Título: Espaços limitados para acordo na reunião dos Bric
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2009, Opinião, p. A12

A aproximação entre Brasil, Rússia, China e Índia tem poucas chances de sair das preliminares, como demonstrou o encontro de Ecaterimburgo. Sempre se ganha alguma coisa conversando e, entre os pouco interesses comuns, houve concordância de que os quatro países estão sub-representados nas organizações multilaterais de crédito e de que são parte relevante e necessária de qualquer acordo global para retirar a economia mundial da crise. Além de acordos restritos, não há muito em que esses países, que são mais concorrentes entre si que aliados, possam concordar e agir. Foi impossível arquitetar reação comum ao poder ainda dominante da moeda americana ou montar iniciativas para substituí-la, como o comércio quadrilateral em moedas próprias ou compra de bônus nelas denominados. A China, que lançou o mais veemente apelo neste sentido em março, foi o país que brecou qualquer sandice irrealista que pudesse sair da reunião, mesmo que na forma atenuada de comunicados diplomáticos.

Dmitri Medvedev, presidente russo, chegou recentemente a desdenhar o dólar ao dizer que ele não estava em uma "posição espetacular". Pior poderia ser dito a respeito do rublo, que reflete a péssima situação econômica da Rússia, às voltas com grave recessão, e que foi um dos poucos países do mundo a perder US$ 200 bilhões em reservas ao defender sua pujante moeda. A China tem o câmbio absolutamente controlado, pois do contrário seu crescimento a passos rápidos seria seriamente contido por uma significativa valorização. A Índia tem um sistema cambial pouco flexível, com controle do fluxo de capitais, e o Brasil é, dos quatro, o que mais se aproxima do câmbio flutuante .

É óbvio, mas o dólar tornou-se moeda internacional de referência porque os EUA são a maior economia do mundo - seu PIB é superior ao dos Bric somados - e uma potência militar de primeira grandeza. O fato de que o país enfrenta um crise econômica gigantesca não é suficiente para deslocar o dólar na arena global, porque ainda não há substitutos à altura. Aos poucos, o poderio do dólar está sendo relativizado para acomodar o espetacular avanço dos países emergentes. Dois terços das reservas mundiais são constituídas em dólar, mas esse número já foi bem maior.

Se a questão da confiança é o argumento principal para que se tire o dólar de seu papel dominante, os Bric não têm alternativas muito boas a apresentar, fora a óbvia, e com o tempo provável, opção por uma cesta de moedas. Nela, porém, o dólar teria a preponderância, mas não seria o único valor de referência. E ainda no quesito confiança, os Bric vão mal das pernas. A Rússia só se tornou um país capitalista em 1991 e com apenas sete anos de prática deu um calote inesquecível. Seu sistema de mercado não funciona porque as empresas privatizadas foram loteadas por máfias e por membros do decrépito Partido Comunista. O Brasil tem uma história de instabilidade e calote, e apenas recentemente vem sendo bem-sucedido em consertar sua economia. Ainda assim, o real tem o peso que tem o comércio internacional do país - minúsculo. A Índia é um país fechado, com um déficit público enorme, que se desenvolve com enormes problemas políticos e base produtiva ainda muito restrita.

Resta a China, mas nada nela é transparente. É uma economia baseada em um ditatorial planejamento centralizado, sem qualquer veleidade democrática. Ela já é de fato uma potência global, mas seu consumo não ultrapassa o da França. E, na questão das moedas, ela própria não tem ilusões a respeito de tornar a sua conversível - no curto prazo, seria quase que a sua ruína.

A China não trocaria um centavo de suas reservas para acumular rublos, rupias ou reais, como acabaria acontecendo se o comércio regional fosse expresso em moedas dos quatro países - ele refletiria, como sempre, o vigor da corrente comercial, em que os chineses são superavitários. A China não leva essa conversa a sério. Por maior que seja a crise nos países desenvolvidos, o predomínio do dólar encarna realidades históricas, econômicas e políticas ainda determinantes. Essas realidades estão mudando lentamente e o poder relativo das moedas acompanharão esse ritmo, apesar das ilusões momentâneas que países que vivem sucessos econômicos não plenamente consolidados possam criar.