Título: Sem dinheiro, Paes apela a choque de ordem e reconquista classe média
Autor: Grabois , Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2009, Política, p. A6

Com o orçamento apertado e pouco dinheiro para gastar, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), focalizou seus primeiros seis meses de gestão no chamado choque de ordem - ações que passam desde apreensões de carros e retirada de camelôs e moradores de rua a demolições de imóveis ilegais. Com a nova política, muitas vezes vista como uma prática agressiva, conseguiu boa aprovação da população.

Pesquisa Datafolha realizada em abril revela que 40% dos entrevistados veem uma cidade melhor com o choque. Apenas 14% disseram que a cidade piorou. Seu governo é avaliado como ótimo ou bom por 39% dos entrevistados. "Ele reconquistou parte da classe média com o choque de ordem", avalia o diretor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), o cientista político Jairo Nicolau, para quem Paes faz opção clara pela gestão e não pela política, assim como o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) no início de seu primeiro mandato (1993-1996).

Nas eleições do ano passado, Paes venceu o deputado Fernando Gabeira (PV) em disputa acirrada, por apenas 55 mil votos. Com seu discurso por uma política diferente, Gabeira ganhou a classe média mais conservadora que era eleitora fiel de Paes. O prefeito tem boa aprovação em toda a cidade e a maior taxa (45% de ótimo e bom) corresponde à Barra, bairro de classe média onde começou a carreira como subprefeito no primeiro governo Maia. A Barra também é a região mais entusiasmada com o choque de gestão (51% viram melhoras na cidade). "A escolha é por arrumar a casa, com gestão, até sacrificando sua imagem", disse Nicolau. "Se ele funcionar como gestor, sua avaliação sobe nos próximos anos", afirmou.

Para a presidente-executiva do "Rio Como Vamos", iniciativa inspirada no movimento "Bogotá Como Vamos" cujo objetivo é acompanhar a gestão municipal, a socióloga Rosiska Darcy de Oliveira, o choque de ordem ainda precisa de ajustes. "Não pode ter um repressor para cada cidadão. O desafio é despertar a participação popular, isso leva tempo, mas tem que colocar a população ao seu lado", disse. Rosiska, no entanto, diz que a equipe do prefeito tem sido receptiva a críticas e sugestões.

Cria de Cesar Maia, de quem é atual desafeto, Paes é aliado do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), candidato à reeleição. Seu êxito à frente da prefeitura é importante para Cabral no ano que vem, pois a capital detém 40,5% do eleitorado do Estado. Até agora, o novo prefeito pouco cumpriu de compromissos de campanha. As UPAs (unidades de pronto atendimento) de saúde, carro-chefe da campanha, ainda estão no papel. Nenhuma das 40 UPAs prometidas foi instalada. "Foi um período de arrumação da casa", defende-se o prefeito. O edital das UPAs já foi publicado e a expectativa é de que a construção comece no segundo semestre. Paes diz já ver avanços na Saúde, área sensível da administração carioca. Cita a instalação do gabinete contra a dengue e o aumento da contratação nos hospitais de emergência. Na avaliação do vereador Paulo Pinheiro (PPS), opositor ao governo Paes e especialista no setor, "nada aconteceu de decisivo na Saúde até agora". A ideia de implantar o bilhete único no transporte público também está parada. Na Educação, o fim da aprovação automática no ensino básico foi cumprido.

Os primeiros seis meses da gestão Paes foram marcados pelo arrocho fiscal. Os R$ 700 milhões de investimentos seguem contingenciados desde janeiro e, segundo a secretária de Finanças do município, Eduarda La Rocque, os cortes de custeio serão intensificados. Estudo da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), o Rio carrega o maior peso dos gastos de pessoal sobre o total de despesas, o equivalente a 58%, quando se compara com as demais capitais. Por outro lado, tem baixa taxa de investimento sobre as despesas, de apenas 5%. São Paulo, por exemplo, gasta 27% de suas despesas em pessoal e investe 10% de suas despesas. Mesmo com o peso grande das despesas de pessoal, o Rio está cumprindo com os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

De janeiro a abril, o superávit primário carioca correspondeu R$ 1,6 bilhão ante R$ 1,5 bilhão referentes ao mesmo período de 2008. Foi um dos maiores esforços fiscais da administração pública no país, pois a economia correspondeu a 40% das receitas totais, de R$ 4 bilhões. Até abril, o Rio sentiu pouco os impactos da crise. A arrecadação do ISS aumentou 19% e as transferências correntes, como o Fundo de Participação dos Municípios, os convênios federais e o repasse do ICMS, aumentaram de R$ 1,4 bilhão para 1,5 bilhão.

Já os gastos de custeio caíram 16% e passaram de R$ 640 milhões para R$ 538 milhões. Os gasto com pessoal subiram 11,5% como resultado especialmente de gratificações e aumentos salariais acertados na gestão anterior e somaram R$ 1,626 bilhão. A secretaria tinha, em abril, R$ 410 milhões de restos a pagar, uma herança de Cesar Maia, que deixou cerca de R$ 700 milhões neste tipo de dívida.

Para a secretária Eduarda La Rocque, o bom resultado nos primeiros quatro meses do ano deve -se à politica de contingenciamento e à redução de custeio. "Baixamos um decreto cortando 30% dos cargos em comissão e já reduzimos as despesas de custeio. A meta é cortar ainda mais, cerca de 20% das despesas com a máquina", disse a secretária. Eduarda, porém, é cautelosa em relação aos efeitos da crise sobre as receitas de ISS, principal fonte de arrecadação do município. "A desaceleração no crescimento da arrecadação já é percebida quando se analisa a receita tributária dos últimos 12 meses. Os efeitos da crise sobre o setor de serviços têm uma defasagem natural e seu impacto sobre a arrecadação do ISS tem sido forte nos meses de abril e maio", afirma. A secretaria estima perda de R$ 300 milhões a R$ 450 milhões no total de receitas com o imposto neste ano.

A alternativa da administração para os novos investimentos são convênios com o governo federal ou empréstimos tomados em bancos multilaterais. O prefeito conseguiu, por exemplo, empréstimo de U$ 50 milhões do Banco Mundial para programa de educação e saúde voltado para crianças de zero a seis anos. Com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a prefeitura fechou convênio para a implementação de um novo programa de urbanização de favelas de US$ 300 milhões, dos quais o banco emprestará a metade.