Título: Empresas sugerem mudança lenta
Autor: Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 26/06/2009, Finanças, p. C1

Ao entregar ao Banco Central no próximo dia 30 um relatório com a análise do setorial e suas propostas, as empresas que processam as operações de cartões de crédito e débito devem sugerir que o objetivo do regulador de promover mais concorrência no setor seja atendido em uma "rodada evolutiva". Ou seja, que as regras que valem hoje não sejam mudadas radicalmente da noite para o dia.

Hoje, Redecard e VisaNet, controladas pelos maiores bancos do país, têm um duopólio do segmento de processamento, que se divide em três etapas: credenciamento dos estabelecimentos comerciais; aluguel dos terminais e processamento das operações em rede; liquidação financeira. Em realidade, as duas gozam de uma espécie de monopólio, com as suas respectivas bandeiras. A Redecard tem uma exclusividade de fato no que diz respeito a cartões com a bandeira MasterCard e Maestro. E a VisaNet, que concluiu ontem sua abertura de capital, tem exclusividade contratual com a Visa - até meados de 2010.

Redecard e VisaNet sabem que têm capturado todo o valor gerado pelo ganho de eficiência do avanço dos cartões como meio de pagamento no país. Não por acaso, a rentabilidade das duas empresas está na casa dos 40% e 50%.

Diante da ofensiva do BC para criar concorrência no setor, o cenário mais temido pelas duas empresas é que sejam forçadas a vender dois dos três negócios que fazem, conforme já sinalizado pela autoridade monetária. Por isso, Redecard e VisaNet devem tentar convencer o BC de que a concorrência no setor fatalmente se tornará realidade a partir de 30 de junho de 2010. Com sucesso da oferta de ações da VisaNet, a exclusividade com a bandeira Visa deixará de existir a partir dessa data. Tanto a Visa poderá fazer contratos de credenciamento com outras empresas, como a VisaNet poderá credenciar lojas para outras bandeiras. A VisaNet terá que mudar de nome e deve passar a ser conhecida como Companhia Brasileira de Meios de Pagamento.

A Redecard não tem mais exclusividade contratual com a MasterCard, que já concedeu autorização para que alguns bancos, como Santander, façam o credenciamento de lojas. Mas, na prática, isso ainda não ocorre. Segundo o Valor apurou, o Santander chegou a ameaçar as empresas processadoras com a possibilidade de criar sua própria empresa de credenciamento. Teria conseguido fechar contratos mais vantajosos.

O fim da exclusividade contratual da Visa, no entanto, deverá ser o estopim para que tudo isso mude. Redecard e VisaNet já começam a se posicionar para disputar a preferência das lojas - principalmente com a forte pressão exercida agora pelo BC.

Na prática, as lojas terão o poder de escolher com qual credenciadora operar. Hoje, VisaNet tem 1,5 milhão de estabelecimentos e Redecard, cerca de 1,3 milhão. Não há informações da sobreposição.

A concorrência deverá forçar a redução das taxas cobradas das lojas, principal fonte de receita das duas empresas e alvo constante da queixa dos lojistas. Atualmente, a taxa média está em torno de 3% sobre cada operação. As tarifas mais altas estão próximas a 5%. Quando o estabelecimento faz a antecipação dos recebíveis, a receita das processadoras é maior.

Tudo indica que o BC não se contentará com esse grau de concorrência. No mínimo, tende a preferir que mais empresas compitam pelo credenciamento.

Em relação à proposta do BC de cisão das duas empresas para acabar com a verticalização, ambas, obviamente, são muito resistentes. Vão argumentar que o grande valor do negócio está no credenciamento dos estabelecimentos, porque quem tem o relacionamento com o lojista controla as informações do fluxo financeiro das lojas. Ou seja, sabe com grande antecedência quanto cada loja tem a receber e quando. Os bancos têm interesse comercial nessas informações, porque conseguem gerar negócios, como concessão de crédito lastreado nos recebíveis.

As empresas devem dizer que a liquidação financeira não tem valor agregado. Em relação ao processamento, as empresas acreditam que poderia ser do interesse de companhias como Telefônica, Embratel, IBM ou EDS. Mas devem defender que a atualização tecnológica da rede demanda investimentos pesados que se viabilizam com a receita do credenciamento.

No passado, o mercado de cartões no Brasil já foi completamente verticalizado. Havia exclusividade até mesmo na emissão dos plásticos e o banco que emitia Visa não podia ter cartões MasterCard e vice-versa. Isso começou a mudar em 1995, quando o Unibanco, que tinha MasterCard, assumiu a base do Nacional (Visa). Naquela época, a Credicard era completamente verticalizada. Fazia desde a emissão até o credenciamento das lojas e a liquidação das operações financeiras. A empresa foi cindida em três nos anos 90. A Credicard passou a fazer apenas a emissão e dela nasceram a Redecard e a Orbitall, essa última responsável pelo relacionamento com os clientes detentores de cartões (emissão de faturas, call center etc). A VisaNet está em período de silêncio e a Redecard não quis conceder entrevista.