.

Ahmadinejad era o candidato favorito de Khamenei e estaria certamente no segundo turno dado seu prestígio junto às camadas mais pobres de Teerã e do interior, que cativou com empréstimos subsidiados e programas sociais. Mousavi teve 33,7% dos votos, enquanto os demais candidatos, o reformista Mahdi Karoubi e o direitista Mohsen Rezai, não atingiram juntos mais de 3%. O comparecimento às urnas superou 80%.

A proeza de Ahmadinejad foi conseguir ampliar seu número de votos depois de uma gestão temerária da economia, cujos principais resultados foram uma inflação de 25,5% em 2008, com altas fortes na cesta básica, e insuflada por juros de 12%. A queda da cotação do petróleo, que gera 80% das receitas públicas e 82% das de exportação, freou a economia, que deve retroceder 0,5% este ano, após ter crescido 6,5% em 2008. Os investimentos estão em queda e sua recuperação certamente não é beneficiada pela conduta inamistosa do presidente. Além disso, ele teve pela primeira vez uma oposição no campo conservador, o que indica um descontentamento crescente com sua atuação em parte das esferas mais altas de poder. O mistério insondável é que nestas circunstâncias sua popularidade tenha aumentado, algo que a temperatura política da campanha descartava.

A vitória de Ahmadinejad, se confirmada, manterá a já alta instabilidade política na região e a radicalização de posições, para a qual contribui o governo direitista de Binyamin Netanyahu em Israel. Em discurso na segunda-feira, em resposta à proposta de negociações com os palestinos feita pelo presidente americano Barack Obama, Netanyahu colocou suas condições - elas representam um retrocesso de décadas. Suas palavras desmentem brutalmente as intenções. O líder israelense quer um Estado palestino desmilitarizado, sem Exército, sem controle de espaço aéreo e sem alianças com o Irã ou o Hezbollah libanês. Os palestinos terão de reconhecer Israel como Estado judeu, cuja capital seria Jerusalém, e encontrarem solução para os refugiados fora das fronteiras de Israel. Netanyahu disse também que os assentamentos judeus em terras palestinas não serão congelado - ou seja, se expandirão naturalmente.

A realidade está se mostrando mais intratável do que o previsto nos planos de paz de Barack Obama, que abriram uma janela de esperança após anos de subserviência dos EUA à política de Israel. Os extremistas foram derrotados nas urnas no Líbano e os EUA entraram em contatos oficiais com a Síria, mas os benefícios podem ser pequenos diante do potencial explosivo das vitórias eleitorais de Ahmadinejad e Netanyahu.