Título: Spread bancário: fatos, mitos e delírios
Autor: Blanco , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2009, Opinião, p. A14

O debate sobre o spread bancário, mesmo com a queda dos juros, continua na ordem do dia e, sem que se ofereça ao público uma explicação de consenso, as discussões tendem apenas a formar um ambiente de confronto, no qual a sociedade - associações de classe, governo e mídia - se posiciona contra o sistema financeiro, num delicado "nós contra eles".

Recente estudo da Fiesp indica que os brasileiros gastaram R$ 8,2 bilhões além do que deveriam com o spread bancário. A Febraban questionou, obviamente, a metodologia do estudo. Recentemente, quando o BC passou a divulgar os juros cobrados pelos bancos, a gritaria foi generalizada e a Febraban também questionou a metodologia empregada.

A discussão em torno do spread continuará provocando debates. Até porque não existe, ainda, metodologia fidedigna que modele uma função tão individual como é a concessão de crédito. Em outras palavras, tentar explicar os altos juros cobrados a partir do "agregado" é de uma inutilidade ímpar.

Lamentavelmente, o debate que assistimos é pobre, porque trata os juros - e o spread que é nele incorporado - sem qualquer preocupação com a essência do seu processo de precificação. Esta crítica não é direcionada à sociedade apenas, que se limita a reclamar ou, no máximo, a produzir estudos que não ajudam na busca de soluções. As instituições financeiras também têm sua cota de responsabilidade pelo clima de contenda que está estabelecido no Brasil, em função do desinteresse em colocar às claras como funciona o seu negócio.

Crédito é coisa nova no Brasil. Para valer mesmo, mal completou 20 anos de história - a hiperinflação e os altos juros do overnight inviabilizavam seu desenvolvimento antes do Plano Real. E ainda assim, esta curta história é recheada de sobressaltos macroeconômicos que refrearam um desenvolvimento mais pleno. Doadores e tomadores de crédito ainda não se entendem como deveriam e um não confia plenamente no outro. É uma relação estruturalmente instável.

Mas analisemos a festejada evolução recente do crédito no país. O volume de crédito no Brasil cresceu 74% em agosto de 2008 - pré-crise - em comparação a agosto de 2006, mas nem por isso este robusto aumento da oferta de crédito significou uma redução do spread bancário - pelo contrário. Este crescimento de apetite por risco de crédito, por parte das instituições financeiras, trouxe um número imenso de "neo-endividados" para o mercado. Foram cidadãos e empresas com pouca ou nenhuma experiência creditícia, que pagaram os juros que lhes foram cobrados, pois tinham oferta restrita de crédito. Portanto, ainda que o spread caísse fortemente para os tomadores mais experientes, mesmo assim o spread médio subiu, pois os muitos neo-endividados pagaram spreads muito mais altos.

Por outro lado, desde que a crise começou a relação crédito/PIB até aumentou um pouco, batendo o questionável recorde de 42%. No entanto, a reclamação quanto à falta de crédito é generalizada. Esta relação, infelizmente, sofreu considerável "poluição" em função dos seguintes aspectos: o crédito foi reduzido para muita gente, muita dívida nova foi contraída por empresas que antes da crise tomavam linhas no exterior e, principalmente, muitos créditos foram simplesmente rolados - com os juros embutidos - pagando taxas muito mais salgadas. O estoque de crédito continua crescendo, porém a qualidade deste estoque é muito pior, pois está mal distribuída na sociedade e ficou mais cara para todos.

Emprestar dinheiro é uma transação comercial como outra qualquer, em que as duas partes deveriam tentar maximizar seu retorno. Em geral, no caso das relações bancárias somente o banco tem este objetivo sempre em mente. Quanto menos abastecido de informação - ou abastecido por informações negativas - menores serão as linhas de crédito aprovadas pelo comitê de crédito. E como a lei da oferta e da procura também é presente no mundo crédito, menos oferta de crédito é sinônimo de juros mais altos.

A solução para reduzir a diferença entre os juros praticados pelo mercado e a Selic é mais simples do que parece. Ser mais transparente e desenvolver um relacionamento profissional junto às instituições financeiras é o primeiro passo. Agindo assim o tomador de crédito melhorará a percepção de risco que os bancos têm dele. As empresas e pessoas físicas também têm que forçar uma maior competição entre as instituições financeiras. Não dá mais para viver de um banco só. É preciso buscar alternativas e negociar exaustivamente para que haja redução das taxas.

Nos meus 20 anos de comitês de crédito cansei de ver empresas pagarem spreads até três vezes mais altos do que outras absolutamente similares. E ao perguntar para o gerente por que tamanha disparidade, a resposta invariavelmente era: "Uma negocia forte, tem fila de banco querendo emprestar. Já a outra...".

Se não houver este esforço de mudança de atitude dos tomadores, os juros e os spreads continuarão mais altos do que o necessário, a gritaria continuará com pouco conteúdo e ainda correremos o risco que medidas pouco ortodoxas e pouco eficientes no longo prazo sejam institucionalizadas, para corrigir aquilo que o mercado levará décadas para ajustar.

As recentes quedas da Selic sem dúvida contribuem para melhorar o quadro, pois em cenário de juros básicos mais baixos os bancos são encorajados a emprestar, para aumentar sua rentabilidade. E é justamente esse estímulo que gera competição entre eles, viabilizando a queda dos juros e spreads. É importante destacar, porém, que esta queda não beneficia, de forma homogênea, todas as pessoas e empresas. Os recursos são canalizados, primeiramente, para os clientes maiores e que demonstrem mais solidez. Só quando estes estiverem saciados e já pagando spreads baixos demais é que os bancos começaram a olhar para as empresas de menor porte e cidadãos menos abonados.

A mensagem final é que os tomadores precisam dedicar mais tempo para entender o crédito e aprender a se relacionar com os bancos. Cabe a cada um de nós decidir se vai continuar pagando o que nos cobram ou mudar o cenário, sempre na base de muita negociação e aprimoramento das informações oferecidas aos bancos.

Fernando Blanco é presidente da unidade brasileira do grupo segurador Coface, especializado em seguro de crédito.