Título: Brasil já adota várias propostas de Obama
Autor: Carvalho , Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2009, Finanças, p. C2
As reformas propostas pelo governo Obama para o sistema financeiro americano nesta semana não são novidade para o Brasil.
"O sistema financeiro sempre foi altamente controlado no Brasil. Por isso, o BC monitora tudo que é feito. Até operações feitas diariamente em bolsa são identificadas", disse o professor de ambiente econômico global do Insper, Otto Nogami. "Não é possível exercer atividade financeira sem estar mapeado no Brasil", concordou o sócio-líder de serviços financeiros da KPMG, Ricardo Anhesini.
A maturidade da supervisão brasileira foi reconhecida quando o país foi escolhido para integrar o conselho de governança do Banco para Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais, em maio passado, afirmou o sócio da área de gestão de risco da Deloitte, Rodrigo Mendes. "O BC brasileiro sempre teve uma postura mais conservadora", acrescentou.
Isso não quer dizer, porém, que não haja espaço para aperfeiçoamentos nas regras do sistema financeiro nacional. Melhorar as regras de supervisão bancária foi uma das determinações da última reunião do G-20. "Na ocasião, todos os governantes voltaram para casa com a tarefa de estudar aperfeiçoamentos para evitar novas crises. Os Estados Unidos estão saindo na dianteira", disse Mendes.
Além disso, é preciso levar em conta que os mercados americano e brasileiro são de dimensões muito diferentes.
Tanto Mendes quanto Anhesini apontam a área de derivativos como uma das que precisam ter as regras melhoradas. As deficiências ainda existentes explicam em parte as pesadas perdas que várias empresas brasileiras registraram com derivativos atrelados ao câmbio na crise internacional. O BIS estimou essas perdas em US$ 25 bilhões.
As operações padronizadas de derivativos são bem monitoradas no Brasil. As de balcão são registradas na BM&FBovespa ou na Cetip, embora não haja marcação a mercado nem registro das mudanças de posição. Mas nem todas as exóticas são controladas aqui. Nos EUA, não há nem o registro das operações não padronizadas e essa é uma das correções sugeridas.
Anhesini atribui a segurança dessas operações no mercado brasileiro em parte à reforma feita no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) na década de 90, que regulou as câmaras de compensação e de liquidação.
Entre as propostas de Obama já praticadas no Brasil Anhesini destacou a proposta de fortalecer o poder supervisor do Fed. O BC brasileiro, disse, já é supervisor único com amplos poderes, inclusive fora da área financeira. A legislação contra a lavagem de dinheiro, lembrou, autoriza o BC a fiscalizar até empresas imobiliárias, negociadores de objetos de arte e auditorias.
O conselho unificado de supervisão financeira proposto por Obama foi comparado por Anhesini ao Conselho Monetário Nacional (CMN), que reune o Banco Central e autarquias como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A intenção de Obama de aumentar as exigências de capital para as instituições financeiras vai em linha da determinação do BC brasileiro de estabelecer limites de capital variáveis conforme a área de atuação. Assim, há um capital mínimo diferente para um banco múltiplo, um comercial e uma corretora, além dos valores exigidos conforme o risco incorrido, que são determinadas pelo BIS. O próprio parâmetro estabelecido pelo BIS foi reforçado pelo BC brasileiro, que exige dos bancos um capital mínimo equivalente a 11% dos riscos, acima dos 8% do BIS.
Anhesini lembrou que grandes instituições financeiras americanas como o Goldman Sachs, o Morgan Stanley e a GMAC tiveram que se transformar em holding bancária para ter acesso ao pacote de ajuda do Troubled Asset Relief Program (Tarp) do Tesouro.
O sócio-líder de serviços financeiros da KPMG afirmou que as propostas de Obama ainda levarão tempo para serem apreciadas pelo legislativo americano e podem sofrer adaptações no processo.
No curto prazo, o processo de adaptação das instituições financeiras pode causar uma redução no fluxo de recursos para o Brasil e outros mercados emergentes, prevê Anhesini. "A fase de adaptação trará consequências. Além disso, haverá custos novos também, que acabarão recaindo em algum ponto do processo", disse.