Título: Potencialidades para o mercado de hipoteca reversa no Brasil
Autor: Caetano; Marcelo Abi-Ramia ; Mata,Daniel da
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2009, Opinião, p. A18

Na ótica das contas públicas e das políticas sociais, aumenta-se a provisão privada de renda para idosos

Durante o ciclo de vida produtivo, uma pessoa geralmente passa a ganhar uma remuneração maior com a ampliação de sua experiência de trabalho. Tal aumento de renda possibilita acumular um maior patrimônio, muitas vezes na forma de imóveis. Na aposentadoria, o fluxo de renda diminui e, como resultado, a pessoa pode enfrentar uma situação contraditória: um razoável estoque patrimonial acumulado junto a uma baixa renda para as suas despesas do dia-a-dia. Por sua vez, as pessoas não desejam vender seu imóvel para gerar a renda necessária para pagar as suas despesas.

A hipoteca reversa procura exatamente solucionar situações como a descrita acima. Uma hipoteca reversa permite a pessoas em idade avançada: a) converter seu ativo imobiliário em um fluxo mensal de renda; e b) sem a necessidade de vender o imóvel, realizar desembolsos financeiros ou perder a titularidade do ativo. Em outras palavras, ela visa gerar renda para a população idosa sem que esta necessite se desfazer de seu imóvel. O montante do fluxo de renda que uma hipoteca reversa disponibiliza aos idosos irá depender de diversos fatores, tais como idade e expectativa de vida dos proprietários dos imóveis.

Apesar de o imóvel servir de garantia ao empréstimo hipotecário, a hipoteca reversa desobriga o hipotecado dos pagamentos regulares para quitação da dívida. Ao contrário, os pagamentos do principal e dos juros deste empréstimo, os quais se baseiam no valor do imóvel, somente se efetuam em caso de falecimento do proprietário, venda do imóvel ou mudança definitiva de endereço por parte do devedor.

O desenvolvimento do mercado de hipoteca reversa no Brasil apresenta potenciais de ganhos em diversos aspectos. Do ponto de vista habitacional, aumenta-se a probabilidade de os idosos manterem residência nos imóveis que adquiram e, portanto, atenua os problemas de moradia para essa faixa etária. Na perspectiva macroeconômica, ao dar liquidez a ativos imobiliários, amplia-se o potencial de consumo de um segmento da população que detém expressiva parcela de seus ativos em forma ilíquida. Na ótica das contas públicas e das políticas sociais, aumenta-se a provisão privada de renda para pessoas em idade avançada, o que significa complementação da aposentadoria sem a necessidade de recorrer aos recursos públicos. Fato relevante para uma sociedade que passa por acelerado processo de envelhecimento populacional e em que o pagamento de aposentadorias e pensões já consome significativa proporção do orçamento público. Do ponto de vista da política de crédito, é uma oportunidade de gerar um novo produto relacionado ao financiamento habitacional.

Apesar de inexistente no Brasil, essa modalidade de crédito já se pratica nos Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e Austrália. Neles a hipoteca reversa tem recebido expressiva adesão, devido à crescente expectativa de vida de sua população. Ainda que menos significativo, há registros de negócios similares em países como Canadá, Dinamarca, Holanda, Finlândia, Japão, Noruega e Suécia. O aumento no número de pessoas idosas também é uma realidade no Brasil e, portanto, devem-se estudar novas possibilidades de melhorar o bem-estar da população nessa faixa etária.

Para o dimensionamento do potencial do mercado de hipotecas reversas no Brasil é necessário averiguar três conjuntos de dados. Primeiramente, para haver hipoteca reversa é necessário que o idoso seja proprietário do imóvel onde mora. Dado que no Brasil, mais de quatro em cada cinco chefes de família com mais de 60 anos residem em imóvel próprio, o potencial das hipotecas reversas é considerável. Em segundo lugar, precisa-se conhecer o valor desses imóveis. Nota-se que a população de faixa etária mais elevada possui imóveis de maior valor de mercado, assim como famílias com chefes idosos possuem renda superior às demais. Portanto, há correlação positiva entre valor do imóvel, maior faixa etária e maior renda familiar. Por fim, se o imóvel serve de residência somente para os idosos ou se é coabitado pelos filhos. Neste último caso, como a residência também serve de moradia para gerações mais novas, a realização de hipoteca reversa fica limitada, porque a família pode vir a perder a propriedade do imóvel em função do falecimento do idoso. No Brasil, quase a metade dos idosos donos de imóveis moram sós ou apenas com seu cônjuge.

Em virtude de seu perfil de empréstimo de longo prazo, a hipoteca reversa apresenta um conjunto de riscos tanto para credores como para hipotecados que se deve levar em consideração para melhor compreensão do funcionamento desse mercado. O desenvolvimento e consolidação das hipotecas reversas dependem do bom gerenciamento e da estrutura de seguros para lidar com esses riscos.

Como o produto ainda inexiste no país, a experiência internacional permite constatar quais modalidades organizacionais e de intervenção do setor público seriam mais adequadas a nossa realidade. Experiências de estruturas unificadas de regulação, como o FSA, do Reino Unido, apresentam maior eficiência e eficácia que estruturas fragmentadas como a americana. De modo análogo, devido à necessidade de controle de gastos correntes do setor público e ao interesse em se evitar a acumulação de passivos contingenciais, também seria uma boa prática que o papel desempenhado pelo Estado se limitasse ao estabelecimento de uma estrutura regulatória e fiscalizadora. O setor privado ofereceria o produto, mas a atuação estatal em fiscalização e regulação é fundamental, em virtude da dificuldade que o público apresenta em compreender o produto e pela existência de situações de perda de patrimônio por parte dos hipotecados, circunstância que acaba com toda a confiança necessária ao estabelecimento de mercados.

Importante lição a se retirar é que o desenvolvimento sadio deste potencial mercado depende da existência de marco regulatório que forneça às partes envolvidas segurança jurídica quanto aos direitos e deveres de credores e hipotecados

Marcelo Abi-Ramia Caetano e Daniel da Mata são economistas do Ipea. Email: m_abiramia@yahoo.com.br