Título: Vacinação terá restrição etária
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2010, Brasil, p. 7

Ministério da Saúde divulga programa de combate à influenza A(H1N1), e especialistas criticam plano de imunização que só contempla adultos até 29 anos ou acima de 60

Rafael teve a doença em agosto: ¿Em meio ao desespero, faltava aos profissionais de saúde uma orientação¿

Na tentativa de combater o que o governo batizou como a segunda onda da influenza A(H1N1) no Brasil, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou ontem uma estratégia de enfrentamento da gripe suína. O plano inclui, entre outras medidas, um calendário de vacinação que começa em março, a ampliação das unidades de atendimento, a capacitação de profissionais e o aporte financeiro para que sete novos laboratórios possam identificar a doença com mais rapidez.

O pacote foi bem recebido por especialistas, mas um dos principais pontos do programa ¿ a imunização ¿ encontrou resistência entre os médicos ouvidos pelo Correio. Isso porque há uma brecha na cobertura das pessoas enquadradas no grupo de risco. É o caso da população adulta e considerada saudável. Apenas a faixa etária de 20 a 29 anos será imunizada contra a doença, apesar de os infectologistas acharem que o número poderia ser maior.

A preocupação está baseada em números. Em 2009, o país teve teve 1.705 óbitos e 39.679 casos graves da doença. Mais de um terço (cerca de 36%) envolveu pessoas até 40 anos e fora do grupo de assistência do governo que tem ainda mulheres grávidas e pessoas com doenças crônicas graves como diabetes e problemas respiratórios. ¿A faixa etária de adultos beneficiados poderia ser maior, já que grande parte das mortes relacionadas no ano passado tinha esse perfil. O número de mortes foi alto porque o governo restringiu o medicamento justamente para esse público que não se enquadrava no grupo de risco¿, critica o infectologista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Edimilson Migowski. O especialista se refere ao antiviral Tamiflu que, segundo normas do Ministério da Saúde, só poderia ser administrado em pacientes com síndrome respiratória grave, gestantes ou portadores de algum fator de risco como doenças cardíacas.

O médico e infectologista do Hospital Oswaldo Cruz, Stefan Ujvari, endossa as críticas e reforça outra preocupação: ¿Cerca de 1/4 dos casos registrados da doença no Brasil incluíam crianças de 0 a 2 anos. Como a dose da vacina não pode ser aplicada em crianças menores de seis meses, uma alternativa seria vacinar pessoas que lidam diretamente com essa faixa etária. Os Estados Unidos já pensam em adotar essa ideia¿, diz.

A estratégia de prevenção do governo será tomada antes do início do inverno, que começa em junho. O ministro José Gomes Temporão minimizou a preocupação dos especialistas e disse que as pessoas fora do grupo de risco não devem procurar se medicar por conta própria. ¿Em nenhum país do mundo existe cobertura 100% de vacinação e também não é necessário. Nós já estamos com uma cobertura de grupos de risco bem ampla e capaz de atender as demandas estimadas pelo governo¿, acredita. Hoje, o Brasil tem um estoque de antivirais capaz de realizar 21,9 milhões de tratamentos contra a gripe suína. Este ano, o Tamiflu só será adquirido na rede pública de saúde para evitar a automedicação.

O número 300 mil Número de médicos que serão capacitados se somará a 292 mil enfermeiros e demais profissionais, como seguranças, recepcionistas e pessoal de limpeza

Imunização em 36 mil postos

Os grupos de riscos foram classificados ontem pelo governo durante a divulgação das estratégias para o enfrentamento da doença em 2010. O Ministério da Saúde comprou 83 milhões de doses para imunizar seis grupos de prioritários, de acordo com a determinação da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Uma das prioridades do governo para esse ano foi incluir adultos de 20 a 29 anos e crianças de seis meses a dois anos entre os grupos de risco. No ano passado, eles foram os que mais apresentaram vulnerabilidade à doença. Foi o caso de Rafael Câmara, estudante universitário de 21 anos que contraiu a doença em agosto do ano passado. ¿Lembro que em meio ao desespero que a gente enfrentava nos hospitais em busca de ajuda, faltava aos profissionais de saúde uma orientação adequada e até preconceito. Senti na pele a discriminação do segurança de um hospital particular que me tirou da cadeira onde ele esteve sentado aos gritos, dizendo que eu era doente.¿

Para evitar constrangimentos como esse e melhorar o atendimento, o governo vai capacitar cerca de 300 mil médicos, 292 mil enfermeiros e outros profissionais envolvidos nas ações de enfrentamento à doença como seguranças, recepcionistas e pessoal de limpeza. Além de pessoas incluídas na faixa etária de Rafael ¿ 20 a 29 anos ¿, terão preferência na lista de vacinação trabalhadores de saúde, indígenas, gestantes e pessoas com doenças crônicas. O calendário de vacinação é dividido em quatro etapas e começa no dia 8 de março (leia quadro acima).

Na segunda etapa, serão contempladas crianças de seis meses a dois anos de idade e cerca de 13,8 milhões de pessoas com doenças crônicas, como obesidade mórbida, problemas respiratórios, cardíacos e doenças hepáticas. O prazo para esse grupo é de 22 de março e 2 de abril. Adultos com idade entre 20 e 29 anos terão prioridade entre 5 e 23 de abril. Já os idosos (acima de 60 anos) serão vacinados durante o mesmo período da vacinação contra a gripe comum, entre 24 de abril e 7 de maio. ¿O nosso maior desafio é contemplar um universo distinto como esse, com capacidade de atender a todos e, assim, evitar a disseminação do vírus¿, avalia Temporão.

O dinheiro destinado à compra de vacinas ¿ R$ 1,006 bilhão ¿ é parte do montante de R$ 2,1 bilhões aprovado, por meio de medida provisória, em outubro de 2009, como crédito suplementar para combater a doença. A quantidade de doses a serem distribuídas será estabelecida pelas secretarias estaduais de saúde de acordo com a demanda. Os locais de vacinação ¿ 36 mil salas em todo o país ¿ também serão definidos pelos órgãos estaduais de saúde em conjunto com as secretarias municipais. Além da vacinação, o governo vai gastar R$ 525 milhões para equipar leitos de Unidades de Terapia Intensiva(UTI), ambulatórios e hospitais especializados e reforçar o Programa Saúde da Família. (DS)

O nosso maior desafio é contemplar um universo distinto como esse, com capacidade de atender a todos e, assim, evitar a disseminação do vírus¿

José Gomes Temporão, Ministro da Saúde

Calendários

Como prevenir

Lavar as mãos com frequência e sempre que tossir ou espirrar

Utilizar lenço descartável para higiene nasal

Cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir

Evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca

Se surgirem sintomas de gripe (principalmente febre, tosse, dor de cabeça e no corpo), procure o médico e não tome medicamento por conta própria.

Fonte: Ministério da Saúde

Tira dúvidas

1 Uma pessoa que já tenha contraído a doença pode pegar novamente? Não. O que se sabe por meio de pesquisas científicas é que a pessoa fica imune até que o vírus venha a sofrer algum tipo de mutação capaz de modificar todo o quadro imunológico do paciente.

2 Pessoas enquadradas no grupo de risco e que já tiveram a gripe suína podem ser mais suscetíveis? Não. De certa forma elas já estão imunes à doença devido à medicação que tomaram quando foram contaminadas. Mas, como a doença está em constante estudo, é importante que a pessoa do grupo de risco adote todas as medidas de cauleta.

3 Há contraindicação para a vacina? A vacina é contraindicada para quem tem alergia a ovo. O mesmo ocorre com pessoas que têm algum quadro de doença febril aguda.

4 Quem tomar a vacina contra a gripe comum deve tomar também a vacina contra a gripe suína? As pessoas que estão em grupo de risco e quiserem tomar a vacina contra gripe comum podem fazer sem problemas.

5 Qual a validade da vacina? A vacina começa a agir no organismo em 14 dias. Enquanto não houver mutação capaz de inviabilizar esse medicamento, a pessoa estará imune à doença. Mas como é cedo para dizer se o vírus sofrerá mudanças ou não, o certo é sempre tomar o medicamento, para quem estiver enquadrado no grupo de risco, além de adotar todas as precauções necessárias.