Título: Fundos para dar e vender
Autor: Pavini , Angelo
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2009, EU & Investimeto, p. D1
Desde maio, com uma nova classificação de carteiras multimercados e de arbitragem (long/shorts), os investidores brasileiros passaram a ter 36 categorias de fundos para investir, sem contar as carteiras de previdência privada, segundo critérios da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Estudo com 34 países elaborado pelo professor William Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças (CEF) da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, mostra que o Brasil tem o maior número de classificações oficiais de fundos do mundo.
Para se ter ideia, só em ações são 17 categorias - Ibovespa indexado, Ibovespa ativo, IBrX indexado, IBrX ativo, telecomunicações, energia, setorial livre, small caps, dividendos, sustentabilidade, livres, fechados, Petrobras FGTS ou Petrobras recursos próprios, Vale FGTS ou Vale recursos próprios e FGTS livres. De multimercados, são mais seis, além de dois long/shorts.
Segundo o estudo feito por Eid e sua equipe, o país com maior número de classificações depois do Brasil é o México, com 14, seguido do Canadá, com 13. "Tantas categorias confundem o investidor e o distribuidor de fundos e atrapalham o desenvolvimento do setor", afirma Eid. Para ele, quanto mais simples, mais fácil seria atrair o investidor. E dá os exemplos da poupança e do CDB. "Aposto que se alguém for falar com o gerente do banco na agência atrás de um multimercado, ele não vai ter ideia de onde investir."
Uma alternativa seria ter categorias mais gerais e deixar que os detalhes das estratégias ficassem a cargo dos distribuidores, como ocorre no exterior. "Mas fica mais fácil para o gestor assim, com esse nível de detalhe, porque aí a responsabilidade da escolha é toda do investidor", diz. Segundo ele, lá fora, há categorias gerais que descrevem o que o gestor faz ou deve fazer. Nos EUA, os fundos são divididos em apenas três categorias: "stock" (ações), "bond" (renda fixa) e "money market" (de curto prazo). Aqui, o gestor se enquadra nos modelos das categorias.
O problema é que poucos investidores entendem as nuances entre as carteiras, acrescenta Eid. "Qual a grande diferença de um multimercado sem renda variável e sem alavancagem para um renda fixa?", questiona o professor. "Apenas o fato de o multimercado poder fazer operações de câmbio."
Outro efeito negativo é que as classificações obrigam o gestor a ficar amarrado em um tipo de estratégia. "Mas quando entrego meu dinheiro para um gestor, o que eu espero é que ele decida qual a melhor estratégia", diz. Há também o efeito da troca de gestores. "Se tenho um fundo macro e toda equipe se demite, o novo gestor não pode mudar a estratégia, senão perde o histórico de rentabilidade do fundo", diz.
Para Eid, a classificação detalhada também cria uma situação mais confortável para o gestor. "Se ele tem um referencial definido e todos caem, ele fica bem, é diferente de comparar o resultado com o retorno absoluto, que é o que interessa ao investidor", diz Eid. "Quanto mais referenciado, mais fácil a vida do gestor."
Já para a Anbid, responsável pelas categorias, a grande quantidade mostra a busca por transparência do mercado brasileiro e ainda os efeitos dos tempos de instabilidade inflacionária e cambial, diz Henrique Teixeira Alves, da Neo Investimentos e integrante da Comissão de Administração de Recursos de Terceiros da Anbid. "Lá fora você tem as categorias mais gerais, mas tem as empresas distribuidoras, os especialistas, que as subdividem em estratégias", explica. "Mas é uma questão semântica se é categoria ou estratégia", diz. Além disso, há a tendência da cultura latina, de tentar colocar tudo escrito, em contraposição à anglo-saxônica, de regular o básico e deixar o mercado se ajustar. "Mas, no fim das contas, dá no mesmo, pois os especialistas fazem a divisão."
Há outros fatores que influenciam o grande número de categorias, como a preocupação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em proteger o pequeno aplicador. Ou ainda a questão tributária, que separa os fundos em de curto ou longo prazo dependendo dos papéis em que aplicam e que define se o investidor vai pagar menos ou mais imposto. Há ainda a classificação de risco de crédito privado, que identifica carteiras que tenham mais papéis de empresas do que do governo. "Dependendo do público-alvo, a regulação é mais restritiva, para favorecer os que conhecem menos o mercado."
As classificações acabam também facilitando as comparações entre os gestores, caso clássico dos multimercados, onde é possível ter um grande número de estratégias diferentes. "Nos multimercados, uma categoria com muita liberdade de atuação, havia uma demanda por mostrar qual a principal fonte de retorno do fundo", diz.
Lá fora, a existência de especialistas, empresas que acompanham fundos ou consultores de investimentos suprem essa necessidade de orientação do investidor. Alves observa que o Brasil se saiu muito bem na crise internacional e um dos fatores foi justamente a regulação. "Se temos algum pecado, é o do excesso de transparência, o que no fim das contas, conceitualmente, é um pecado", diz ele, lembrando as fortes críticas à falta de transparência dos fundos americanos ou europeus. "Aqui discutimos se excesso de informação atrapalha."