Título: Eleição legislativa vira plebiscito e deve forçar casal Kirchner a negociar
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Fonte: Valor Econômico, 26/06/2009, Especial, p. A20

Em clima de plebiscito, os argentinos vão às urnas este domingo para renovar metade da Câmara dos Deputados (127 postos) e um terço do Senado (24). Marcadas oficialmente para o fim de outubro, as eleições legislativas foram antecipadas pelo governo para 28 de junho com o argumento de que o país precisaria resolver logo a questão política para poder enfrentar os efeitos da crise econômica internacional - como se as eleições fossem um estorvo para o cumprimento da tarefa.

Na verdade, segundo analistas políticos, a presidente Cristina Kirchner não queria estar exposta por tanto tempo aos ataques da oposição ou mesmo a ver o triunfo antecipado de opositores na capital, Buenos Aires (que havia marcado antes suas eleições para 28 de junho), e nas assembleias provinciais e municipais que também serão renovadas neste domingo. Ainda assim, a maioria das pesquisas de intenção de voto aponta para uma forte perda da base aliada do governo, tanto na Câmara quanto no Senado.

Para aprovar projetos e leis no Congresso, o Executivo argentino necessita ter no mínimo 129 votos favoráveis na Câmara (para um total de 256 deputados) e 37 no Senado (para 72 senadores). Até 2007, quando Néstor Kirchner governava o país, o presidente tinha poder absoluto: pelo menos 160 deputados votavam com o governo e qualquer projeto passava sem grandes discussões.

A redução da base aliada - estima-se que vá ficar em de 109 e 111 deputados - vai forçar o governo a negociar, coisa que o casal Kirchner não está acostumado a fazer, diz o cientista político Diego Raus, diretor da cadeira de Ciência Política da Universidade de Lanus. Mas isso não quer dizer, explica Raus, que o governo vá perder todas as votações daqui para frente. "Os 6 ou 7 partidos de oposição estão desunidos e nem sempre votam contra o governo", afirma. Foi o caso, por exemplo, da votação da polêmica estatização dos fundos de pensão privados, no ano passado, na qual o governo obteve o voto favorável de muitos críticos da gestão Kirchner, por uma questão de princípio.

No ano passado, primeiro da sucessora e mulher de Néstor, Cristina Kirchner, o cenário político se transformou da água para o vinho. À desaceleração econômica causada pela alta inflação e pelo colapso no abastecimento de serviços básicos como energia e gás, que começou a aborrecer os eleitores, se somou o conflito aberto pelo governo com os agropecuaristas por causa do aumento dos impostos sobre as exportações de grãos. Na época os portenhos foram aos milhares à Praça de Maio batendo panelas em apoio aos agricultores, contra o governo.

Quando o conflito estava em seu auge e a presidente Cristina decidiu levar o decreto de aumento dos impostos para aprovação do Congresso, obteve um rotundo fracasso. A medida foi rejeitada até pelo vice-presidente argentino, Julio Cobos, que tinha que dar um voto de minerva no Senado. Desde então, a popularidade de Cristina desabou de 60% para 30% e muitos deputados, senadores, governadores e prefeitos se afastaram do governo para não se contaminarem com a rejeição dos eleitores. (JR)