Título: México e EUA caçam CEO de multinacional das drogas
Autor: Luhnow , David
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2009, Especial, p. A14

Quando criança, Joaquín Guzmán Loera era tão pobre que tinha que vender laranjas para conseguir algum dinheiro para uma refeição. Hoje, aos 52 anos, ele tem um império empresarial e uma fortuna pessoal que no momento lhe dá a 701ª posição da lista dos titãs globais da revista "Forbes". Ele também tem um outro título: é o homem mais procurado do México.

Guzmán é o presidente informal de uma das maiores organizações do tráfico de drogas do mundo, o chamado cartel de Sinaloa. Ele trafica heroína, cocaína e metanfetaminas, e possui ligações com o crime organizado em 23 países, segundo autoridades mexicanas e dos Estados Unidos.

As rivalidades e guerras territoriais de Guzmán vêm contribuindo para que o número de mortos na guerra contra o narcotráfico chegue a 11 mil nos últimos dois anos e meio, o que dá uma média de 366 mortes por mês.

Guzmán se tornou o típico herói folclórico do narcotráfico. Ele é festejado em vídeos no YouTube e por músicos, que compõem baladas, conhecidas como "corridos", em sua homenagem. Ele é conhecido em todo o México como "El Chapo", gíria que designa um homem baixo e troncudo.

Reforçando sua aura, "El Chapo" sobreviveu a várias tentativas de assassinato por gangues rivais. Ele também conseguiu realizar a maior fuga da história moderna do México: de uma prisão de segurança máxima, em 2001 - em um carrinho de lavanderia. Desde então, ele tem estado sempre um passo à frente das autoridades mexicanas e americanas, num jogo de gato e rato que já está em seu nono ano.

A cada ano que o México não consegue capturar "El Chapo", sua lenda cresce. Também a cada ano aumentam as dúvidas em relação à capacidade do México, com a ajuda dos EUA, de capturá-lo - apesar de uma recompensa de US$ 5 milhões oferecida pelo governo americano (denúncias podem ser feitas por meio do email chapotips@usdoj.gov) e de outra de US$ 2 milhões oferecida pelo governo mexicano.

Autoridades americanas e mexicanas afirmam que Guzmán vem usando dinheiro e crueldade para construir uma organização disciplinada que o protege. Acredita-se que ele esteja escondido nas montanhas da Sierra Madre, que permeiam o Estado de Sinaloa e os Estados vizinhos, tornando a tarefa de encontrá-lo um pouco parecida com a caçada a Ossama bin Laden nas montanhas hostis do Paquistão. Outro fator: acredita-se que Guzmán suborna policiais e oficiais do Exército, o que o permite ficar sabendo com antecedência os passos as autoridades para capturá-lo.

O Ministério da Defesa do México disse em um email não estar a par dessas alegações, mas acrescentou que "várias organizações criminosas vêm usando uniformes e veículos do Exército para encobrirem suas atividades".

Autoridades mexicanas afirmam que não querem ficar obcecadas com a captura de Guzmán à custa de uma vitória mais ampla na guerra contra as drogas. "No passado, a estratégia era apenas capturar os tubarões e ignorar o pessoal operacional. Agora, estamos tentando enfraquecer a estrutura dos carteis, afirma o promotor-geral Eduardo Medina Mora.

Algumas autoridades americanas acreditam que o México vai capturar Guzmán em breve. Elas afirmam que sua condição de o homem mais procurado do México o força a estar constantemente em movimento, tornando mais difícil para ele conduzir os negócios no dia a dia. Elas afirmam que ele aparenta ter envelhecido rapidamente e traçam paralelos com o falecido traficante colombiano Pablo Escobar, que foi morto depois de anos livre e solto.

Mas Guzmán já foi subestimado antes. Em 2005, o então promotor-geral mexicano Daniel Cabeza de Vaca disse que Guzmán não estava "mais operando no negócio das drogas". No começo de 2007, o atual promotor geral, Medida Mora, afirmou que Guzmán ainda estava em atividade. "Não me importa onde ele está", disse ele em uma entrevista ao "The Wall Street Journal". "Ele é como um astro do futebol em fim de carreira."

Desde então, Guzmán vem deixando poucas dúvidas de que é uma figura das mais importantes na guerra contra as drogas. Especialistas afirmam que foi o avanço de sua gangue no Estado de Chihuahua (no norte do México) para tentar roubar das gangues rivais o controle de rotas de tráfico lucrativas, que transformou o lugar em uma zona de guerra. Cerca de 3,3 mil pessoas já morreram nos últimos 15 meses, segundo relatos da imprensa mexicana. Uma rixa separada entre Guzmán e um ex-sócio, Arturo Beltrán Leyva, levou a uma série de assassinatos em Sinaloa (mais de 600). Entre as vítimas da briga esteve Édgar, filho de 22 anos de Guzmán, morto no estacionamento de um shopping center, ao lado de uma loja de reparos de pneus da Bridgestone, em Culiacán.

Segundo as poucas pessoas que o conhecem e que se mostram dispostas a falar publicamente sobre ele, Guzmán é tido como prático e inteligente, apesar de não ter passado do terceiro ano do ensino fundamental.

Um de quatro irmãos, Guzmán nasceu num vilarejo montanhoso de Sinaloa, com 40 casas, conhecido como La Tuna. La Tuna fica no condado de Badiraguato, que tem a distinção dúbia de ser o local de nascimento da maior parte dos famosos chefões do tráfico do México. A localização de Badiraguato tem muito a ver com isso: é a porta do "triângulo dourado" do México, uma intersecção remota e montanhosa dos Estados de Sinaloa, Durango e Chihuahua onde a maconha e o ópio são cultivados há gerações.

Pouco se sabe sobre os primeiros anos da vida de Guzmán. "Quando começava a falar sobre sua infância, ele parava, como se fosse algo que quisesse esquecer", disse Zulema Hernández, uma ex-policial que conheceu Guzmán na prisão, onde ela passou uma temporada por roubo, em uma entrevista ao jornalista mexicano Julio Scherer para seu livro sobre o sistema carcerário do país.

Hernández disse que Guzmán é motivado pelo medo de voltar à miséria. "Ambos compartilhamos o medo de ser pobre", disse ela ao jornalista. Hernández também entrou para o tráfico de drogas depois de ser solta em 2004, segundo afirma a polícia mexicana, e foi encontrada morta no porta-malas de um carro abandonado na Cidade do México no ano passado. A polícia não acredita que sua morte tenha ligação com Guzmán.

Badiraguato, um dos 200 condados mais pobres do México, oferece poucas oportunidades de emprego aos jovens, a não ser o tráfico de drogas. A sociedade de Badiraguato é vista como machista, reservada, formada por clãs fechados onde a lealdade é intensa e onde vendettas sangrentas e mortes em nome da honra são comuns.

Tentar prender Guzmán num lugar como Badiraguato é uma tarefa de vulto. O condado cobre 6 mil quilômetros quadrados, com mais de 450 vilarejos espalhados por montanhas inacessíveis. Em muitos deles a polícia não está presente, apenas os pistoleiros dos carteis.

A vila natal de Guzmán fica a cinco horas de automóvel da sede do condado, por uma estrada de terra acidentada.

Jornalistas do "The Wall Street Journal" tentaram visitar o vilarejo junto com uma autoridade local, que queria exibir os esforços de desenvolvimento econômico do México, como a construção de cabanas rústicas para turistas ecologicamente corretos. Mas, depois de um atraso de dois dias, a autoridade disse que a viagem seria muito perigosa. "Me informaram que a visita seria vista como inconveniente", disse ele. "Chapo não gosta de publicidade."

Quando jovem em Badiraguato, na década de 1980, Guzmán galgou a hierarquia para se tornar o braço-direito de Miguel Ángel Félix Gallardo, outro cidadão de Badiraguato e ex-policial que se transformou no maior barão das drogas do México, segundo analistas e ex-policiais.

Mas a relativa unidade imposta por Félix Gallardo entrou em colapso depois de sua prisão, em 1989. Seu império, em especial as passagens de fronteira que eram pontos de tráfico úteis, foi dividido entre seus principais assistentes. Guzmán e seu amigo Héctor "El Guero" Palma ficaram com o cruzamento de fronteira de Mexicali, a cerca de 110 quilômetros de Tijuana.

Guzmán, então, começou a construir seu próprio império. Ele foi pioneiro no uso de túneis subterrâneos na fronteira entre o México e os Estados Unidos, para a travessia de drogas. Um desses túneis perto de San Diego tinha até eletricidade, respiradouros e trilhos para o transporte das drogas, segundo a Drug Enforcement Agency (DEA), agência de combate à drogas do governo dos EUA.

Guzmán operava uma "linha de montagem" que embalava cocaína em latas de pimenta malagueta da marca Comadre, exportando as drogas para os EUA por trem, segundo testemunhou o ex-principal contador de Guzmán, Miguel Angel Segoviano, no julgamento de um dos sócios de Guzmán em 1996. Guzmán importava para o México milhões de dólares em valises que passavam pelo aeroporto da Cidade do México, onde funcionários do governo federal subornados certificavam-se de que não haveria inspeções.

No começo de novembro de 1992, cinco pistoleiros da gangue rival Arellano alvejaram o carro de Guzmán com fuzis AK-47 quando ele passava pela principal avenida de Guadalajara, então o centro da indústria do tráfico de drogas do México.

Dias depois, El Chapo voltou a atacar. Um comando de cerca de 40 pistoleiros disfarçados de policiais, atacou o clube noturno Christine"s, frequentado por turistas americanos no resort de Puerto Vallarta. Cinco pessoas morreram no tiroteio.

Seis meses depois, pistoleiros da Arellano mataram sete pessoas em uma troca de tiros espetacular no estacionamento do aeroporto de Guadalajara, onde Guzmán havia ido para embarcar em um voo. Dois guarda-costas e cinco transeuntes morreram, incluindo Juan Jesús Posadas - cardeal da cidade e um dos dois principais prelados do México.

Guzmán disse posteriormente à polícia que escapou rastejando e rolando para fora do estacionamento, conseguindo depois pegar um táxi. Ele se escondeu na Cidade do México, comprou passaportes falsos e foi para a Guatemala.

A morte do cardeal chocou o México e forçou o governo a dar uma exibição de linha dura contra os traficantes de drogas. Apenas 16 dias depois, Guzmán foi capturado por soldados guatemaltecos e enviado para o México.

Interrogado pela polícia após sua prisão, Guzmán negou que estivesse envolvido no tráfico de drogas. Ele disse que "toda a minha vida tenho me dedicado à agricultura". Ele disse que era fazendeiro e empresário, que comprava e vendia milho, açúcar, produtos enlatados e sementes, e que também se interessava por brigas de galo. Sua renda, disse ele, era de cerca de "20 mil pesos novos [US$ 5,7 mil] por mês, sem nenhum extra". Aficcionado por armas, ele disse à polícia que preferia o rifle automático russo AK-47.

Guzmán foi sentenciado a 20 anos de prisão por conspiração, suborno e tráfico de drogas. Ele foi enviado para Puente Grande, uma prisão de segurança máxima, de onde continuou administrando seu império. Na prisão, ele subornou praticamente todo mundo, incluindo o diretor da prisão, que está hoje na cadeia por ter facilitado a fuga de Guzmán.

Segundo policiais que investigaram sua fuga, o dinheiro de Guzmán lhe comprou privilégios. Sua cela tinha televisor e às vezes ele escolhia o que queria comer em um cardápio, em vez de ser servido junto com o resto dos presidiários. Ele tinha um celular para continuar dirigindo seus negócios e sempre se encontrava com membros de sua organização. Outros visitantes regulares eram sua esposa, além de várias amantes e prostitutas. Ele recebia Viagra de fora da prisão.

Uma de suas amantes era Zulema Hernández, a policial que foi presa por roubo. Depois que os dois se envolveram pela primeira vez, Guzmán lhe enviou uísque e flores, seguidos de dezenas de cartas de amor, ditadas por Guzmán e escritas por outros presidiários.

A história oficial do México sobre a fuga de Guzmán é contada assim: ele se tornou amigo de um funcionário da área de manutenção da prisão, chamado Javier Camberos. Guzmán, então, disse então aos guardas que estavam em sua folha de pagamentos que Camberos iria levar uma certa quantidade de ouro para fora da prisão em um carrinho de lavanderia e que eles não deveriam revistar o carrinho. Mas na noite de 19 de janeiro de 2001, Guzmán se escondeu dentro do carrinho e Camberos o conduziu para fora da prisão. Camberos está agora preso por ajudá-lo a fugir.

Muitos mexicanos acreditam que funcionários da prisão basicamente deixaram Guzmán sair. É difícil saber exatamente o que aconteceu, em parte porque as fitas do sistema de câmeras de vigilância da prisão com as gravações daquela noite foram apagadas por funcionários da prisão. Jorge Tello, uma das principais autoridades de segurança do México na época, visitou a prisão no dia da fuga, depois de ter ouvido rumores de que Guzmán poderia estar armando uma fuga. Apesar da visita, Guzmán conseguiu fugir. Tello, que não respondeu a pedidos para comentar o assunto, é hoje o principal consultor do presidente Felipe Calderón na guerra contra as drogas.