Título: Anistia e unidade
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 28/01/2010, Mundo, p. 24
Presidente Porfirio Lobo toma posse e assina decreto que concede perdão a envolvidos em golpe. Líder deposto Manuel Zelaya abandona o país
Honduras iniciou um novo tempo às 11h20 de ontem (15h20 em Brasília), quando o conservador Porfirio ¿Pepe¿ Lobo Sosa jurou perante a Constituição do país e recebeu a faixa presidencial das mãos de Juan Orlando Hernández, líder do Congresso Nacional. A cerimônia, realizada no Estádio Nacional Tiburcio Carías Andina, em Tegucigalpa, foi prestigiada por cerca de 21 mil pessoas e ocorreu sob forte esquema de segurança. ¿Prometo ser fiel à República e cumprir e fazer cumprir as leis.¿ Com essa frase, Lobo tornou-se o 30º presidente constitucional do país e o oitavo mandatário desde 1982, ano que marcou o fim da ditadura.
Enquanto a solenidade de posse transcorria, milhares de integrantes e simpatizantes da Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado marchavam rumo ao Aeroporto Internacional Toncontín, aos gritos de ¿Constituinte!¿. Desde cedo, os oposicionistas se mobilizaram em homenagem ao presidente deposto, Manuel Zelaya, que ontem à tarde deixou o país.
O primeiro ato oficial do governo Lobo ocorreu às 12h, ainda dentro do estádio. O recém-empossado presidente firmou decreto que concede anistia aos militares acusados pelo Ministério Público de terem tomado parte do golpe de 28 de junho de 2009. ¿A anistia é o início da reconciliação¿, declarou o chefe de Estado em seu discurso de posse, pouco antes de assinar o documento. ¿Ela se refere unicamente aos fatos políticos¿, acrescentou. O governo norte-americano parabenizou Lobo e reiterou o compromisso de trabalhar em conjunto para superar a crise política. Por sua vez, o ex-presidente Roberto Micheletti pediu ao sucessor que trabalhe sempre ¿com a Bíblia na mão direita e a Constituição na esquerda¿.
Das tribunas do estádio, o vice-prefeito de Tegucigalpa, Juan Diego Zelaya, falou ao Correio por telefone e destacou as qualidades do novo mandatário. ¿Pepe Lobo é um presidente que entende os problemas de nossa cidade, de nosso país e de nossa gente ¿ especialmente dos pobres¿, afirmou. ¿Estamos muito otimistas e entusiasmados pelo que virá, porque nos manteremos unidos, em prol das classes menos favorecidas.¿ Segundo ele, Lobo vai priorizar a unidade e a reconciliação nacional.
O deputado Toribio Aguilera, do Partido Innovación y Unidad Social Democrata ¿ que faz oposição tanto a Zelaya quanto a Lobo ¿, compartilha da opinião de Juan Diego. Ele acredita que a posse de Pepe é ¿uma aposta na esperança¿, mas considera negativa a nomeação de alguns auxiliares para o gabinete. ¿Em algumas áreas, as indicações são bastante fracas e muito improvisadas¿, criticou. ¿Mas estamos apostando. Nós, do Congresso, estamos na posição de apoiá-lo, sobretudo ante o deficit fiscal de 4%. O senhor Zelaya gastou de uma forma incrível, desordenada, sem nenhum plano e comprometeu os recursos com aumentos salariais, em um esquema populista¿, acrescentou. Aguilera ressaltou a importância do apoio da comunidade internacional no processo democrático. De acordo com ele, a população de Honduras espera que o Brasil, por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), auxilie no progresso do país, ao financiar obras de hidrelétricas.
O parlamentar considera a reconciliação nacional uma meta difícil de ser alcançada, enquanto Zelaya ¿continuar jogando suas cartas¿ em Honduras. ¿Os simpatizantes seguirão com seu plano de desestabilização¿, advertiu. No entanto, ele garante que grande parte da população se mantém comprometida com a democracia e a liberdade. ¿Os desafios são complexos, com a nossa situação fiscal bastante precária, mas espero que o presidente Porfirio possa administrar esse problema da melhor maneira possível. O Congresso sempre o apoiará enquanto respeitar a Constituição e as leis¿, comentou Aguilera.
Exílio A história do presidente deposto Manuel Zelaya também ganhou novo capítulo por volta das 13h (17h em Brasília), com a chegada de Lobo e do presidente da República Dominicana, Leonel Fernández, à Embaixada do Brasil, em Tegucigalpa. Do lado de fora do prédio, situado no bairro Colonia Palmira, uma multidão de curiosos aguardava a saída dos três ¿ acompanhados por seus assessores. Fernández e Lobo fizeram questão de acompanhar o líder deposto até o aeroporto. Antes de partirem, Rassel Tomé, braço-direito de Zelaya e líder da oposição, conversou por telefone com a reportagem e mandou um recado para o Palácio do Planalto. ¿Como hondurenho, quero agradecer ao presidente Lula e ao povo brasileiro pelo apoio e respaldo outorgados ao presidente Manuel Zelaya Rosales. Ao honrar o presidente, vocês nos honram como povo¿, afirmou, emocionado.
Tomé comparou os 129 dias de abrigo na embaixada à luta dos latino-americanos por condições de vida mais adequadas. ¿Conseguimos obter o respaldo de uma nação irmã e pronta a dar seu apoio aos princípios democráticos: o grande povo e a grande república do Brasil.¿ A caminho do aeroporto, Juan Barahona, líder da Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado, comandava o protesto pró-Zelaya. ¿O governo golpista está entregando a presidência a outro golpista¿, disse à reportagem. Zelaya; a mulher, Xiomara; a filha e Tomé deixaram a embaixada às 15h (19h em Brasília) e, meia hora depois, embarcaram em um jatinho rumo à República Dominicana.
Eu acho... Arquivo pessoal
¿O princípio da solução para a crise política começou com as eleições democráticas em 29 de novembro. O povo hondurenho saiu em peso para votar pela democracia e por um futuro promissor. A transmissão do mandato presidencial é um passo importantíssimo para o fim da crise.¿
Juan Diego Zelaya, vice-prefeito de Tegucigalpa
¿O presidente Manuel Zelaya segue como membro da resistência estando dentro ou fora de Honduras. A resistência continua sua luta interna, exigindo a Constituinte. Hoje, somos a organização social e política mais forte do país. Quando o presidente Zelaya regressar, ele se incorporará à luta¿
Juan Barahona, coordenador da Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado
Arquivo pessoal
¿A saída de Manuel Zelaya, na forma como o governo brasileiro tem tomado a iniciativa, não foi a melhor solução. Para nós, seria mais conveniente que o próprio Brasil promovesse o exílio de Zelaya. Esperamos que o governo brasileiro não tenha facilitado as coisas¿
Toribio Aguilera, deputado pelo Partido Innovación y Unidad