Título: Cristina prepara reforma após eleição
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2009, Internacional, p. A8

Independentemente do resultado das urnas deste domingo, a presidente da Argentina Cristina Fernández de Kirchner deve fazer mudanças em seu gabinete a partir desta semana. Uma saída dada como certa há meses é a da Ministra da Saúde, Graciela Ocaña. Enfrentando sozinha a hercúlea tarefa de administrar a epidemia de Gripe A (H1N1), que já fez mais mortos na Argentina que em todos os países da América do Sul (26 até este fim de semana), Ocaña tem um inimigo de peso dentro do governo: o presidente da Central Geral dos Trabalhadores, Hugo Moyano.

Aliado do casal Nestor e Cristina Kirchner, consultado sobre todas as medidas tomadas pelo Executivo, com poder informal de voto e veto, Moyano se aborreceu com Ocaña quando ela impôs um controle dos recursos do Ministério para as chamadas Obras Sociais, os planos de saúde dos trabalhadores sindicalizados financiados com recursos públicos. Ao trocar o executivo encarregado da distribuição dos recursos por alguém que estabeleceu um controle maior sobre esta famosa fonte de desvios e corrupção, Ocaña comprou uma briga com Moyano, líder do sindicato dos caminhoneiros, o mais poderoso do país.

Há meses Moyano vem pedindo a cabeça da ministra e só não conseguiu porque a presidente Cristina não quis fazer mudanças bruscas, principalmente em áreas tão sensíveis como a saúde pública, às vésperas das decisivas eleições legislativas.

Uma figura chave que poderá ser deslocada é o chefe de gabinete (equivalente a Ministro da Casa Civil), Sergio Massa. Ex-prefeito de Tigre, uma cidade turística na região da Grande Buenos Aires, Massa vem perdendo o protagonismo que tinha quando desembarcou na Casa Rosada em julho de 2008. Ele poderia ser substituído pelo atual Ministro do Interior, Florêncio Randazzo, que nos últimos meses tem ocupado muito mais os espaços na mídia repetindo os discursos e chavões em defesa do "modelo kirchnerista".

Nada foi comunicado oficialmente, mas assessores próximos à presidente disseram ao jornal "Página 12" - o único com acesso à Casa Rosada - que também estão sendo preparadas mudanças na área econômica. O atual ministro da Economia, Carlos Fernández, seria substituído ou pela ministra da Produção, Débora Giorgi, ou pelo diretor da Receita Federal (Afip), Ricardo Echegaray, ambos cem por cento alinhados com o modelo, o discurso e as inimizades do casal governante. Fala-se ainda que o secretário de Indústria do Ministério da Produção, Fernando Fraguio, pode ser outro que deixa o cargo após as eleições. Egresso da indústria de tratores Iveco, Fraguío é o principal interlocutor do governo brasileiro nas discussões sobre comércio exterior.

Para o analista político Jorge Giacobbe, as mudanças de gabinete não serão as que Cristina quer, mas as que permitam o novo cenário político pós-eleições em que o governo deve perder maioria parlamentar. "Ela vai ter que se contentar com nomes dos que querem continuar ao lado dela, que não serão muitos", afirma Giacobbe.

As políticas econômica e social não devem sofrer alterações muito expressivas, mas espera-se o desfecho da novela das negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Clube de Paris, para novos empréstimos com o primeiro e renegociação da dívida com o segundo. A Argentina está pleiteando, com ajuda do governo brasileiro, um empréstimo de US$ 10 bilhões do FMI, com a condição de que não tenha que submeter-se às regras e ao controle do fundo sobre suas contas.

Assessores da Casa Rosada disseram à imprensa local que na última reunião da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, Suíça, há duas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria se comprometido com Cristina Kirchner a pleitear junto aos países que compõem o chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) apoio para exigir a liberação de empréstimos do FMI para a Argentina sem as condicionalidades tradicionais.