Título: OMC pressionará Brasil por oferta industrial
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2005, Brasil, p. A4

A direção da Organização Mundial do Comércio (OMC) quer aprovar um pacote de medidas até o fim de julho para facilitar a conferência ministerial do final do ano em Hong Kong e permitir a conclusão da Rodada Doha em 2006. Nesse cenário, a pressão sobre o Brasil vai aumentar para que o país se comprometa a abrir mais seu mercado à importação de produtos industriais e bens de consumo e a fornecedores estrangeiros de serviços, em troca de avanços na negociação agrícola. A União Européia e os Estados Unidos consideram o Brasil um país chave para o avanço ou não das negociações. ´´O Brasil tem todo interesse em concluir a Rodada Doha rapidamente e, para isso precisa ter na negociação industrial a mesma liderança que mostra na negociação agrícola´´, diz um embaixador europeu. Para o diretor-geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, um pacote em julho poderá ser facilitado se antes, em maio, os principais países emergentes, como Brasil e Índia, fizerem importantes ofertas no setor de serviços (bancos, telecomunicações, energia etc). O pacote de julho poderá incluir medidas sobre tratamento especial e diferenciado para as nações em desenvolvimento nos acordos comerciais, além de questões como extensão de indicações geográficas e medidas de comércio relacionadas a investimentos (conhecidas pela sigla TRIMS). "O diretor-geral tem dito com firmeza que precisamos ter algum resultado até o final de julho para aliviar a agenda da conferência de Hong Kong", diz o porta-voz da OMC, Keith Rockwell. A UE insiste no ´sentido de ´urgência´´ para as negociações serem retomadas concretamente na OMC. ´´Todo mundo em Genebra concorda que temos de concluir a Rodada até 2006, senão ela vai para as calendas gregas´´, disse um embaixador europeu ao Valor. Os EUA sinalizam que a Rodada Doha precisa de fato terminar em 2006, a tempo para a administração Bush submeter o acordo ao Congresso americano antes que o Trade Policy Authority (TPA, o mandato para o Executivo negociar acordos comerciais) expire, na metade de 2007. O cenário em Genebra prevê que em maio os países apresentem ofertas realmente melhores na área de serviços, com maior abertura de seus mercados. Em julho, um pacote de medidas em outras áreas complicadas, como a extensão de proteção de indicações geográficas. As consultas entre os países nessa área estão sendo coordenadas pelo diretor-adjunto da OMC, o brasileiro Francisco Thompson Flores. Tudo isso para que em dezembro os países cheguem a um acordo sobre as modalidades nas negociações agrícolas e industriais. As modalidades estabelecem percentuais precisos e metodologias para cortar tarifas e subsídios. Elas têm, portanto, enorme impacto nos resultados da rodada. Uma vez fixadas as modalidades, as negociações podem ser aceleradas, e os países passam a acertar fórmulas de reduções tarifárias. Mas há um enorme trabalho técnico a ser feito antes. Na negociação agrícola, será necessário transformar oito mil linhas tarifárias, estabelecidas em 500 páginas, de tarifas específicas (em dólares por tonelada) para tarifas ad valorem (percentagem do preço). Na negociação industrial surge, inclusive para o Brasil, o desafio sobre diferenciação entre países em desenvolvimento. Pelo mandato da negociação de Doha, os países em desenvolvimento em geral podem dar ´´reciprocidade menos que total´´ - ou seja, cortar menos alíquotas de importação do que os países mais ricos. Mas Washington e Bruxelas sinalizaram que só ´´excepcionalmente´´ vão aceitar essa ´´reciprocidade menos que total´´. E vão procurar limitar os países em desenvolvimento que poderão excluir setores sensíveis de suas indústrias do corte tarifário e obter prazos mais longos para reduzir alíquotas em outras áreas. Com relação ao corte de tarifas, muitos países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, mostram-se favoráveis a uma fórmula simples e não-linear - pela qual nem todas as tarifas são cortadas pelo mesmo percentual. Esta solução ataca principalmente os picos tarifários (usados para proteger áreas sensíveis como têxteis, calçados e automóveis) e escaladas (tarifas mais elevadas para bens processados e semi-processados). Outros já preferem a fórmula suíça usada em negociações anteriores, que corta proporcionalmente mais as tarifas mais altas do que as baixas. Os países também não se entendem sobre como dar crédito para aqueles que já liberalizaram além de seus compromissos estabelecidos desde a Rodada Uruguai, anterior à Doha. Várias delegações, encabeçadas pelo Brasil, combatem a idéia de negociação setorial para eliminar alíquotas de alguns produtos. Elas argumentam que uma fórmula que reduza as tarifas já será suficiente para abrir mercados. O Brasil é um dos países mais ativos contrários à negociação setorial, inclusive por seu perfil tarifário. É relativamente linear, equilibrado, com poucos picos de um lado e poucas tarifas extremamente baixas de outro. Se for decidido na OMC um corte linear de tarifas, todos os setores industriais no Brasil serão igualmente afetados. Mas se houver, além disso, negociação setorial, algumas indústrias estarão pagando mais que outras. É por isso que o Brasil defende uma fórmula não-linear, que não arranque toda a proteção de setores ainda insuficientemente maduros para afrontar a concorrência externa. Para o Brasil, a negociação setorial desarranjaria o perfil tarifário interno e no comércio mundial.