Título: Obama tenta reiniciar relação com Moscou
Autor: Wagstyl, Stefan ; Times, Financial
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2009, Internacional, p. A9

Uma rusga sobre a Guerra Fria, entre o presidente dos EUA, Barack Obama, e Vladimir Putin, o premiê russo, elevou a tensão às vésperas do encontro de cúpula EUA-Rússia, hoje e amanhã em Moscou.

Em entrevista antes dos encontros com Putin e com o presidente Dmitri Medvedev, Obama disse: "É importante que, no momento em que avançamos com o presidente Medvedev, Putin entenda que a antiga abordagem da Guerra Fria no tocante às relações dos EUA com a Rússia é antiquada, que é hora de avançar numa direção distinta. Penso que Medvedev entende isso; penso que Putin mantém um pé nas formas antigas de se conduzir as coisas e outro pé nas novas".

Putin revidou, dizendo que os EUA estão atolados na Guerra Fria, após terem fracassado em cumprir sua promessa de revogar a emenda Jackson-Vannick, uma lei sobre comércio exterior vinculada à emigração de judeus soviéticos. Mas acrescentou que continua ansioso para encontrar Obama, evitando visivelmente deixar que o insulto inusitado estrague a cúpula.

Ontem, Obama voltou a apoiar , em entrevista ao jornal oposicionista russo "Novaia Gazeta", as promessas de Medvedev de fortalecer a liberdade e o estado de direito na Rússia, numa deferência ao presidente em detrimento de Putin.

Para a Rússia, o evento em si é quase tão importante quanto seu conteúdo. A cúpula EUA-Rússia representa um lembrete da era em que essas reuniões proclamavam o domínio das duas superpotências. Nas palavras de um diplomata ocidental, a cúpula representa, para Moscou, "status, status, status".

Observadores russos têm se referido à visita com entusiasmo, considerando-a uma oportunidade de revitalizar as relações com os EUA após divergências recentes, especialmente sobre a guerra na Geórgia. Mikhail Margelov, presidente da comissão de Relações Exteriores da câmara alta do Parlamento russo, disse: "Dois novos presidentes representando uma nova geração, que não está impregnada de uma mentalidade de Guerra Fria, têm uma chance de melhorar as coisas".

Por trás da retórica, porém, a política russa está assentada num profundo ressentimento de que, após a queda da União Soviética, o Ocidente teria enganado Moscou ao não honrar suas promessas de manter suas forças militares fora da Europa Oriental. Autoridades russas dizem que seus protestos sobre a ampliação da Otan e, recentemente, sobre os planos dos EUA de instalar bases de mísseis de defesa na Polônia e República Tcheca, têm sido ignorados.

O Conselho de Política Externa e de Defesa, centro de estudos ligado ao Kremlin, diz que a Rússia deveria aproveitar a chance criada pelo contexto econômico e pelo que chama de crise na liderança global dos EUA para mostrar que Washington precisa de Moscou, assim como de Pequim, para criar uma nova ordem política estável.

Assim, a Rússia está abordando a cúpula num estado de ânimo irritadiço. Por um lado, saudou a iniciativa de Obama, de "reativar" a relação bilateral, e o gesto da Otan, de retomar a cooperação militar com Moscou, interrompida pela guerra na Geórgia. Por outro lado, organizou com estardalhaço a cúpula dos Bric, recebendo Brasil, China e Índia, e chocou observadores ao se retirar das negociações para aderir à Organização Mundial de Comércio, após 16 anos. Agora, o país está fazendo manobras militares no Cáucaso.

O destaque da cúpula são os planos para a elaboração de um tratado de controle de armas que deverá substituir o Start I, de 1991, que expira em dezembro. Os dois lados concordam com cortes na quantidade das suas ogivas, das atuais 1,7 mil para algo em torno de 1,5 mil, mas há muitos detalhes a serem resolvidos, incluindo um esquema de inspeções. É provável que os dois presidentes decidam pedir mais negociações.

Um tema crucial, no entanto, continua sem solução. A Rússia quer que o pacto cubra todas as armas estratégicas, incluindo o planejado sistema de defesa antimísseis dos EUA, devido à "conexão indissolúvel" existente entre armas ofensivas e defensivas. Os EUA estão reavaliando a defesa antimísseis, com base em argumentos de custo e eficácia, mas, enquanto isso, rejeitam a demanda da Rússia. Autoridades dos EUA disseram que não haveria nenhuma "troca" entre o tratado de armas estratégicas e a defesa de mísseis.

A Rússia também quer que os EUA reconheçam sua pretensão a primazia na antiga União Soviética. Moscou está promovendo um tratado pan-europeu de segurança, que proibiria novas alianças militares ou a ampliação das existentes, numa tentativa de deter a expansão da Otan para o leste de uma vez por todas. Obama postergou tacitamente os planos para admitir a Geórgia e a Ucrânia na Otan, mas não permitirá que os EUA se comprometam explicitamente dessa maneira.

Sobre outros lugares, a Rússia aceitou pedido dos EUA de facilitar o transporte de suprimentos militares ao Afeganistão. Em outras questões de grave preocupação para Washington - Irã, Oriente Médio e Coreia do Norte - a cúpula provavelmente se restringirá a termos genéricos.

Segundo Sergei Prikhodko, principal assessor de política externa do Kremlin: "A questão é saber se queremos ampliar o entendimento mútuo ou defender as nossas próprias posições". Por ora os dois lados caminham beirando a linha do entendimento mútuo. Mas, como mostrou a troca de farpas entre Obama e Putin, não estão achando a tarefa muito fácil.