Título: Um bom momento para mudanças no Senado
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2009, Opinião, p. A12

Durante os longos 21 anos da ditadura militar que se iniciou em 1964, um Congresso relativizado por atos institucionais era apenas sombra de poder. O restabelecimento das prerrogativas do Legislativo foi, sem dúvida, o mais importante passo na direção da redemocratização brasileira. Na ditadura varguista (1937-1945), o Legislativo sequer foi coadjuvante de um poder autoritário porque simplesmente não existia. Num país cuja história é uma sucessão - felizmente interrompida - de regimes autoritários, a preservação do Legislativo é uma convicção que foi absorvida pela opinião pública. Isso é um senso comum, um parâmetro de ação política. É a partir dessa convicção que se vem alicerçando a recente democracia brasileira.

Esse é um ganho histórico que não deve ser apropriado por eventuais eleitos para cargos no Executivo ou no Legislativo como um bem pessoal. Se os poderes funcionam autonomamente, se a democracia prevalece sobre tentativas autoritárias, se o poder militar se submeteu ao poder político, é porque a sociedade fez prevalecer convicções democráticas como um bem coletivo, uma construção de todos os brasileiros. O Legislativo é um produto de conquista coletiva.

O Congresso vive profunda crise, alvejado por denúncias sucessivas. As críticas, todavia, partem dessa convicção democrática. Daí a estranheza com as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Eu não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo", disse ele, como se a negação das evidências de que existe algo muito errado no Congresso fosse condição para a manutenção da democracia, e como se ela dependesse da complacência com esses erros. O próprio Lula, contraditoriamente, afirmou que é necessário "separar o joio do trigo e, se tiver alguma coisa errada, que haja uma investigação correta".

As últimas denúncias envolvendo o Senado formam um mosaico que transcende um mero "denuncismo". A soma de todas as pequenas e grandes denúncias, pequenos e grandes salários de familiares ou amigos abrigados no Senado e contratos firmados por diretores formam um quadro de prevalência, no Legislativo, de uma cultura nada democrática de uso privado de um espaço público. A visão que se tem da instituição por esse prisma é a do uso distorcido do poder conferido pelo voto aos políticos. São em momentos como esse, de profundo questionamento, que os políticos são obrigados a mudar usos e costumes consolidados. Até que os erros fiquem expostos à opinião pública, lealdades políticas ou o compartilhamento de privilégios tornam a instituição imune a qualquer mudança.

Os senadores que, aproveitando a crise do Senado, apresentaram ao presidente da Casa, José Sarney, propostas de mudanças, entenderam a oportunidade efetiva de democratizar a instituição. Um Senado mais transparente tem mais condições de atuar pelo bem público.

Os senadores Sérgio Guerra (PSDB-PE), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Cristovam Buarque (PDT-DF), Tião Viana (PT-AC), Arthur Virgílio (PSDB-AM), Pedro Simon (PMDB-RS), Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Renato Casagrande (PSB-ES) propuseram a Sarney uma auditoria externa dos contratos do Senado, a demissão do diretor-geral e de toda a atual diretoria e regras que submetem os novos dirigentes da Casa a todo o colegiado de parlamentares. Se forem acatadas as propostas dos senadores, os diretores indicados para posições administrativas terão de ser sabatinados e aprovados pelos 81 senadores, em plenário. Sugerem que os administradores submetam os seus nomes aos senadores junto com uma proposta de reforma administrativa da instituição - isto é, seria guindado ao posto com um mandato, o de implementar reformas que signifiquem redução do número de funcionários e dos benefícios dos senadores.

Uma proposta muito importante, que parece entender a origem da crise de credibilidade do Senado, é a de estabelecer uma reunião ordinária mensal para definir a pauta de votações do plenário. Um enorme poder sobre a agenda legislativa dá um igual poder de barganha às mesas do Senado, em especial ao seu presidente - e essa é, senão a origem de privilégios, pelo menos uma razão para que eles permaneçam intocados.