Título: BC deve evitar bolhas especulativas
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 23/06/2009, Finanças, p. C1

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, sugeriu ontem uma ampla e ambiciosa agenda de mudanças na regulação do sistema financeiro internacional.

"As lições da crise não devem ser esquecidas", disse Coutinho, ontem, ao participar do seminário "Bancos Públicos - Financiamento ao Desenvolvimento e Regulação Bancária", organizado pelo Valor Econômico.

Para Coutinho, a regulação dos sistemas financeiros deveria, a partir de agora, ampliar seu escopo para evitar novos períodos de turbulência. O poder do Banco Central, segundo ele, deveria ser ampliado para combater não apenas a inflação de preços, mas também evitar as bolhas especulativas.

Segundo ele, a crise derrubou a teoria dos mercados eficientes baseado na hipótese das expectativas racionais e também demonstrou de maneira "inegável" que o capitalismo sempre tem comportamento cíclico, com as inovações financeiras potencializando os ciclos de valorização dos ativos.

Nesse sentido, há dois princípios a seguir. Primeiro, os riscos sistêmicos deveriam ser considerados como elementos centrais de políticas públicas e de regulação financeira, incluindo não somente os sistemas bancários de crédito, mas todos os agentes do sistema financeiro. O segundo aspecto que ficou evidente, segundo ele, é a "falência" da autorregulação.

"O plano do [presidente americano Barack] Obama reconhece esses dois princípios. Mas o modelo brasileiro, que era considerado anacrônico e atrasado, na verdade hoje é o mais moderno e adequado e o mundo caminha para uma regulação como a do Brasil", afirmou Coutinho.

O poder da autoridade monetária, portanto, deveria ser ampliado, com novas atribuições e mais ferramentas à disposição para atingir todos os objetivos. "Deve ser obrigação das autoridades monetárias controlar as bolhas de ativos. O mandato precisa ser institucionalmente ampliado de forma que o controle dos preços dos ativos deveria estar nas atribuições dos bancos centrais, além do controle de preços de bens e serviços (inflação)".

Esse controle das bolhas se faz necessário, continua Coutinho, porque o preço dos ativos não é neutro com relação à atividade econômica e aos preços de bens e serviços. "O reconhecimento dos efeitos riqueza precisa ser definitivamente incluído", disse o presidente do BNDES, citando diversas vezes o economista americano Hyman Minsky.

Para operacionalizar esses novos controles, segundo ele, os bancos centrais deveriam usar mais ferramentas. "Hoje os bancos centrais só dispõem das taxas de juros de curto prazo. Para cuidar de vários objetivos seriam necessários usar ativamente requisitos de reserva bancária, margem de segurança, diretivas sobre as provisões bancárias - que não deveriam ser estritamente privadas - e controle de níveis de capitalização do sistema", completou, dizendo que a calibragem deveria ser feita de forma contracíclica de forma a mitigar os riscos.

Por fim, Coutinho enfatizou a necessidade de mais mudanças. Instrumentos de securitização, por exemplo, deveriam ser mais fiscalizados e alguns derivativos até mesmo proibidos ou restritos. Fundos hedge deveriam ser mais controlados, assim como a separação das operações proprietárias das instituições financeiras.

Uma das discussões que se colocam é se o excesso de regulação poderia ser um problema ao desenvolvimento econômico. Para Dean Baker, co-diretor do Center for Economic and Policy Research, em Washington, é difícil estabelecer uma relação entre um maior controle e menor crescimento.

"É difícil estabelecer essa relação, mas certamente uma má regulação impede o crescimento", disse o economista, um dos primeiros a apontar a formação de uma bolha no mercado imobiliário americano. Baker também destaca que o mais difícil é a fiscalização do sistema, pois não é fácil forçar os bancos a ter menos dinheiro do que eles querem.

Também participante do seminário, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, bateu na mesma tecla: "As principais causas da crise internacional foram a desregulação e falta de supervisão bancária".

Barbosa lembrou que o governo americano acabou criando ambiente propício para a crise com pelo menos duas medidas: ao acabar com a separação entre bancos de investimento e comerciais (o fim da lei Glass Steagall) sem ampliar a supervisão; ao permitir os negócios com derivativos de balcão, incluindo o "credit default swap" (CDS).

Entre os pontos que devem ser revistos, o secretário citou o sistema de remuneração dos executivos, os limites de alavancagem e a necessidade de se criar uma regulamentação anticíclica.