Título: Lula age para evitar crise igual à do mensalão
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2009, Política, p. A7

Alan Marques/Folhaimagem Na reunião do Conselho, ministra (na foto ao chegar ao CCBB) demonstrou receio sobre reflexos em 2010: "A briga é política"

A eleição da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) em 2010 é o que mantém o apoio incondicional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao senador José Sarney. Lula está convencido de que o PMDB será fundamental para a eleição de Dilma e que o afastamento de Sarney significará a aplicação do racha dos pemedebistas e da desestabilização do governo no Senado.

O grupo majoritário do PT tem a mesma avaliação: a crise do Senado já faz parte do jogo eleitoral, por meio do qual a oposição tenta dividir a base de apoio parlamentar do governo provocar a mesma instabilidade ocorrida em 2005, com a crise do mensalão. Coincidentemente, até o mês é o mesmo: a CPI do Mensalão foi criada em 20 de julho, a cerca de um ano e meio da eleição de 2006, quando Lula foi reeleito.

O mérito das denúncias contra Sarney praticamente foi deixado de lado - prevalecem os argumentos usados progressivamente por Lula na defesa do aliado, como a investigação que está sendo conduzida por órgãos oficiais. "A briga é política", como resumiu a própria ministra-candidata do governo em uma reunião do conselho político, segundo apurou o Valor.

O afastamento de Sarney, na avaliação governista, de imediato tornaria ainda mais precária a base real de apoio ao governo no Senado. Ato seguinte seriam instaladas as CPIs da Petrobras e do Denit (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte). Seria a reedição, dois anos depois, do processo que quase tragou o governo - o mensalão. Isso com o risco de a crise política ampliar-se para a economia, já que as duas em geral andam associadas.

Um amigo de Lula desde os tempos da CUT argumenta: "Você acha que é natural do presidente Lula sair em defesa do Sarney como ele está saindo?" Ele mesmo responde: "É a eleição, é o PMDB". E nem é de hoje: na eleição Lula foi ao Maranhão fazer campanha contra o PT, em favor de Roseana Sarney.

Para Lula seria muito mais fácil pegar os recursos que possam ter sido desviados do Senado - há estimativas que de que chegariam a 30% do Bolsa Família - e investir tudo no principal programa social do governo. E no entanto ele lembra o ministro José Múcio de seu papel político no governo e o manda defender o aliado. Ou enquadra a bancada de senadores do PT, que está inquieta com as próximas eleições - apenas três senadores não terão de disputar a reeleição (Tião Viana, João Pedro e Eduardo Suplicy); os outros dez terão de passar pelo julgamento do eleitorado. Sarney só corre o risco de perder o apoio de Lula se uma nova denúncia, mais contundente, vier a público ou se o desgaste for tanto que possa ameaçar a candidatura da ministra Dilma.

Sarney tem consciência de sua posição estratégica para o governo. Na conversa que teve com o PT no meio da semana, o senador não ameçou renunciar. Fez pior: disse que se tivesse de se afastar ou renunciar ao cargo, preferiria ir embora (renunciar ao mandato). Aos 79 anos, ex-presidente da República, pela terceira vez presidindo o Senado, não é intenção de Sarney "encerrar a carreira como um zumbi pelos corredores da Casa", segundo um amigo que o acompanhava na reunião com o PT.

"O Sarney baixou a bola", comemorou o principal aliado de Sarneu no Senado, o líder do PMDB, Renan Calheiros. Com isso quer dizer que, como numa partida de futebol, o jogo está em condições de ser reorganizado. A bancada pemedebista divulgou uma nota em seu apoio, os deputados, que disputam com os senadores a hegemonia do partido, se mantiveram discretos (mas Michel Temer, presidente do PMDB, tem conversado com ele) e até dirigentes petistas telefonaram para Sarney.

O novo campo majoritário do PT, a tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), expediu uma diretriz segundo a qual o centro da tática do PT, em 2010, é eleger Dilma Rousseff. Lula também diz que não está de brincadeira e vai jogar pesado para atingir esse objetivo. Lula e CNB convergem que para eleger Dilma no próximo ano a aliança com o PMDB será fundamental - entre outras coisas pelo tempo de rádio e televisão de que o partido dispõe.

Ocorre que, à medida que se aproximam as eleições, as divergências entre os dois partidos nos Estados ficam mais agudas e já há petista muito próximo a Dilma dizendo que a coligação com o PMDB não seria tão importante assim: bastariam, para sua eleição, a grande popularidade do presidente e o tempo de TV dos demais partidos aliados, especialmente os de esquerda - PSB, PCdoB e PDT.

Entre integrantes do CNB não é hora para essa discussão. A hora é de discutir a aliança com o PMDB, ganhar as eleições no próximo ano e - depois - não dar o espaço no novo governo que os pemedebistas ganharam no segundo mandato de Lula.

A ideia é fazer um núcleo dirigente do futuro governo que seja integrado pelo PT e pela esquerda, por meio dos partidos tradicionalmente aliados - PSB, PCdoB e PDT. Esse núcleo dirigente substituiria o PMDB na formulação e execução política.

O PT vai para a aliança com o PMDB porque o considera estratégico, mas com a convicção de que em muitos Estados, como São Paulo, dificilmente eles estarão com os petistas, até mesmo porque o ex-governador Orestes Quércia, que controla o partido no Estado, já tem um acordo com o governador José Serra, virtual candidato do PSDB em 2010

"Agora, no outro governo, nós vamos nos precaver", diz um petista bem posicionado no partido. Há no PT quem diga que o PMDB é quem dirige hoje o governo. Não seriam o PT nem a esquerda. Isso apesar de o núcleo dirigente do Palácio do Planalto ser do partido. "E dirige cada vez mais querendo mais coisas. Só se sacia de devorar, devorando. Só para de morder, mordendo".

Mas nada disso quer dizer que o PT vai acirrar as disputas agora, nos Estados, porque avalia que isso significará a derrota da ministra Dilma Rousseff nas eleições. E sobretudo porque Lula acha que, para vencer Dilma, tem que fazer aliança com o PMDB. Não é por outro motivo que o presidente fechou com Sarney. Ele acha que a eleição de 2010 será plebiscitária, "nós contra eles", na expressão de um palaciano, e a disputa já começou. Lula pode até receber Sarney no fim de semana. Desde que o senador peça, pois o presidente acha que já fez todos os atos públicos de apoio a Sarney. Inclusive ontem à noite, ao receber a bancada do PT e obrigar Aloizio Mercadante (SP) fazer "um cavalo de pau" em suas posições - o senador paulista havia pedido o afastamento do presidente do Senado.