Título: Ilhados em Machu Picchu
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Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2010, Mundo, p. 18

Pelo menos 100 brasileiros estão presos na região, em meio às fortes chuvas que já provocaram a morte de cinco pessoas

As chuvas do último fim de semana que atingiram o departamento (estado) de Cuzco, no Peru, causaram a morte de pelo menos cinco pessoas e deixaram mais de 1,9 mil turistas isolados na região de Machu Picchu, entre eles cerca de 100 brasileiros. Autoridades divulgaram que dois homens morreram ao cair no Rio Vilcanota (ou Urubamba), enquanto outro foi arrastado por uma avalanche na província de Calca. Já na cidade de Cuzco, mãe e filho morreram no desabamento de sua casa.

A imprensa peruana divulgou que uma turista argentina de 20 anos e um guia peruano também teriam morrido na Trilha Inca ¿ o famoso caminho que leva até Machu Picchu. No entanto, as autoridades não haviam confirmado a informação até a noite de ontem. Além de resgatar os corpos das vítimas, a polícia tenta retirar os turistas dos locais isolados. Luiza Midding, 45 anos, confirmou ao Correio que algumas pessoas já foram resgatadas com a ajuda de helicópteros. ¿Ontem (segunda-feira) saíram umas 20 pessoas daqui. Estão priorizando pessoas de idade, doentes e mães com filhos pequenos¿, detalha.

Os deslizamentos de terra bloquearam o acesso a Aguas Calientes, povoado que fica praticamente no sopé da montanha de Machu Picchu. Caminhões e ônibus ficaram parados nas principais estradas da região, e a ferrovia que liga Cuzco a Aguas Calientes foi destruída. ¿Vi algumas pessoas dormindo na estação ferroviária, em hotéis e sei que também tem gente dormindo na rua¿, conta Luiza, que mora em Santa Catarina.

Ela passou o dia de ontem andando pelas ruas de Aguas Calientes, no Peru, com o marido e os dois filhos, de 19 e 21 anos. ¿Não temos onde ficar, onde passar o dia¿, explica. A analista de recursos humanos que havia viajado com a família para conhecer Machu Picchu e Cuzco teve de dividir dois colchões com oito pessoas na madrugada de ontem. ¿Demos sorte porque a nossa guia, que é peruana, conseguiu um quarto na casa de uma família para a gente¿, afirma.

A catarinense estava hospedada na última segunda-feira em um hotel de frente para o Rio Vilcanota, que transbordou por causa das chuvas intensas. ¿Tínhamos chegado na noite anterior ao hotel, mas lá pelas 6h da manhã (9h em Brasília) o rio subiu e, uma hora depois, tivemos que esvaziar o local¿, recorda. Na noite de domingo, ela e a família tiveram dificuldades para chegar ao local. ¿O trem atrasou bastante. A chuva já estava causando deslizamentos sobre a ferrovia¿, esclarece.

Preocupação No país desde quinta-feira passada, a analista conta que ainda tem água potável e comida para os próximos dois dias. ¿Mas não sei como vai ser a nossa situação daqui para a frente se as condições não melhorarem¿, ressalta, preocupada. Ela alerta, ainda, para o fato de os produtos nos mercados locais estarem acabando e, com isso, os comerciantes inflacionam os preços. ¿O dinheiro está acabando e não tem como sacar mais.¿ A catarinense se mostra angustiada em não saber quando conseguirá deixar a cidade. ¿Os guias estão retornando a pé por trilhas para ver se há condições de passagem para sairmos daqui. Mas pelo que me disseram, está tudo bloqueado¿, conta.

O Itamaraty destacou que o responsável pelo resgate dos turistas é a Defesa Civil peruana, que possui 6 helicópteros, cada um com capacidade para 25 pessoas. A assessoria de imprensa explicou que a principal função do Ministério das Relações Exteriores é ser um canal de informações e de contato tanto com os familiares dos brasileiros quanto com as autoridades nacionais e peruanas. ¿Dois funcionários da embaixada brasileira foram a Cuzco, para assistir às pessoas isoladas¿, afirmou.

Embora haja turistas que, como Luiza, acreditem ser necessário que o governo brasileiro mande apoio, principalmente reforço aéreo, ao Peru, o Itamaraty considera o vizinho apto a realizar as buscas e resgates de todos que estão na região. A assessoria do órgão destacou que as autoridades peruanas tentam reconstruir o trecho ferroviário destruído.

¿Não sei como vai ser a nossa situação daqui pra frente se as condições não melhorarem.¿

Luiza Midding, 45 anos

Para saber mais A pérola dos incas

É difícil passar pelos pórticos de pedra de Machu Picchu e não se extasiar com tanta beleza. A cidadela ficou escondida pela vegetação do século 16 até 1911, quando o arqueólogo norte-americano Hiram Bingham descobriu o tesouro inca a partir de informações repassadas por moradores da região. Divididas nos setores urbano, religioso e agrícola, as ruínas de pedras meticulosamente recortadas e coladas umas às outras se harmonizam com a paisagem exuberante e verde. A densa neblina e o Huayna Picchu (¿montanha jovem¿, em quéchua) ¿ um pico de 2.720m que oferece uma visão panorâmica de Machu Picchu ¿ tornam o ambiente ainda mais espetacular.

Os historiadores acreditam que os conquistadores espanhois comandados por Francisco Pizarro jamais tomaram conhecimento da existência da cidadela. São muitas as teorias sobre o motivo de Machu Picchu ter sido construída em um local tão inóspito. Algumas sustentam que ela foi uma espécie de retiro de sacerdotisas. Outras sugerem uma ligação direta com o imperador Pachacutec Inca Yupanqui ¿ o nobre teria ordenado a construção do complexo, situado a 2.430m sobre o nível do mar. Outra tese é de que Machu Picchu seria uma llaqta, um entreposto comercial erigido para controlar a economia de regiões conquistadas pelos incas.