Título: China veta menção sobre redução do papel do dólar
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2009, Especial, p. A12

Os países do Bric - Brasil, Rússia, Índia e China - sequer mencionaram o dólar no comunicado final de sua primeira cúpula, realizada ontem em Ecaterimburgo (Rússia), refletindo o racha no grupo sobre como contestar a hegemonia da moeda americana na economia global.

A China, com US$ 2 trilhões de reservas, boa parte investida no dólar, freou as iniciativas envolvendo "swap [troca] de moeda" e outros mecanismos de financiamento entre os quarto, levando um analista presente na Residência Sebastianov, onde foi realizado o encontro, a lamentar que "o único comunista do grupo é o também o mais egoísta".

A única referência indireta ao tema de moeda feita pelo grupo foi dizer que crê que "há uma forte necessidade por um sistema monetário internacional estável, previsível e mais diversificado".

Num rápido relato da cúpula que o Brasil qualificou como "histórica", o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que houve menções entre os líderes de que "não podemos ficar sujeitos a flutuações de moedas de um único país, mas também a compreensão de que essas coisas ocorrem muito gradualmente".

Amorim argumentou que, se mudanças no sistema monetário forem feitas "de maneira brusca, criariam outra crise". O comércio em moeda nacional ocupou em todo caso boa parte de uma reunião bilateral entre o presidente Luis Inácio Lula da Silva e seu colega russo, Dmitri Medvedev.

Pouco antes da reunião dos Bric, Medvedev presidiu o chamado Grupo de Xangai, que inclui China, Irã e outros países da região, e afirmou que as atuais moedas de reservas, incluindo o dólar americanos, fracassaram em seu papel e que o sistema monetário está longe do ideal e traz muitos riscos.

Seu principal assessor economico, Arkadi Dvorkovich, chegou a informar a agências de notícias que Brasil, Rússia, Índia e China estavam considerando comprar bônus uns dos outros e fazer o swap de moedas, como Amorim antecipara ao Valor.

Mas o presidente chinês, Hu Jintao, permaneceu calado ou deu respostas evasivas quando se tratou do uso da liquidez entre os quarto, e que passaria pela questão de moeda. Em todo caso, a ideia é que a questão continue a ser estudada pelos ministros de Finanças.

Apesar da ausência da questão monetária, a conclusão da delegação brasileira foi de que os Bric podem agir juntos basicamente nos temas financeiros e econômicos. Foi destacado ainda o "papel central" do G-20, o grupo que reúne os principais paises desenvolvidos e em desenvolvimento.

O G-20 é o grupo que agora o Brasil espera emplacar, em lugar do G-8 , que é limitado a países ricos, como o diretório econômico do planeta. Segundo Amorim, Lula tem preocupação com movimentos que diminuam a importância do G-20, "uma tendência conservadora de delimitar" o grupo.

Os Bric conclamaram todos os países e instituições internacionais a "agir vigorosamente" para implementar as decisões tomadas pelo G-20 em Londres, em abril, para retomar o crescimento global. As decisões incluíam colocar mais liquidez nos mercados, combater o corte no fluxo de capitais para os países em desenvolvimento, por exemplo.

O grupo cobra tambem uma aceleração na reforma das instituições financeiras internacionais, a começar pelo Fundo Monetário Internacional, para refletir as mudanças na economia mundial. Querem que os emergentes tenham mais voz e representação nas instituições, que é uma luta que vai continuar ocorrendo até 2011 sobre quem passa a controlar mais fatias do FMI.

Brasil, Rússia, Índia e China tambem afrontam os Estados Unidos sobre a necessidade de os chefes de entidades internacionais serem apontados pelo mérito. Atualmente, o FMI é reservado a um europeu e o Banco Mundial a um americano. No G-20, os europeus aceitaram mudar isso, mas o governo Obama não quis nem entrar na discussão.

Os quatro países tambem fizeram uma declaração conjunta sobre segurança alimentar mundial. O objetivo foi basicamente o de contestar que a alta de preços dos alimentos seja provocada pelo aumento do consumo nos países em desenvolvimento. Eles apontam uma série de causas, da mudança climática à crise global atual.

O apoio à produção de biocombustível é visivelmente tímido, com a observação de que o produto deve ser sustentável do ponto de vista social, ambiental e econômico. Amorim admitiu que podia ser melhor, mas lembrou que havia um país produtor de petróleo no grupo - uma referência à Rússia.