Título: O novo termo bizarro da política do etanol americano
Autor: Gorter,Harry de ; Kliauga,Erika
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2009, Opinião, p. A10

A tarifa que bloqueia exportações brasileiras é contraditória porque o etanol da cana emite menos gases estufa.

Incluir o cálculo do efeito indireto das mudanças do uso da terra no "padrão de sustentabilidade" para produção de etanol restringe as exportações brasileiras para o mercado americano, pois este relaciona uso da terra com o desmatamento da Amazônia. No entanto, políticos do setor agrícola dos Estados Unidos ameaçam votar contra a legislação de mudança climática, a menos que Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Environmental Protection Agency - EPA) exclua do cálculo do "padrão de sustentabilidade" as emissões de gases efeito estufa (GEE) geradas pelo uso indireto da terra. Este padrão requer que o etanol emita no mínimo 20% a menos CO2 em relação à gasolina, como condição para meta federal de consumo americano e subsídios.

A inclusão do uso indireto da terra para o cálculo do "padrão de sustentabilidade" é descabido por ser ilógico, ineficaz, impossível de medir e incoerente. Invés de tentar forçar um acordo sobre o cálculo deste padrão de sustentabilidade, o que nos parece impossível devidos aos quatro "i", sugerimos que maior ênfase seja dada às propostas relacionadas com compromissos de redução de emissão de GEE, como o sistema de comércio de licenças de emissões, chamado de "cap-and-trade".

O "padrão de sustentabilidade" é ilógico, porque o etanol é sustentável por definição. O CO2 sequestrado durante o crescimento da cana-de-açúcar é exatamente compensado pelas emissões desse gás quando da queima do combustível em autos. A mesma observação se aplica, por exemplo, a beber cachaça feita a partir da cana-de-açúcar. As emissões de CO2 no funcionamento de um carro não são piores do que as emissões de CO2 durante a digestão da cachaça. A única diferença é que o etanol pode substituir a gasolina e a cachaça, não. Para ser coerente, deveríamos ter um padrão mais rigoroso de sustentabilidade para produção de cachaça e sobre todos os outros produtos que utilizam cana-de-açúcar e podem impactar negativamente na saúde, como biscoitos, chocolates, gomas de mascar, caramelos etc, e não sobre o etanol que é utilizado como combustível.

O "padrão de sustentabilidade" é ineficaz porque é baseado na Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) do produto, que é um método de avaliação das emissões de GEE em todo o ciclo de vida da produção de gasolina e do etanol, análises que vão desde a produção do combustível até o final. Esta avaliação é também chamada de "análise do berço à cova". Embora teoricamente bastante atraente, a ACV não detecta se incentivos ao uso de fatores de produção considerados "limpos" são utilizados na produção de etanol (por exemplo, gás natural e terras anteriormente utilizadas para o cultivo de soja), os fatores considerados "sujos" (por exemplo, carvão e terras anteriormente dedicadas a florestas tropicais) que poderiam ter sido utilizados na produção de etanol e simplesmente serão utilizados por outros produtores para fabricar produtos não abrangidos pela norma de sustentabilidade. Em suma, o "padrão de sustentabilidade" ignora outros produtos que estão contribuindo para emissão de GEE. Portanto, as medidas de ACV são errôneas e dão a falsa impressão de que com a produção e uso de etanol teremos uma redução na emissão de GEE.

O "padrão de sustentabilidade" é impossível de ser medido, uma vez que deve ir além da ACV e medir efeitos indiretos, incluindo os de mudança do uso da terra. O Conselho de Qualidade do Ar da Califórnia prometeu "avaliar a utilização do uso da terra e outros efeitos indiretos de todos os tipos de combustíveis". Desta forma, apenas no setor do petróleo, vários estudos terão que ser feitos para medir os efeitos diretos e indiretos da poluição por hidrocarbonetos na selva equatoriana, avaliar os custos de bem-estar mundial com o fortalecimento de injustos regimes políticos no Oriente Médio, além dos custos sociais, ambientais e de direitos humanos causados por empresas petrolíferas, como recentemente abordado pelo New York Times. Todo o exercício de medir estes efeitos indiretos tem se tornado uma chacota mundial.

O "padrão de sustentabilidade" é incoerente porque a atual legislação americana sobre o clima é baseada em sistemas de "cap-and- trade", segundo o qual todas as empresas precisam requerer licenças para emitir GEE. Ao adicionarmos este "padrão de sustentabilidade" ao sistema de cap-and-trade, estaremos penalizando duplamente a produção de etanol. Com a implementação do "cap-and-trade", qualquer norma de sustentabilidade ao etanol torna-se redundante, pois a total utilização de combustíveis fósseis será limitada. O Brasil por sua vez, já possui elevados impostos sobre o petróleo, colaborando muito mais do que os EUA na redução das emissões de CO2. Por que impor ainda mais exigências sobre o Brasil?

Para piorar, o "padrão de sustentabilidade" desvia a atenção das políticas de energia renovável, políticas contraditórias e de alto custo, como a tarifa de importação que bloqueia as exportações brasileiras e os subsídios para a produção do etanol americano e do milho. A tarifa é contraditória porque o etanol da cana-de-açúcar emite menores níveis de GEE. Pesquisas publicadas por Gorter mostram que essas políticas geram ineficiência econômica em dezenas de bilhões de dólares por ano.

Concluindo, a política do "padrão de sustentabilidade" de etanol, um conceito ilógico, ineficaz, impossível de se medir e incoerente, pode inviabilizar a legislação de mudanças climáticas. Ao contrário, a legislação proposta - que está em perigo de ser alterada - é uma taxa sobre o carbono, implícita e na forma de sistema de comércio de licenças de emissões "cap-and-trade" que abrange todos os setores relevantes da economia de forma justa e eficiente. "Justa" e "eficiente", no entanto, não são conceitos usados para descrever as normas de sustentabilidade sobre o etanol.

Harry de Gorter é professor do Departamento de Economia Aplicada na Universidade de Cornell.

Erika Madeira Kliauga é pesquisadora associada do Departamento de Economia Aplicada na Universidade de Cornell.