Título: Tensão nas ruas
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2010, Mundo, p. 16

Manifestações contra o fechamento de seis emissoras de TV se espalham pelo país. Polícia reage com violência e mata dois estudantes

A Venezuela vive hoje um dia marcado por protestos em todo o país. Grupos de oposição ao governo do presidente Hugo Chávez organizaram marchas populares contra o fechamento de seis canais de televisão na segunda-feira passada. O prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, disse que os atos de hoje servirão para mostrar ao governo o descontentamento com esta ¿nova medida arbitrária e ilegal¿, que busca ¿instalar no país uma hegemonia comunicacional¿.

Na segunda-feira, a decisão de tirar do ar a RCTV Internacional (1)e mais cinco emissoras de TV a cabo (American Network, América TV, Momentum, Ritmo Son e TV Chile) provocou a reação de estudantes, opositores e partidários do governo venezuelano, nas ruas das cidades mais populosas do país. Ontem, militares recorriam a Mérida, onde dois estudantes foram mortos a tiros enquanto participavam dos protestos. O jovem Yosinio Carrillo Torres, 15 anos, morreu na Avenida Las Américas. O segundo manifestante assassinado se chamava Marcos Rosales ¿ ele tinha 28 anos, cursava medicina e era líder estudantil do grupo Um Novo Tempo (UNT).

O governador Marcos Díaz Orellana fez um chamado à calma, suspendeu as aulas em todo o estado de Mérida e responsabilizou os setores ¿contrarrevolucionarios¿ por criarem um clima de violência. Ele anunciou que uma comissão do Corpo de Investigações Penais e Criminalísticas deverá esclarecer a morte dos dois estudantes. O decano da Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais da Universidade de Los Andes (ULA), Raúl Huizi, informou que cerca de 40 pessoas encapuzadas destruíram lanchonetes e centros de estudos, na noite de segunda. Em Anzoátegui, muitos alunos da Universidade Santa María também ficaram feridos.

As aulas permanecerão suspensas por tempo indeterminado. Nazik Alfakih, conselheiro da Faculdade de Direito da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB), convocou toda a comunidade estudantil a mobilizar-se em seu estado. ¿Temos que continuar os protestos contra o fechamento da RCTV e contra a insegurança que reina em toda a Venezuela¿, disse Alfakih ao jornal El Universal.

Imprensa

As manifestações dividiram os jornalistas na Venezuela e em todo o mundo. José Gregorio Guédez, da organização não governamental Jornalistas pela Verdade, expressou seu pesar pelas famílias dos estudantes mortos, mas considerou que as manifestações eram ¿atos de violência financiados por grupos opositores que envenenam os jovens para que saiam as ruas, enquanto eles se fecham em seus laboratórios¿. ¿A RCTV está utilizando o cenário para desestabilizar o país, porque seu único objetivo é a saída de Chávez¿, disse Guédez. Em Viena, o Instituto Internacional de Imprensa (IPI) criticou a medida do governo venezuelano. ¿A decisão de sábado de ordenar deter a transmissão se ajusta a um modelo de opressão dos meios de comunicação livres na Venezuela¿, criticou o diretor do IPI, David Dadge, em nota à imprensa.

Em um primeiro momento, o presidente da Comissão Nacional das Telecomunicações (Conatel), Diosdado Cabello, explicou que as emissoras perderam suas concessões por descumprirem a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, ao não transmitirem discursos de Chávez e comunicados do governo venezuelano. Ontem, ao anunciar a medida, Cabello esclareceu que as redes de TV são consideradas canais nacionais, por transmitirem 90% de sua programação em conteúdos venezuelanos. Os canais devem contestar na Justiça a definição de meio de comunicação nacional e internacional.

Com os índices de aprovação abaixo de 50%, Chávez enfrenta agora as manifestações dos estudantes. A grande prova de fogo, porém, deve ocorrer no fim do ano, quando ocorrem as eleições legislativas. ¿O povo tem em suas mãos uma fatura para este governo que lhe corta a luz, a água, que lhe fecha as janelas da informação. Vamos cobrá-la em 26 de setembro, quando devolvermos ao povo venezuelano um Parlamento que garanta o respeito à Constituição¿, ressaltou o prefeito Ledezma.

1 - Da decadência ao triunfo A RCTV foi suspensa em maio de 2007, data em que deixou de ser canal aberto. A justificativa era de que ela mantinha uma posição bastante crítica ao governo. A emissora conseguiu a proeza de motivar milhões de venezuelanos a assinarem, pela primeira vez, o sistema de televisão a cabo, para continuarem a assistir à programação. Dos 188 canais por assinatura, 24 eram nacionais e 164, internacionais. Em pouco tempo, a audiência subiu de 19% para 65%, e passou a ser líder absoluta da televisão por assinatura na Venezuela. Veja galeria de fotos dos protestos de ontem na Venezuela

Cobrança a caminho Arquivo pessoal

¿O povo tem em suas mãos uma fatura para este governo que lhe corta a luz, a água, que lhe fecha as janelas da informação. Vamos cobrá-la em 26 de setembro, quando devolvermos ao povo venezuelano um Parlamento que garanta o respeito à Constituição¿

Antonio Ledezma, prefeito de Caracas

Renúncia justificada

Na última segunda-feira, o vice-presidente e ministro da Defesa da Venezuela, coronel Ramón Carrizález, pediu sua renúncia ao presidente Hugo Chávez, alegando ¿motivos estritamente pessoais¿. Para evitar boatos de oposição a Chávez, ele destacou que ¿qualquer versão distinta¿ era ¿falsa e tendenciosa¿. No entanto, fontes militares em Caracas asseguram que a demissão é em resposta a desentendimentos com o mandatário. Alguns fatores teriam pesado na decisão de Carrizález. Em primeiro lugar, Chávez integrou oficiais cubanos às Forças Armadas venezuelanas e lhes permitiu ascender a graus superiores ao dos próprios chefes. Em segundo lugar, o ex-vice-presidente era partidário de não fechar a emissora RCTV imediatamente e teria ficado incomodado com o respaldo de Chávez à decisão do diretor do Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), Diosdado Cabello.

Fontes cubanas disseram ao jornal El Universal que o atual chefe do Comando Estratégico Operacional (CEO), general Carlos Mata Figueroa, será nomeado novo ministro da Defesa. Para comandar a Guarda Nacional, Chávez estaria considerando os nomes do general Luis Mota Domínguez e do chefe do Comando Regional Nº 5, general Alirio José Ramírez. Os nomes do chanceler Nicolás Maduro e do ministro do Gabinete, Luis Reyes Reyes, também foram cogitados como possíveis candidatos para substituir Carrizález na vice-presidência. Outras fontes garantem que o escolhido será o atual vice-chanceler para América Latina e Caribe, Francisco Arias Cárdenas.

A mulher de Carrizález e ministra do Meio Ambiente, Yubirí Ortega, seria substituída por Claudia Salerno, atual diretora geral de Cooperação Internacional da pasta. Chávez deve procurar também um nome para ocupar as vagas de Eugenio Vásquez Orellana, que renunciou aos cargos de ministro de Banca Pública e de presidente do Banco de Venezuela.

França

O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela rejeitou ontem as declarações do porta-voz da chancelaria francesa, Bernard Valero, que criticou a medida de fechamento das seis emissoras de TV por assinatura, e pediu uma retificação do governo francês. Em nota, a chancelaria venezuelana destacou que, ¿como país independente, livre e profundamente democrático, toma decisões soberanas que garantem a aplicação da Constituição e as leis, e vela de maneira irrestrita pelo respeito de todos os direitos fundamentais¿.

Autoridades do Chile também se pronunciaram ontem sobre o tema. No caso da TVN (emissora chilena), o governo de Michelle Bachelet considerou tratar-se de questões administrativas estabelecidas pela lei interna da Venezuela, o que não viola ¿a liberdade de expressão¿. (VV)