Título: Modelo Kirchner ajudou a desnacionalizar economia
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2009, Especial, p. A20

No discurso para tentar ganhar as eleições legislativas de domingo, a presidente Cristina Kirchner e seu marido, Néstor, candidato a deputado federal, apelaram o tempo todo para a defesa do modelo econômico nacionalista que eles implantaram a partir de 2003 e que tirou o país da bancarrota de 2002. O casal sempre demoniza o neoliberalismo que dominou a política econômica argentina dos anos 90. Mas um estudo recente contesta os resultados obtidos.

O modelo consiste, de um lado, na retomada do papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico através do estímulo à industrialização e ao desenvolvimento tecnológico. Inclui ainda o impulso à formação de uma burguesia nacional e a saída gradual do esquema produtivo de exploração e exportação de recursos naturais com baixo valor agregado.

Seis anos depois de implementado o modelo "kirchnerista", logo após a grave crise econômica do início desta década, o país exibe indiscutível recuperação da atividade econômica. Mas um estudo divulgado recentemente por um deputado-economista de esquerda mostra que a realidade empresarial do país pouco mudou se comparada com o que era nos anos 90.

Com base na análise dos balanços das 200 maiores empresas da Argentina (excluindo as agropecuárias e os bancos) nos dez anos entre 1997-2007, o estudo mostra que a nata das indústrias é a mesma, com a diferença que houve uma forte "estrangeirização" do capital. E o padrão produtivo, baseado no predomínio de empresas dedicadas à exploração dos recursos naturais (petróleo, gás, grãos e mineração), segue praticamente inalterado.

Produzido a pedido do deputado Cláudio Lozano, do movimento Proyecto Sur, o estudo intitulado "As Transformações na Cúpula Empresarial" avalia a evolução das empresas a partir dos balanços publicados e analisados pela revista "Mercado", uma publicação especializada em economia que faz anualmente um levantamento dos maiores grupos empresariais do país.

A análise compara três momentos distintos. Primeiro em 1997, escolhido por ser o último ano de crescimento da etapa de conversibilidade do peso em relação ao dólar, que marcou a política econômica do governo de presidente Carlos Menem (1989-1999). Depois, em 2005, considerado o ano do auge da economia argentina pós-crise, já no vigor do modelo "kirchnerista". O terceiro momento é 2007, que os autores escolherem por marcar a retomada da inflação, que começa a causar abalos no modelo econômico implementado pelos Kirchner.

O grupo de empresas, que em 1997 faturava o equivalente a 31,6% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2007 passou a responder por 56,1% do PIB, o que revela um crescimento de vendas muito superior ao crescimento da economia no período, que foi de 32%.

Para Lozano, quatro pontos se destacam no trabalho. Primeiro, a concentração da riqueza nas mãos de um grupo pequeno das 20 maiores entre as 200 empresas. Este grupo, que em 1997 concentrava 38% do faturamento do conjunto das 200 companhias, em 2007 passa a concentrar 49%. "Maior concentração significa maior desigualdade, o que anula os efeitos do crescimento econômico do período pós-crise", afirmou Lozano ao Valor.

Outro destaque é a presença dominante do capital estrangeiro. Em 1997, 104 entre as 200 eram estrangeiras; em 2007 sobem para 128. As empresas de capital local diminuem de 76 para 58. Entre as 20 maiores, eram 12 as estrangeiras em 1997 e passam a 16 em 2007 (3 em associação com argentinos). O peso das estrangeiras no faturamento global salta de 64% para 78% no período analisado.

Para o economista Juan Jose Llach, da Universidade Austral, a venda de empresas nacionais a capitais estrangeiros não é um fenômeno argentino da última década. "É um processo de longa data, iniciado há cerca de 40 anos". Llach diz que as causas da desnacionalização têm a ver com a "insegurança jurídica e com os violentos ciclos econômicos". O modelo econômico dos Kirchner, afirma este economista, causou o enfraquecimento do empresariado nacional de médio e grande porte, mas fortaleceu as pequenas e médias empresas em alguns setores.

Cláudio Lozano destaca ainda o que ele chama de "esquema produtivo", baseado em exploração de recursos naturais com baixo valor agregado que, para ele, pouco mudou nos últimos anos. Com o devido destaque ao avanço do setor siderúrgico, que toma a liderança das 20 maiores com o grupo "mezzo" argentino, "mezzo" italiano Techint, e do setor automotivo, que já era expressivo em 1997, a maior parte da riqueza empresarial está nas mãos de empresas que exploram recursos naturais, como as petroleiras, as cerealistas e as mineradoras. "Isso mostra que fracassaram as políticas de industrialização dos Kirchner", diz Lozano. Para ele, não houve uma reorientação adequada da administração de preços que estimulasse a industrialização.

A política econômica argentina, cuja cabeça não é o ministro de Economia, nem uma equipe, mas sim Néstor Kirchner, que orienta pessoalmente dois ou três executores, tem sido baseado no fomento à demanda através de subsídios às empresas para que mantenham baixos os preços; na proibição ou limitação às exportações, para garantir a oferta interna; e no controle dos preços no varejo, por meio de ameaças e métodos pouco ortodoxos, para conter a inflação.

Em 2007, quando ficou evidente que estes instrumentos já não respondiam aos objetivos, refletindo-se no colapso da oferta de produtos e serviços essenciais e no descontrole inflacionário, Néstor Kirchner mandou intervir no instituto de estatísticas, o Indec. A partir de então, os índices de inflação passaram a refletir qualquer coisa menos a realidade do avanço dos preços.

"Seria necessário um Estado com capacidade de orientar o processo de investimentos", diz Lozano. O que se tem feito é destinar subsídios promocionais aos grupos empresariais que ficaram soltos para decidir os rumos dos investimentos." Em tom cético, o economista diz que espera que, depois das eleições, o governo coloque em prática alguma política industrial que até agora não se viu. "Será difícil que eles façam depois das eleições - da qual vão sair enfraquecidos com a queda da base aliada no Congresso - o que não fizeram em seis anos de domínio total do parlamento", diz o deputado.

Juan Llach acha que, no pós-eleições, a Argentina vai ganhar mais uma chance com a possível recuperação, em breve, da economia mundial. "Mas, para aproveitar essa chance", afirma, "deve fazer ao menos duas correções: apresentar um plano financeiro com credibilidade para o período 2009-2010 e não atrapalhar mais a produção agropecuária e industrial com um intervencionismo antigo e que limita os investimentos".