Título: A faceta social da política econômica
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2005, Política, p. A5

Toda vez que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, leva ao presidente Lula uma medida para análise, ouve dele a seguinte indagação: de que maneira aquela decisão afeta, para o bem ou para o mal, a população de baixa renda? Acostumado a esse exercício, Palocci tem convencido o presidente, desde o início, da virtude de políticas que, apenas na aparência, são impopulares. Foi assim, por exemplo, com as "rígidas" metas de inflação escolhidas pelo governo. Perseguir sempre a menor inflação é a primeira faceta social da política econômica conduzida sob a liderança de Palocci. A inflação é uma chaga que os brasileiros, especialmente os mais pobres, conhecem bem. Quanto maior o custo de vida, menor o poder de compra da moeda. No passado, a elite fez o governo criar mecanismos para protegê-la desse mal. Durante três décadas, a indexação e as contas remuneradas deram aos ricos e bem-assalariados a sensação de que a inflação não era necessariamente um tormento a ser combatido. Naquela ciranda, os ricos ficavam cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. Trinta anos de inflação crônica talvez expliquem o fato de o Brasil fazer parte, com honras, do G-5, o grupo dos cinco países com a maior concentração de renda do planeta. Embora numa dimensão bem menor, hoje a inflação continua viva - em 2004, pode ter fechado em 7,5% (IPCA). Novamente não se protege dela quem não tem renda ou quem recebe tão pouco que não possui conta bancária. Mesmo vastos setores da classe média não têm como se proteger. Combater a inflação sem tréguas é, portanto, brigar, antes de mais nada, pelos mais pobres, pela maioria. Quanto menor a inflação, maior é o poder de compra dos salários no fim do mês, dos cerca de 15 milhões de aposentados do INSS que ganham salário mínimo, daqueles que sobrevivem com recursos transferidos pelos governos ou mesmo dos que vivem de esmola nas ruas. Inflação mais alta pode até acelerar o crescimento, gerando mais empregos, mas fará isso a um custo elevadíssimo para os paupérrimos, a população de baixa renda e a maioria dos assalariados. Quando optou por uma inflação menor, Lula se afastou dos metalúrgicos do ABC, dos empresários "desenvolvimentistas" que o apóiam e de petistas ilustres, alguns com assento em seu ministério, e aproximou-se dos mais pobres. Foi, sem dúvida, uma decisão política. Pedro Malan, o antecessor de Palocci, também tinha horror à inflação. A qualquer uma. Também não acreditava na lorota de "um pouquinho mais de inflação não faz mal a ninguém". Por isso mesmo, Malan foi duramente atacado durante anos a fio, especialmente, pelos petistas, que viam nele a própria encarnação do coisa-ruim.

Medidas de Palocci beneficiam milhões

O que diferencia a gestão Palocci do período Malan, além da maior ênfase do primeiro na questão fiscal, é que o atual ministro, sem demagogia, introduziu nas políticas do Ministério da Fazenda um viés social. Foram medidas microeconômicas, algumas simples, outras complexas, que, agora, dois anos depois de iniciado o governo Lula, começam a dar resultado. Essas medidas atacam preocupações que pareciam não existir no governo anterior, embora, justiça seja feita, Armínio Fraga, o então presidente do Banco Central, tenha pensado numa agenda parecida - o PT o odeia, mas Fraga, outra encarnação do grão-tinhoso em terras brasileiras, o "mega-especulador" a serviço do magnata George Soros, tinha uma agenda social mais ousada que a dos petistas que o enxotaram do poder. Medidas de estímulo às microfinanças (microcrédito, bancarização etc), destinadas a propiciar o acesso da população excluída do sistema financeiro a produtos e serviços financeiros, o fortalecimento da agricultura familiar, a redução do grau de regressividade da estrutura tributária, a melhoria do acesso da população de baixa renda aos financiamentos habitacionais, a instituição do crédito consignado (para permitir que trabalhadores tenham acesso a empréstimos sem pagar os altíssimos juros de mercado), tudo isso faz parte da agenda econômica da Fazenda para inclusão social. Milhões de famílias têm sido beneficiadas por essas medidas. A visão por trás dessa estratégia é a de que a política social é parte do processo de crescimento. Portanto, ela não é apenas uma questão distributiva, mas um componente do crescimento de longo prazo da economia. Se o país quer crescer durante dez, 15, 20 anos, tem que fazer as reformas institucionais (previdenciária, do Judiciário, independência do BC etc.), mas é preciso casar isso com uma agenda social efetiva para aumentar a escolaridade e o acesso à saúde. Com superávit primário de 4,5% do PIB e juros de 17,75% ao ano, Palocci está fazendo mais pelo social do que as políticas sociais tradicionais porque o objetivo dessas escolhas é um só: estabilizar a economia. Paralelamente a isso e à implantação da sua própria agenda social, o ministro tem exortado os colegas de outros ministérios a avançarem com as políticas de aumento da escolaridade e de acesso à saúde. "Poucos indicadores de crescimento de longo prazo são tão correlacionados quanto os indicadores de escolaridade e saúde", diz um assessor do governo. "Das regularidades que existem na literatura do subdesenvolvimento, uma das maiores é entre esses indicadores sociais e a renda de longo prazo dos países. Países mais educados e com melhores indicadores de saúde no começo do processo crescem mais a longo prazo." Como a diversidade de problemas no Brasil é imensa, as políticas públicas têm que ter uma riqueza equivalente aos desafios. As medidas adotadas pela área econômica atendem mais aos trabalhadores de baixa renda. Os de renda nenhuma são alvo da maior política social do governo Lula, o Bolsa Família, cuja eficiência ainda está por se comprovar.