Título: Negócios variados fixam brasileiros no Japão
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 25/06/2009, Especial, p. A16
Há 18 anos no Japão, a brasileira Lumi Kacuta passou a ser uma empreendedora em terras nipônicas quase por acaso. Em um breve retorno ao Brasil levou para o Japão, a pedido de amigas, uma máquina para fazer massa de pastel. Em razão do peso da carga, pagou uma taxa alta para o transporte pela companhia aérea. Quando foi entregar o aparelho, as amigas não quiseram ressarcir a taxa paga pelo transporte. Com a máquina em mãos, a solução foi abrir uma pastelaria em sociedade com outro brasileiro. A ideia era boa, porque atendia a um desejo de consumo dos brasileiros a trabalho no Japão. Lumi aprendeu a fazer a massa de pastel e a ter seu próprio negócio. Hoje possui uma pequena loja de roupas em Oizume, a 80 quilômetros de Tóquio, e viu seu faturamento cair em 70% a partir de dezembro. Mas recuperou as receitas com vendas pela internet.
Na mesma cidade, a escola Gente Miúda, dirigida por Francineide Watanabe, também nasceu da percepção de uma necessidade dos brasileiros que imigravam para o Japão. As mães não tinham onde deixar os bebês e não havia educação disponível para as crianças. Até o ano passado, a escola tinha 168 crianças de 1 a 15 anos matriculadas e o pequeno negócio gerava cerca de US$ 60 mil mensais em faturamento.
Ao abrirem o próprio negócio no Japão, brasileiros como Lumi e Francineide escolheram o país onde viver. E mesmo num momento em que o Japão passa pelo que alguns economistas começam a chamar de "crise do século", esses brasileiros não pensam em voltar imediatamente à terra de origem.
A rigor, Lumi e Francineide já não podem mais ser consideradas decasséguis, como são chamados os brasileiros descendentes de japoneses que migram ao Japão para trabalhar, juntar dinheiro e retornar ao Brasil. Para Lumi, o Brasil é um lugar para visitar amigos e parentes. Francineide é mais clara. "Vou no último navio", relembrando o meio de transporte que num movimento inverso trouxe para o Brasil, há décadas, os avós do marido, Leonel Koichi Watanabe.
O número de brasileiros no Japão que não pensam mais em fazer o caminho de volta é cada vez maior. O governo não tem levantamentos sobre isso, mas a prefeitura de Oizume, cidade japonesa com a maior concentração relativa de estrangeiros - cerca de 12% da população veio do Brasil - estima que atualmente 50% das famílias já matriculam as crianças em escolas públicas japonesas, num indício de que a perspectiva de vida das gerações seguintes à dos imigrantes é no país. Nas escolas japonesas, os filhos de brasileiros aprendem o idioma e terão uma educação formal reconhecida no Japão.
Se a meta dos brasileiros é permanecer no Japão, a estratégia para as empresas que dirigem é a mesma de qualquer empreendimento de japoneses: sobreviver à crise e tentar aproveitar as oportunidades dela. Lumi conta que adquiriu a loja de roupas em janeiro de 2008. "O faturamento ia bem até novembro, mas caiu muito com a crise", conta. As roupas que vende são importadas do Brasil e seu principal público era de brasileiros, que perderam emprego depois dos cortes nas fábricas japonesas da cidade.
Com o aumento do desemprego, os brasileiros começaram a deixar a cidade e o faturamento, entre dezembro e março, caiu 70%. Com o quadro, Lumi decidiu investir nas vendas pela internet. Em abril e maio, a comercialização pela rede fez as receitas voltarem ao mesmo nível do ano anterior. "Hoje, a internet representa mais de 80% das receitas da loja" diz ela. "Isso foi bom, porque vendemos para outras regiões do Japão e não dependemos tanto de Oizume."
A crise também fez Lumi repensar no mix de produtos. Antes ela vendia roupas para adultos, jovens e crianças. Agora a prioridade são as roupas infantis, principalmente para os bebês, até dois anos. "Nessa faixa etária, a necessidade de troca de roupas é maior e a crise afeta menos as compras."
Por enquanto, seu público maior ainda é de brasileiros, mas o próximo passo de Lumi é atrair os japoneses. "As roupas brasileiras não são caras e têm design e cores que atraem as mães japonesas", conta. "Já fizemos anúncios em revistas para japoneses e o retorno foi bom. Nossa ideia é preparar o site da loja para atrair esse novo público."
Diversificar o público é também o caminho do Rodeio Grill, restaurante aberto por um dentista brasileiro, que prefere não ter o nome publicado. Ele trabalha em parceria com uma grande rede de supermercados, que tem cerca de 20 lojas em todo o Japão. Há seis anos resolveu alugar uma área do supermercado para montar um pequeno restaurante de comida brasileira em Oizume. Num espaço com capacidade para 60 pessoas, serve arroz, feijão, guaraná e um pequeno rodízio de carnes.
"Claro que, com a crise, a frequência caiu, mas ainda estamos com lucro", diz o empresário. Para ele o efeito foi ameno, porque há três anos começou a adotar medidas para atender cada vez mais o público japonês. Contratou funcionários que falam o idioma local e adotou um modo de atendimento nipônico.
"A única concessão que não fizemos foi no tempero da comida", diz. Por oferecer pratos brasileiros, diz, o restaurante entra em roteiros turísticos da região. Atualmente, conta, a clientela do restaurante é 60% brasileira. O restante são japoneses e estrangeiros que visitam Oizume a turismo ou a trabalho.
A parceria com o supermercado em Oizume deu certo. Com o mesmo modelo de negócio, o dentista abriu um segundo restaurante na cidade de Moka, província de Tochigi. No segundo estabelecimento, conta, a dependência em relação aos brasileiros é menor, com 70% da frequência de japoneses.
A crise também não afetou os planos de expansão. O dono do Rodeio Grill conta que até julho abrirá um terceiro restaurante. E, por conta da crise, abriu em frente ao estabelecimento de Oizume um trailer no qual serve lanches. A ideia foi dar uma opção mais barata de refeição. Enquanto o almoço no bufê, com cerca de dez pratos quentes e um minirrodízio com seis tipos de carne, custa US$ 14, o preço médio do lanche é de US$ 3.
No Japão há 15 anos, a pequena empresária Márcia Ayumi Kamiya foi surpreendida pela crise. Ao lado do marido, tem a Aliança Brasil, pequeno supermercado no qual vende produtos brasileiros e tem um espaço onde serve refeições e pizza no forno a lenha. O empreendimento começou há três anos, na província de Nagano.
"Mas lá o número de brasileiros começou a cair com a mudança das empresas e também em função da sazonalidade de produção das fábricas de componentes eletrônicos", conta. Por isso a Aliança Brasil transferiu-se para Oizume em julho de 2008. "Ainda estávamos com o movimento instável quando a crise veio", lembra. "Ficamos sem base de comparação, mas creio que a frequência na loja diminuiu cerca de 40%." Ela conta que está avaliando como atrair outros tipos de público. "A economia vai se recuperar, mas vai demorar um pouco. Creio que 2009 será um ano perdido."
Mesmo assim, voltar ao Brasil não chega a entrar nos planos de Márcia. Sua filha de quatro anos, acredita, irá frequentar a escola pública japonesa. "Nosso negócio está aqui e é o investimento de uma vida inteira."
A diversificação não se aplica apenas aos pequenos comerciantes. Brasileiros que abriram negócios com faturamento milionário também seguem a mesma receita.
Formado em agronomia, Renato Junji Tanabe juntou-se a um sócio para criar, em 1996, a Brastel, empresa que inicialmente fazia ligações no sistema callback, oferecendo opção mais barata e prática aos decasséguis que queriam se comunicar com parentes e amigos no Brasil. Com o tempo a Brastel ampliou não só a oferta de produtos, como também o público-alvo. Além de brasileiros, passou a atender também outros grupos de imigrantes no Japão.
Atualmente a Brastel faz ligações internacionais com atendimento em 23 idiomas e fatura no Japão US$ 60 milhões anuais. Cerca de 200 funcionários trabalham na sede da empresa, em Tóquio.
No segundo semestre do ano passado, quando já era evidente a dimensão da crise e sua repercussão na economia real, a Brastel ampliou a atuação e lançou no Brasil um serviço que promete se tornar em breve o novo carro-chefe da operadora. A empresa de telefonia começou a oferecer uma solução desenvolvida e em gestação interna desde 2004. Trata-se do Basix, sistema de PABX virtual que barateia o custo de ligações e transmissão de dados.
A Brastel encerrou 2008 com cerca de 50 clientes no Brasil e no primeiro semestre do ano, ganhou mais 200 novos usuários. A evolução promete quintuplicar em 2009 a receita da empresa, que no ano passado faturou R$ 1 milhão.
Mesmo com o crescimento, os valores são ainda pequenos em comparação com os US$ 60 milhões que a Brastel faturou ano passado no Japão. "A crise tem levado as empresas a procurar uma solução mais barata", diz o empresário. Além disso, o Basix é uma aposta importante para o futuro não só no mercado brasileiro, como no Japão, onde a Brastel já comercializa a sua solução de PABX em parceria com grandes varejistas. Tanabe afirma que não só a redução no número de trabalhadores estrangeiros no Japão, como também a competição com outras tecnologias de comunicação, devem reduzir as receitas com as ligações internacionais para imigrantes.
A repórter viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores do Japão