Título: Protecionismo cresceu, mas de modo contido, diz a OMC
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 02/07/2009, Internacional, p. A12

Os governos ampliaram medidas de restrição ao comércio e concessão de subsídios em reação à pior crise econômica dos últimos 50 anos, mas o movimento rumo ao protecionismo ainda está contido. A avaliação é do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, em relatório sobre o desenvolvimento do comércio global entre março e meados de junho, que foi enviado ontem aos 151 países-membros.

"Nos últimos três meses, houve um deslize em direção a mais restrições comerciais e políticas distorcivas, mas o recurso ao protecionismo tem sido contido, com algumas exceções", diz Lamy.

No total, 245 medidas com algum impacto no comércio foram adotadas desde março em resposta à crise global, em meio à enorme queda da demanda e ao colapso do financiamento às exportações.

Entre medidas verificadas junto a governos e obtidas de relatos da imprensa, a OMC contabiliza 113 no comércio, 63 medidas de estímulo econômico, outras 30 em benefício do setor financeiro. O quadro é completado com 39 países que restringiram a compra de carne suína devido à gripe A/H1N1.

As ações protecionistas implementadas ou anunciadas excedem em mais de duas vezes as medidas de liberalização ou facilitação de comércio registradas desde março. É o inverso do que ocorreu nos últimos anos, quando a balança era favorável ao lado da liberalização.

Sobretudo, a OMC chama a atenção para o aumento de investigações do tipo antidumping e salvaguardas, que podem se transformar mais tarde em sobretaxas, para combater produtos cujos preços estariam deslealmente baixos, prejudicando as indústrias locais. Também cresceu o uso de medidas não tarifárias (licenças de importação não automática, preços de referência etc) para mercadorias.

No geral, produtos agrícolas (sobretudo lácteos), siderúrgicos, veículos e peças automotivas, produtos químicos e plásticos, têxteis e vestuário têm sido os mais afetados pelas medidas protecionistas. Alguns países introduziram novas restrições no setor de serviços, como a Venezuela, na área de energia. Outros adiaram os planos de liberalização de servicos financeiros em resposta à crise atual.

Argentina e Índia estão entre os principais usuários de medidas protecionistas. A Argentina afeta parceiros como Brasil, China e Paraguai. O relatório destaca duas ações recentes do Brasil, de abertura de investigação contra fibras sintéticas importadas da China e de aumento da tarifa de importação de aço. "O protecionismo é uma doença perniciosa, que vem do país rico para o pobre", reclamou o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, na OCDE, na semana passada.

A OMC aponta também mais casos de governos e setores privados recorrendo a exigências de "comprar, investir, emprestar e contratar localmente" em programas de estímulo econômico, sem mencionar especificamente que entre eles estão de EUA até a China, dois elefantes do comércio mundial. Alerta que diante do "evidente apelo nacionalista", existe o perigo de que esses programas se tornem alvos de retaliação, com a consequência de guerras comerciais.

Outra inquietação é com os subsídios nos planos de estímulo, que distorcem o comércio. Eles beneficiam em particular bancos e seguradoras, setores automotivo e outros industriais, pequenas e médias empresas, produtores de papel e polpa, têxteis e agricultura.

A OMC reafirma que a ajuda ao setor financeiro em muitos casos pode ser vista como uma forma de subsídio, que afeta a concorrência.

Mas Lamy relata também mais medidas de abertura agora do que no começo do ano. Austrália, China, Equador, Egito, Indonésia, México, Paraguai, Filipinas, Rússia, Arábia Saudita, Ucrânia e Vietnã anunciaram cortes de tarifas de importação e remoção de barreiras não tarifárias em vários produtos. China e Malásia liberalizaram vários setores de serviços.

O relatório alerta para o risco de aumento de sobretaxas antidumping, teoricamente para combater importações deslealmente baratas. Lamy diz que essas medidas podem subir significativamente, como ocorre nos períodos de recessão, e voltar a baixar quando a situação econômica melhorar.