Título: Lula pede que procuradores pensem na biografia dos denunciados
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 23/07/2009, Política, p. A6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, durante posse do novo Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel, que "o Ministério Público brasileiro tem o dever e a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado". De acordo com o presidente, a Instituição não tem o "direito de cometer erros, condenar, porque no Brasil as pessoas são condenadas antes".

O presidente aproveitou também para criticar mais uma vez a imprensa, ao afirmar que, dependendo da carga das manchetes, as pessoas são condenadas de antemão. "Depois, não adianta ser absolvida, porque não valeu nada aquilo, a pessoa já está condenada. Então, é importante que a gente tenha essa responsabilidade e faça as coisas com a maior lisura". O discurso foi feito no mesmo dia em que uma nova denúncia de nepotismo, fruto de um grampo da Polícia Federal autorizado pela Justiça, atingiu um dos principais aliados de Lula, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que Lula insiste em sustentar no cargo.

Lula alertou não apenas para o exagero dos jornalistas, mas de outros entes que participam de investigações ou de debates públicos. "Não pode ter nada pior do que um procurador, um político, qualquer ser humano procurar fazer da sua atividade profissional, que pesa muito sobre a liberdade das pessoas, um show de pirotecnia antes de ter o processo final apurado, indiciado e julgado". Para Lula, se isto acontecer, corre-se o risco de "condenar inocentes e absolver culpados".

Lula ainda lembrou que as prerrogativas do Ministério Público foram asseguradas pela Constituição Federal, mas deixou no ar que elas poderiam ser mudadas, caso o MP desvirtuasse a sua forma de agir. "Por favor, não jogue isso fora, porque um dia vai aparecer alguém que acha que vocês são demais, que se sinta perseguido por vocês e vai mandar mudanças para o Congresso Nacional. E nós sabemos que a mudança nunca será para mais liberdade, será para mais castramento", declarou o presidente.

Lula afirmou, no entanto, que este tipo de ameaça jamais partirá de seu governo. "Posso lhe dizer aqui, na frente dos procuradores, que da parte deste governo, você só irá encontrar mais flexibilidade na abertura das portas para que o Ministério Público possa cumprir com a sua função magnânima que os constituintes de 1988 deram ao Ministério Público", assegurou o presidente.

Lula brincou com os procuradores, dizendo que, ao optar pela escolha do primeiro nome da lista enviada pelo MP - Gurgel foi o mais votado por procuradores de todo país - buscou garantia para si próprio, em primeiro lugar. "Se amanhã alguém disser que o Procurador-Geral não é bom, eu digo: a culpa é da categoria. Quem o conhece bem é a categoria, não sou eu", disse. Em segundo lugar, para evitar comentário de que escolheu por amizade pessoal, evitando, assim, o "compadrio".

Lula disse que fez uma ampla consulta entre integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário para "conhecer Gurgel" e disse que fez questão de só encontrá-lo pessoalmente após tê-lo indicado para suceder Antônio Fernando Souza. "Segundo as informações, as pessoas gostam mais de você do que você pensa, viu? Tem muita gente no anonimato aí, que lhe conhece bem, que conhece a sua história, que conhece o seu comportamento e que conhece a sua seriedade". Lula acrescentou ainda que, nas várias consultas que fez, em nenhuma delas ouviu "ele vai ser leal ao senhor, presidente".

O novo procurador buscou firmar um diálogo fraterno com os poderes da República. "O Ministério Público não pode ter a pretensão do monopólio da verdade ou dos valores republicanos e não conseguirá cumprir suas tarefas constitucionais sem a mais ampla interlocução institucional, com o Parlamento, o Executivo e o Judiciário", frisou Gurgel.

Após a posse, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, elogiou Roberto Gurgel e aproveitou para discordar de Lula sobre a atuação da imprensa nas denúncias envolvendo casos de corrupção. "Há um reclamo muito grande contra a impunidade que muitas vezes leva a esse juízo punitivo que não é apenas da imprensa, muitas vezes vem de algum órgão público, de algum agente público: é um procurador, um delegado, um juiz que precipita alguma informação. Nunca a imprensa age de forma isolada", declarou Mendes

Também presente à posse, o ministro da Justiça, Tarso Genro - que oficializou no último final de semana sua pré-candidatura ao governo do Rio Grande do Sul - negou que a Polícia Federal aja politicamente com grampos envolvendo o presidente do Senado, José Sarney. Também não admitiu que parte das críticas de Lula poderiam estar voltadas para a corporação. "A Polícia Federal vai continuar - sob o controle do MP - fazendo investigações cada vez mais profundas. Ela tem a orientação severa do diretor-geral (Luiz Fernando Corrêa), de não participar do debate político. Ela faz investigações técnicas, leva para o MP e consequentemente para a justiça".