Título: Receita perdeu poder de fiscalização sem a CPMF, diz secretária
Autor: Galvão , Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2009, Especial, p. A16

A fiscalização da Receita Federal perdeu poder e agilidade com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em dezembro de 2007, diz a secretária Lina Maria Vieira. Ela admite, porém, que não há o menor clima político no Congresso para se discutir esse assunto e garante que ele não está mais na agenda do governo.

O controle que o tributo proporcionava, em tempo real, abrangia todas as movimentações financeiras, mas, no início de 2008, foi substituído por normas que obrigam os bancos a apresentarem declarações semestrais. As Instruções Normativas (IN) 802 e 811 da Receita Federal determinam que as instituições financeiras devem informar as movimentações que ultrapassam, no semestre, R$ 5 mil, no caso de pessoas físicas, e R$ 10 mil para as pessoas jurídicas.

O problema se agrava pelo fato de essas normas estarem sob contestação judicial. O subsecretário de Fiscalização da Receita, Henrique Jorge Freitas, lembra que na época da CPMF, o processamento das informações era trimestral, mas o acesso era em tempo real. Para a secretária, a CPMF permitiu desmontar grandes esquemas de lavagem de dinheiro porque "nada escapava" ao controle.

Trabalho feito pela Receita Federal identificou que, em 2002, 17 milhões de pessoas físicas que se declararam isentas - renda brutal anual de até R$ 12 mil - fizeram transações de aproximadamente R$ 212 bilhões. Nesse grupo, apenas 62 pessoas movimentaram R$ 12 bilhões. A investigação também encontrou, em 2002, 11,7 milhões de pessoas físicas que nem sequer entregaram declaração de renda, mas movimentaram cerca de R$ 200 bilhões.

Esse padrão de incompatibilidade das movimentações financeiras, verificado em 2002, vem se repetindo todos os anos, assegura a secretária. A diferença é que, com a CPMF, era possível cruzar essas informações de imediato. Hoje, perdeu-se velocidade.

Quando a Receita identifica irregularidades, tem até cinco anos para lançar os respectivos créditos tributários, formados pelo principal, multas e juros. Lançado o crédito, o contribuinte é cobrado oficialmente. O enorme volume de irregularidades que a CPMF revelou também contribuiu para que o lançamento de créditos fosse crescente de 2002 a 2008. Este, que em 2002 foi de R$ 1,11 bilhão, chegou a R$ 15,62 bilhões no ano passado a partir de fiscalizações realizadas com dados de 3.374 pessoas físicas e 3.434 pessoas jurídicas, mesmo sem a CPMF. Lançados os créditos, o fisco passa a cobrar de quem não pagou devidamente o tributo.

Hoje é possível saber, segundo os dados oficiais, que 1.515 pessoas físicas e 922 pessoas jurídicas levaram ao lançamento, em 2009, de créditos tributários de R$ 1,97 bilhão. Não é possível detectar, no entanto, o exato ano em que estes ilícitos foram cometidos.

Desde 2002, a CPMF teve alíquota de 0,38%, e apresentou arrecadação crescente. De acordo com a Receita, em valores atualizados, o tributo levou R$ 13,94 bilhões aos cofres federais naquele ano. Nos anos seguintes, os valores foram crescentes: R$ 14,98 bilhões (2003), R$ 18,04 bilhões (2004), R$ 24,02 bilhões (2005), R$ 29,42 bilhões (2006) e R$ 37,46 bilhões (2007).

Em abril, Lina participou da 43ª assembleia-geral do Centro Interamericano de Administrações Tributárias (Ciat) e apresentou alguns dados da experiência brasileira com a CPMF. Pouco antes desse encontro, os representantes dos países que integram o G-20 financeiro, em Londres, já tinham admitido que a crise econômica mundial impôs a necessidade de regulação mais rigorosa, o que deve restringir o sigilo bancário e elevar a repressão aos paraísos fiscais e à lavagem de dinheiro.

Nesse cenário pós-crise, Lina expôs a CPMF numa abordagem que chama de visão moderna da administração tributária. "A CPMF foi um acerto no aspecto do controle." Na apresentação no Ciat, em Santo Domingo, República Dominicana, ela listou cinco pontos fortes desse tributo. A CPMF, para a Receita, é de difícil evasão, tem alto potencial arrecadatório, não é declaratória, tem baixo custo de administração e representa poderosa ferramenta de investigação.

Ela conta que já abordou a falta que faz a CPMF com deputados e senadores em encontros institucionais neste ano. "Não há clima. Precisamos escolher o momento ideal para colocar em discussão. Não está na agenda da Receita."

Recriar a CPMF é uma tarefa quase impossível no Congresso. No Senado, onde o governo foi derrotado em dezembro de 2007, a situação é pior que a da Câmara. Em junho do ano passado, os deputados aprovaram, com o plenário dividido, um projeto de lei complementar que recriava o tributo, dessa vez com o nome de Contribuição Social para a Saúde (CSS). A alíquota seria de 0,1% sobre todas as movimentações financeiras e a arrecadação estaria vinculada à saúde.

Insatisfeita, a oposição prometeu levar o tema ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na avaliação de alguns senadores, o novo tributo desrespeita a proibição constitucional da cumulatividade de impostos. Também afirmam que a base de cálculo da CSS é a mesma do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). No âmbito político, o projeto de lei complementar aprovado na Câmara enfrenta grande resistência no Senado porque, segundo alguns parlamentares, o tema tem de ser tratado por meio de proposta de emenda à Constituição.

Também estão sendo contestadas no STF as normas das IN 802 e 811 que criaram a Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira (Dimof) para bancos, cooperativas de crédito e associações de poupança e empréstimo. Duas ações diretas de inconstitucionalidade foram levadas ao Supremo pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL). Para a Receita, a Lei Complementar nº 105, de 2001, autoriza a regulamentação que substituiu a CPMF, mas é exatamente o artigo 5º dessa lei que está sendo atacado.

De acordo com o Supremo, o andamento da ação proposta pela CNPL está mais adiantado porque já tem parecer contrário da Procuradoria Geral da República (PGR). As duas ações ainda não puderam receber o voto do relator, ministro Menezes Direito, e portanto, não há previsão de julgamento.