Título: No Japão, trem-bala toma lugar do avião
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2009, Especial, p. A12

Às 9h45 várias pessoas aguardam, na plataforma da estação ferroviária de Tóquio, a chegada do trem que partirá às 10h10. Trata-se do Nozomi, considerado o superexpresso entre os trens de alta velocidade no Japão. Cerca de 20 minutos antes do horário de partida, meia dúzia de funcionários uniformizados, munidos de esfregões e vassouras, ficam a postos na plataforma. O trem chega e logo depois da limpeza, em minutos, é anunciado o embarque nos vagões da linha Tokaido, que liga Tóquio a Fukuoka. Os passageiros guardam as bagagens e se acomodam em poltronas numeradas.

Alguns minutos depois da partida um rapaz de uniforme e chapéu marrom anuncia em japonês polido - usado para se dirigir aos superiores hierárquicos em ocasiões formais - que iniciará a conferência das passagens. Com suas luvas brancas recolhe cada um dos bilhetes para a checagem. Enquanto o expresso corre suavemente sobre os trilhos, homens de terno e gravata abrem suas pastas para ler papéis ou debruçam-se sobre computadores portáteis. Quem quer usar celular pode fazê-lo à vontade, mas precisa dirigir-se a um espaço próprio para isso, o que garante a manutenção do silêncio dentro dos vagões.

Alguns aproveitam o percurso para fazer sua refeição, comprada nos quiosques das plataformas da estação de trem ou da moça que discretamente coloca à venda lanches e bebidas, inclusive o café gelado em lata, uma preferência nipônica. A bebida é tomada enquanto se aprecia a paisagem. Na linha Tokaido é possível experimentar de forma simultânea dois dos principais cartões postais do Japão: o trem expresso e a visualização do monte Fuji. Resumos de notícias do dia aparecem no visor de cristal líquido acima das portas de entrada em cada um dos vagões. Incluem a cotação do dólar e de papéis na Bolsa de Tóquio.

Conforme programado, o trem chega às 12h58 em Kobe, com a precisão necessária para alguém que já tenha bilhete marcado para pegar algum outro trem na estação às 13h04, por exemplo.

Uma viagem pelo Nozomi mostra que o governo do Japão e as empresas japonesas interessadas em participar da licitação do trem-bala brasileiro têm razão ao destacar a precisão e a pontualidade entre os pontos fortes do shinkansen, como é chamado o trem de alta velocidade nipônico. Para eles, o trem expresso oferece vantagens suficientes para atrair viajantes a negócios e turismo.

Shuji Eguchi, diretor do departamento de ferrovias do Ministério de Terra, Infraestrutura, Transporte e Turismo do Japão, diz que o expresso é altamente competitivo nos percursos entre 300 quilômetros e 800 quilômetros. Em distâncias menores, o automóvel e o ônibus ganham. Em percursos mais longos, o avião é mais vantajoso em razão da maior velocidade. O projeto do expresso que deve ser licitado pelo Brasil vai percorrer 511 quilômetros entre os municípios do Rio de Janeiro e de Campinas. Está, portanto, dentro da distância em que o trem-bala é considerado mais competitivo.

O ministério exemplifica com dados do trecho pioneiro do shinkansen no Japão. Trata-se dos 515 quilômetros de Tóquio até Osaka, tendo uma estação intermediária em Nagoya, a 342 quilômetros da capital japonesa. O trem expresso derrubou as linhas áreas antes existentes entre Tóquio e Nagoya, conta Eguchi. Hoje só há opção de fazer esse percurso por trem. No trecho Tóquio-Osaka, de 515 quilômetros, 80% dos passageiros usam o trem. Apenas 20% vão de avião (ver tabela). Eguchi lembra que o expresso conseguiu atrair passageiros mesmo com tarifas muito próximas aos preços das passagens aéreas.

A linha que liga Tóquio a Nagoya tem mais de 40 anos. Mas não é preciso esperar tanto tempo para verificar a capacidade do trem-bala de atrair viajantes. Yasushi Imai, gerente-geral da divisão de projetos de transporte da Mitsui, que coordena o consórcio japonês interessado no expresso brasileiro, lembra que o mesmo grupo forneceu há dois anos o shinkansen para Taiwan. O expresso taiwanês funciona desde março de 2007 e mostrou grande competitividade em relação às linhas aéreas em pouco mais de um ano de operação.

Em Taiwan, o trem-bala liga as cidades de Taipei e Zuoying, uma distância de 345 quilômetros. Em março de 2007, quando o expresso entrou em operação, havia 24 voos ao dia fazendo o trecho entre os dois locais. Atualmente o trecho, informa, conta com apenas três voos semanais .

Apesar de ter velocidade menor que a do avião, o trem-bala tem facilidades como a eliminação do check-in, embarque de bagagem e tempo de espera na decolagem e aterrissagem.

Além do tempo de acesso, diz Atsuyuki Miki, gerente-geral da divisão de transportes da Mitsui, o shinkansen ganha em função da tecnologia que garante alta pontualidade e menor vulnerabilidade em relação a circunstâncias meteorológicas. Segundo ele, os atrasos dos expressos são, em média, de menos de um minuto por trem. Esse cálculo inclui atrasos ocasionados por causas da natureza, como tufões ou fortes ventos, por exemplo.

Masaaki Fukihara, gerente-geral do departamento de sistemas de transporte da Mitsubishi, chama a atenção para os mecanismos de prevenção de acidentes desenvolvidos no expresso japonês. "O shinkansen circula desde 1964, há cerca de 45 anos, e nunca houve nenhum acidente com morte ou passageiros feridos", diz. Esse dado é considerado um dos trunfos a favor da tecnologia japonesa. "Esperamos que a escolha do consórcio para o fornecimento do trem-bala não leve em conta apenas o preço, mas também a tecnologia e a segurança oferecida pelo sistema, já que se trata de um grande investimento e de um meio de transporte que vai operar por muitos anos", diz Haruhiko Kono, diretor da área de política do ministério da Terra japonês.

Em relação a outros meios de transporte, o expresso também ganha em número de pessoas que pode transportar. Segundo Fukihara, para levar o número de pessoas que hoje usam a linha Tokaido, que liga Tóquio a Fukuoka, seria necessário um ônibus a cada nove segundos e um avião a cada minuto.

De acordo com dados do Ministério da Terra japonês, o trecho Tóquio-Osaka, de 515 quilômetros, tem 117 mil passageiros por dia. O trem de Taiwan, que percorre 345 quilômetros, tem 90 mil usuários ao dia. Conforme noticiado pelo Valor o governo brasileiro trabalha com um fluxo estimado de 60 mil passageiros nos trechos de São Paulo a Campinas e São Paulo a São José dos Campos. Calcula-se que o trajeto entre Rio e São Paulo, levando em conta ligações no território fluminense - por exemplo, entre o Rio e Volta Redonda ou Barra Mansa -, transportará cerca de 30 mil passageiros diariamente.

Um dos fatores que têm amenizado o risco de atrasos, diz Yoshiji Ito, gerente-sênior do departamento de projetos ferroviários da Toshiba, explica que o shinkansen tem motores em todos os vagões, o que mantém a potência em trajetos íngremes e aumenta a capacidade de transporte. Isso também possibilita a operação do trem mesmo que um dos motores quebre. Na Europa, os expressos tradicionalmente têm motor apenas no primeiro e no último vagões. "Os países europeus estão começando a mudar o sistema agora."

A repórter viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores do Japão