Título: Onde estão os solucionadores dos problemas?
Autor: Sachs, Jeffrey D
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2009, Opinião, p. A19

Para alcançar-se uma nova geração de veículos elétricos serão necessárias décadas de parcerias públicas e privadas

Um aspecto estranho e perturbador da política mundial é confundir negociações com solução de problemas. Pelo cronograma acertado em dezembro de 2007, temos seis meses para chegar a um acordo em Copenhague sobre as mudanças climáticas. Os governos estão engajados em negociações maciças, mas não em um esforço maciço para solucionar problemas. Cada país se pergunta "como faço para fazer o mínimo e conseguir que os outros países façam o máximo?", quando deviam estar se perguntando "como cooperaremos para atingir nossas metas comuns com um custo mínimo e um benefício máximo?".

Podem soar como a mesma coisa, mas não são. Abordar o problema das mudanças climáticas exige reduzir as emissões de dióxido de carbono a partir de combustíveis fósseis, o que, por sua vez, envolve fazer escolhas de tecnologias, algumas já existentes e muitas ainda a ser desenvolvidas. Por exemplo, para que as usinas a carvão continuem com grande participação na matriz energética, precisaremos capturar e armazenar seu gás carbônico, um processo chamado de "captura e sequestro de carbono" (CSC). Essa tecnologia, no entanto, ainda não foi comprovada.

Da mesma forma, precisaremos de uma confiança pública renovada em uma nova geração da energia nuclear, com usinas que sejam seguras e monitoradas de forma confiável. Precisaremos de novas tecnologias para colocar em funcionamento, em grande escala, as energias solar, eólica e geotérmica. Poderíamos tentar recorrer aos biocombustíveis, mas apenas em formas que não concorram com a oferta de alimentos ou com recursos ambientais preciosos.

A lista continua. Precisaremos aperfeiçoar a eficiência energética, por meio de "edifícios verdes" e eletrodomésticos mais eficientes. Precisaremos passar dos carros com motores de combustão interna para veículos híbridos, híbridos "plug-ins" (que podem ser recarregados em tomadas), movidos a bateria e a células de combustível.

Para alcançar-se uma nova geração de veículos elétricos serão necessárias décadas de parcerias públicas e privadas para obter-se o desenvolvimento tecnológico básico (como melhores baterias), uma rede elétrica mais robusta, nova infraestrutura para recarregar os automóveis e muitas outras coisas. Da mesma forma, levará décadas para que os investimentos públicos e privados demonstrarem a viabilidade das usinas a carvão que capturam seu dióxido de carbono.

A passagem para as novas tecnologias não é basicamente uma questão de negociação, mas de engenharia, planejamento, financiamento e incentivos. Como o mundo pode desenvolver, demonstrar e disseminar essas novas tecnologias da forma mais eficiente? Nos casos em que for improvável que os benefícios cheguem aos investidores privados, quem pagará pelos modelos iniciais de demonstração, que exigirão bilhões de dólares? Como devemos preservar os incentivos privados para pesquisa e desenvolvimento e comprometer-nos a transferir as tecnologias bem-sucedidas para os países em desenvolvimento?

São questões prementes, ainda não solucionadas. As negociações mundiais sobre as mudanças climáticas, no entanto, estão centrando-se em um conjunto diferente de questões. As negociações focam-se principalmente em que grupos de países devem cortar suas emissões, em que volume, em quanto tempo e em comparação a qual ano-base. Os países estão sendo pressionados a reduzir suas emissões até 2020 de acordo com certas metas porcentuais, mas sem muitas discussões sérias sobre como os cortes podem ser alcançados. As respostas dependem, é claro, de quais tecnologias de baixas emissões estarão disponíveis e com que rapidez poderiam entrar em funcionamento.

Vejamos os Estados Unidos. Para reduzir as emissões acentuadamente, os EUA precisarão passar a usar nesta década uma nova frota de automóveis, movida cada vez mais a eletricidade. O país também teria de decidir sobre a renovação e expansão de suas usinas nucleares e o uso de terras públicas para construir novas usinas de energias renováveis, especialmente a solar. E os EUA precisariam de uma nova rede energética para distribuir energia renovável a partir de locais de baixa densidade populacional - como os desertos do sudoeste, no caso da energia solar, e as planícies do norte, no da energia eólica - para os mais populosos, nas costas. Tudo isso, entretanto, exige um plano nacional, não simplesmente uma meta numérica para a redução das emissões.

Da mesma forma, a China, como os EUA, pode reduzir as emissões de gás carbônico por meio de maior eficiência energética e de uma nova frota de veículos elétricos. A China, contudo, precisa estudar a questão do ponto de vista de uma economia dependente de carvão. As escolhas futuras da China dependerão de o "carvão limpo" poder realmente ser usado de forma eficiente e em grande escala. Portanto, o caminho da China dependerá crucialmente dos primeiros testes sobre as tecnologias de CSC.

Uma abordagem verdadeiramente mundial para os debates discutiria primeiramente as melhores opções tecnológicas e econômicas disponíveis e como aperfeiçoar essas opções por meio de esforços direcionados de pesquisa e desenvolvimento e de melhores incentivos econômicos. As negociações abordariam o conjunto de opções abertas a cada país e região - desde o CSC até as energias solar, eólica e nuclear - e traçariam um cronograma para uma nova geração de automóveis com baixa emissão, reconhecendo que a concorrência de mercado assim como o financiamento público determinarão o verdadeiro ritmo.

Levando em conta esses blocos de construção, o mundo poderia chegar a um acordo para alocar os custos de forma a acelerar-se o desenvolvimento e disseminação das novas tecnologias de baixa emissão. Essa estrutura mundial sustentaria as metas mundiais e nacionais de controle de emissões e de monitoramento do progresso da reformulação tecnológica. À medida que as novas tecnologias sejam comprovadas, as metas ficariam mais rígidas. É claro, parte da estratégia seria criar incentivos de mercado para as novas tecnologias de baixa emissão, para que os inventores possam desenvolver suas próprias ideias com a perspectiva de grandes lucros caso estas deem certo.

Poderia parecer que meu apelo para discutir planos e estratégias além das metas específicas de emissão ameaçaria obstruir as negociações. Mas se não tivermos uma estratégia para acompanhar nossas metas, os governos do mundo poderiam, em primeiro lugar, não aceitar tais metas ou aceitá-las cinicamente, sem qualquer intenção de realmente cumpri-las.

Precisamos pensar muito e em conjunto sobre as verdadeiras opções tecnológicas do mundo e, então, buscar uma estrutura mundial comum que nos permita dirigir-nos a uma nova era, uma que seja baseada em tecnologias viáveis e sustentáveis para a energia, transporte, indústria e construções.

Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e diretor do Earth Institute, da Columbia University. Também é consultor especial do secretário-geral das Nações Unidas para as Metas de Desenvolvimento do Milênio. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009