Título: O impasse sobre as mudanças climáticas
Autor: Blair, Tony
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2009, Opinião, p. A11

Se nos concentrarmos em metas claras, concretas e factíveis, importantes reduções poderão ser conseguidas

Em 09 de julho, os líderes das maiores economias do mundo vão se reunir em L"Aquila, Itália, no Fórum das Maiores Economias (FME) para discutir os progressos rumo a um novo acordo sobre o clima mundial. Em seis meses, um acordo deverá ser firmado em Copenhagen, de modo que o encontro do FME acontecerá em um momento vital. Quando muitos dos mesmos líderes se reuniram em abril para enfrentar a crise econômica, eles acertadamente comprometeram-se a fazer "o que for necessário". O mesmo espírito precisa animar o encontro em L"Aquila.

Existe enorme boa vontade para fazê-lo. O novo governo americano está apoiando vigorosa ação americana. A China está definindo ambiciosas metas para reduzir a intensidade de consumo energético e fazendo enormes investimentos em energia renovável. A Índia apresentou seu próprio plano de ação. A Europa fixou para 2020 uma meta de redução das emissões para 30% abaixo dos níveis de 1990 se houver um acordo mundial ambicioso. O Japão publicou suas propostas para substanciais reduções nas emissões de carbono. Em todo o mundo, novos compromissos nesse sentido deverão ser manifestados no curto prazo.

Mas obstáculos de ordem prática persistem. O que se pede é que até 2050 as emissões mundiais sejam inferiores à metade de seus níveis em 1990, depois de atingir um máximo antes de 2020. Uma vez que as emissões dos países em desenvolvimento são, em seu total, inferiores às do mundo desenvolvido - e precisarão continuar a crescer no curto prazo, à medida que mantêm seu crescimento econômico e atacam a pobreza - vem se propondo que os países desenvolvidos reduzam até 2050 suas emissões em pelo menos 80% em relação a 1990, dando importantes passos rumo a esse objetivo no curso da próxima década.

Os países em desenvolvimento também necessitarão desempenhar seu papel, reduzindo sensivelmente suas emissões e fazendo-as atingir um crescimento máximo nas próximas décadas. Para os EUA, esses compromissos significariam cortar as emissões para em torno de um décimo do atual nível per capita, ao passo que para a China isso implicaria criar um novo modelo de desenvolvimento econômico baseado em emissões com baixo teor de carbono. Para todos os países, esse é um grande desafio - uma revolução que implica enorme mudança de políticas.

A boa notícia é que se nos concentrarmos em metas claras, concretas e factíveis, importantes reduções poderão ser conseguidas para assegurar que, qualquer que seja a meta provisória precisa, o mundo terá formulado uma nova e radical abordagem para um horizonte de tempo administrável. Um novo relatório do projeto "Breaking the Climate Deadlock" (para romper o impasse sobre as mudanças climáticas), uma parceria estratégica entre minha agência e o Climate Group (Grupo do Clima), mostra como importantes reduções mesmo até 2020 são factíveis, se centrarmos nossas ações em determinadas tecnologias críticas, implementarmos políticas de eficácia comprovada e investirmos agora no desenvolvimento das tecnologias futuras que levarão tempo para amadurecer.

Talvez o fato mais interessante a vir à tona é que chega a 70% o percentual de reduções necessárias em torno de 2020 que podem ser conseguidas investindo em três áreas: aumento da eficiência energética, redução do desflorestamento e uso de fontes de energia com mais baixas emissões de carbono, entre elas energia nuclear e de fontes renováveis. A adoção de apenas sete políticas comprovadas - padrões de energia renovável; medidas de eficiência industrial; normas para edificações; padrões para eficiência veicular; padrões para conteúdo de carbono em combustíveis; padrões para aparelhos de uso doméstico, e políticas para redução de emissões resultantes de desflorestamento e degradação florestal (REDD, em inglês) - podem gerar essas reduções.

Todas as sete políticas já foram colocadas em prática com êxito em países no mundo inteiro, mas sua escala precisa crescer. Embora esquemas de limitação e comercialização de direitos de emissão ou outros meios de impor custos monetários às emissões de carbono possam contribuir, criando incentivos para que as empresas invistam em soluções para emissões com baixo teor de carbono, no curto prazo pelo menos, essas sete medidas de políticas - e ação direta e investimentos governamentais - são necessários para atingir as metas.

Em mais longo prazo, também necessitaremos tecnologias como as de captura e armazenamento de carbono (CCS, sigla em inglês), expansão do uso de energia nuclear e nova geração de energia, ao lado do desenvolvimento de tecnologias cujo potencial, ou mesmo existência, ainda são desconhecidos. O importante, no que diz respeito a Copenhagen é que sejam tomadas agora decisões de investimentos que produzam benefícios mais tarde.

Por exemplo, a esmagadora maioria das novas usinas de eletricidade na China e na Índia - necessárias para impulsionar a industrialização que tirará centenas de milhões de pessoas da pobreza - será alimentada a carvão. Esse é um fato inelutável. Por isso, o desenvolvimento de técnicas de captura e armazenamento de carbono, ou uma alternativa para permitir q o carvão se torne uma fonte de energia limpa, é essencial para atingir a meta de 2050. Mas precisamos investir agora, seriamente e mediante colaboração mundial, para que em torno de 2020 estejamos em condições de ampliar a escala da captura e armazenagem ou de implementar outras alternativas.

O renascimento do uso de energia nuclear exigirá uma grande expansão do número de cientistas e engenheiros qualificados. Veículos elétricos necessitarão grandes ajustes à infraestrutura. Sistemas de redes de eletricidade inteligentes podem viabilizar grandes reduções nas emissões, mas demandam um plano para colocá-las em funcionamento. Essas medidas demandarão tempo, mas exigem investimentos já. Por outro lado, no curto prazo, iluminação com baixo consumo energético e motores industriais eficientes podem parecer coisas óbvias, mas estamos longe de usá-los tão amplamente quanto poderíamos.

Assim, sabemos o que precisamos fazer, e dispomos das ferramentas para alcançar nossos objetivos. Os líderes das maiores economias podem, portanto, ter confiança em adotar as metas provisórias e de longo prazo recomendadas pela comunidade científica: manter o aquecimento abaixo de dois graus Celsius; fazer com que na próxima década ocorra um pico nas emissões; e, em torno de 2050, reduzir pelo menos à metade as emissões mundiais em relação a 1990.

Os países desenvolvidos terão condições de comprometer-se a, até meados do século, reduzir suas emissões em 80% em relação a 1990, como muitos já o fizeram, e proporcionar o necessário apoio financeiro e tecnológico aos esforços de adaptação e redução pelos países em desenvolvimento. Com esse apoio, os países em desenvolvimento, por seu turno, precisarão conceber e implantar "Planos de Crescimento com Emissões de Baixo Teor de Carbono" que desacelerem substancialmente - e ao cabo de algum tempo limitem - o crescimento de suas emissões. Ao aderir a esses compromissos, os líderes no FNE, cujos países respondem por mais de 75% das emissões em todo o mundo, estarão criando uma base sólida para êxito em Copenhagen.

Entre os encontros em L"Aquila e Copenhagen, haverá, certamente, discussões difíceis sobre metas provisórias para os países desenvolvidos. Embora tais metas sejam importantes, o mais importante é um acordo sobre as medidas que em última instância posicionarão o mundo em um novo caminho rumo a um futuro de emissões com baixo teor de carbono.

Durante anos, a ênfase foi, acertadamente, em convencer as pessoas de que precisa haver suficiente "vontade" para enfrentar as mudanças climáticas. Mas os líderes, em dificuldades para enfrentar esse desafio mesmo em meio a uma crise econômica, precisam saber que existe também "uma maneira". Somente mediante a combinação das duas vertentes é que poderemos ter êxito. Felizmente, tal maneira - imensamente difícil, mas ainda assim factível - existe.

Tony Blair foi primeiro-ministro do Reino Unido. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org