Título: Com discrição, Brasil e EUA discutem Doha
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 17/07/2009, Brasil, p. A5
O Brasil e os Estados Unidos realizaram ontem, discretamente, em Genebra, sob uma temperatura acima de 30 graus, a primeira negociação bilateral pelo processo que Washington considera como a melhor maneira de barganhar para tentar concluir a Rodada Doha no ano que vem. O governo de Barack Obama quer mostrar aos reticentes Congresso e setor privado que a abordagem da negociação mudou e pode, com barganha direta, arrancar mais abertura de Brasil, China e Índia, mercados com maior potencial de expansão para as exportações americanas.
Associações industriais americanas condicionam um acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC) à obtenção de entendimentos setoriais para acelerar a abertura em áreas chaves nos países emergentes. Por esse mecanismo, as tarifas de importação de certos setores cairiam a zero mais rapidamente do que pelo cronograma normal, que prevê redução ao longo de oito a dez anos. Os Estados Unidos pressionam para obter uma redução maior nas tarifas de importação em setores que incluem químicos, máquinas industriais, bens eletroeletrônicos, produtos florestais e equipamentos ambientais, por exemplo.
O Brasil, contudo, está discutindo com uma atitude prudente e sequer admite a existência de uma nova abordagem de negociação que, na prática, significaria reconhecer que as concessões já feitas aos americanos seriam insuficientes. Procurado pelo Valor, o embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo, apenas comentou, sobre a reunião, que sempre que os dois lados se encontram discutem "suas dificuldades".
O representante brasileiro foi, em todo caso, incisivo, e avisou que para o Brasil a negociação tem que continuar multilateral, que o país não aceita abertura seletiva do pacote agrícola e industrial que está na mesa de negociação e, se for o caso de reabrir uma área para algum ajuste, isso precisa ser compensado em outra. Além disso, o jogo final para o Brasil está nos textos já propostos pelos mediadores das negociações agrícola, industrial e de serviços na OMC. Os americanos alegam que não conseguem ver resultados claros para seus exportadores.
Pelos cálculos da OMC, um acordo final em Doha, pelo que está na mesa de negociação, levaria os países ricos a fazer cortes médios de 53% nas alíquotas de importação agrícola e de 60% em produtos industriais. Para os países em desenvolvimento, o corte médio seria de 20% nas tarifas agrícolas e pouco mais de 50% nas industriais.
Nas tarifas realmente aplicadas, os países ricos fariam corte de 48% na agricultura e de 46% em produtos industriais. Já as nações em desenvolvimento aplicariam redução de 11% na agricultura e de 18% sobre produtos manufaturados. Segundo a OMC, o pacote recusado em Doha proporcionava cerca do dobro das reduções tarifárias acertadas na Rodada Uruguai (1987-1994) e que vigoram atualmente no comércio global.
Estudo da entidade concluiu que, nesse cenário, o Brasil teria um beneficio proporcionalmente muito maior no comércio agrícola do que as outras nações, enquanto perderia pouco com a abertura de seu mercado às importações industriais. O país poderia ter exportações adicionais de cerca de US$ 4 bilhões por ano, pela metodologia usada pela entidade. O ganho líquido do país teria sido numa proporção mais elevada também na comparação com sua fatia de 1,2% nas exportações e 0,8% nas importações mundiais.
O Brasil já avisou que sua prioridade é concluir Doha o mais rapidamente possível, porque depois do primeiro trimestre de 2010 a campanha eleitoral vai esquentar de vez no país, dificultando mesmo "ajustes" para cortar mais determinadas tarifas, para atender a demanda dos parceiros
Em setembro, haverá uma reunião de ministros em Nova Déli, mas será sobretudo política. A barganha mais efetiva virá depois da cúpula do G-20 em Pittisburgh, EUA. Em novembro, haverá uma conferência ministerial da OMC em Genebra, a princípio marcada para temas rotineiros da entidade, mas que poderá se transformar em nova tentativa de negociação.