Título: Japão repensa sua identidade industria
Autor: Harding , Robin
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2009, Especial, p. A14

Dentro das fileiras de construções com laterais de metal de um subúrbio perto da praia, a uma hora de Tóquio, máquinas verde-água produzem o mais básico dos componentes industriais: pares de anéis de aço dentro dos quais giram bolas ou cilindros de aço.

Os rolamentos produzidos pela fábrica da NSK em Fujisawa podem parecer os protótipos desenhados por Leonardo da Vince há cinco séculos, mas a companhia ainda tem muitas despesas. Seu orçamento anual de pesquisas, de 10 bilhões de ienes (US$ 105 milhões) suporta uma equipe de químicos que elaboram receitas de graxa - 60 das 200 variedades que a NSK usa foram desenvolvidas dentro da companhia - e engenheiros da computação, cujos softwares detectam impurezas nas ligas de metais. "Você pode comprar rolamentos baratos feitos na China que parecem ser bons, mas eu não os usuaria", afirma Masatoshi Shirai, o gerente-assistente da fábrica.

Mas, apesar da qualidade, a queda na demanda mundial e uma grande valorização do iene lançaram os fabricantes japoneses em uma crise e reacenderam uma discussão sobre a dependência que o país tem do setor. É por isso que não foram as finanças que transmitiram essa recessão para o Japão - foi o setor industrial. Apesar de não ter uma bolha imobiliária ou um trauma bancário para se comentar, a queda nas exportações - que encolheram 50% no seu ponto mais baixo, em fevereiro - ajudou a provocar uma queda anualizada de 14% na produção do primeiro trimestre, fazendo da recessão no Japão uma das mais graves no mundo desenvolvido.

Enquanto líderes anglo-saxões se preocupam com o enfraquecimento de suas economias por causa de dependência excessiva do setor financeiro, os problemas do Japão são um lembrete de que há perigos do outro lado da cerca. Vários economistas alertam que o predomínio das empresas exportadoras e um setor doméstico de serviços relativamente fraco deixaram o Japão dependente da demanda externa, exposto aos caprichos do mercado de câmbio e vulnerável aos concorrentes asiáticos de baixos custos. A recessão mundial parece ter provado que eles estavam certos, levantando a dúvida: será que fábricas como a de Fujisawa têm futuro?

Num país em que o "monozukuri" (fazer coisas) é parte da identidade nacional, lamuriar-se sobre a situação do setor industrial não é novidade. A rápida industrialização protegeu o Japão do imperialismo ocidental no Século XIX e o reconstruiu depois da Segunda Guerra Mundial - uma guerra que foi por si só uma demonstração da importância da produção material. "Não foi o setor de serviços dos EUA que derrotou o Japão", observa Robert Dujarric da Temple University de Tóquio. Ele crê que os empregos de linha de produção bem remunerados têm sido o pilar da igualdade social conquistada no Japão pós-guerra.

As companhias vêm mudando a produção nos mercados internacionais há três décadas, para superarem barreiras comerciais e tirar vantagem da mão-de-obra mais barata. Empregando 1 em cada 10 trabalhadores, a parcela do setor industrial na formação de PIB, de 21% em 2006, continua alta pelos padrões dos países desenvolvidos - mas está bem abaixo de seu pico de 36% em 1970. A suposição foi de que o trabalho altamente qualificado permaneceria no Japão e as vendas mundiais, sempre em crescimento, garantiriam um nível mínimo de exportações.

Esse ponto de vista agora está sendo questionado. Com o agravamento da recessão no começo do ano, as fábricas começaram a fechar e a demitir os funcionários - em muitos casos sem a promessa de recontratação quando a economia se recuperar. A Sony disse que iria fechar 4 de suas 10 fábricas no Japão e terceirizar a produção. Mikio Katayama, o presidente da Sharp, anunciou uma mudança de estratégia, afirmando que no futuro "as exportações do Japão não farão sentido, mesmo nos campos tecnológicos mais avançados". Para uma companhia que se define por sua destreza manufatureira, o comentário sugere mais do que um problema cíclico.

Antes mesmo da recessão os esforços para preservar empregos em casa pareciam forçados. As companhias reduziram os salários, transformando os ganhos de produtividade em preços menores ou lucros maiores: os custos com a mão de obra enquanto parcela da produção industrial caíram de 73% em 1994 para 49% em 2007. Em vez de proporcionar empregos estáveis, as fábricas contrataram trabalhadores temporários - chineses ou brasileiros com vistos de permanência de curto prazo -, que recebem salários baixos e condições ruins. O Japão não moveu apenas as fábricas rumo a mão de obra barata. Ele levou a mão de obra barata para as fábricas.

Com a desvalorização dos empregos no setor industrial, os jovens japoneses cada vez mais se desinteressam por eles. Segundo o Rose Project, uma pesquisa mundial financiada por noruegueses sobre atitudes em relação às ciências, os alunos japoneses do ensino médio responderam de maneira mais negativa à proposta "eu gostaria de conseguir um emprego na área de tecnologia" do que seus colegas em 25 países pesquisados.

Os estudantes à procura dos empregos estáveis e para a vida toda, que antes eram oferecidos pelas empresas do setor industrial, agora optam cada vez mais pelas companhias de serviços públicos. Em uma pesquisa realizada este ano pela Recruit, uma agência de empregos, os estudantes classificaram a Central Japan Railway, parte da velha rede estatal ferroviária, como o empregador mais atraente. A Sony ficou em 89º lugar e a Toyota, em 96º .

Isso vem agravando os problemas apresentados pelo envelhecimento da população. "Quando você olha para a estrutura populacional, vê que será extremamente difícil encontrar grupos de mão de obra barata", afirma Tadahito Yamamoto, presidente da Fuji Xerox, a fornecedora de equipamentos para escritórios. Oitenta por cento de sua produção já saiu do Japão e tudo o que permanece no país, segundo ele, é a produção dos artigos de maior valor agregado - tintas; empregos na área de engenharia e desenvolvimento; e os sistemas de montagem que podem ser totalmente automatizados.

A resposta do Japão às retrações passadas do setor industrial sempre foi interferir no mercado de câmbio para enfraquecer o iene, aumentando a competitividade de suas exportações. A intervenção maciça no começo desta década provocou um certo alívio de curto prazo, mas deixou a economia mais dependente do que nunca da demanda externa, tornando-a assim mais vulnerável quando o iene se valorizava e as encomendas caíam. Hoje, a intervenção provocaria muitos protestos dos parceiros comerciais abalados pela recessão. E o Ministério das Finanças vem ficando fora do mercado, apesar dos pedidos do presidente do conselho de administração da Canon e do ex-presidente da Honda. Poucos esperam uma desvalorização do iene no curto prazo.

Uma possível resposta à perda da competitividade industrial é que não é uma coisa ruim transferir a produção para fora do país: o Japão pode manter as sedes das companhias, o que ainda proporcionará bons empregos nas áreas de administração, marketing e engenharia. Algumas das companhias que seguiram esse caminho estão conseguindo isso: a Yamaha Motors empregava 11 mil pessoas no Japão no começo da década de 1980, quando era responsável pela produção de 3 de cada 4 motocicletas fabricadas no Japão. Hoje, a produção doméstica de motocicletas responde por apenas 5% do total, mas a força de trabalho da Yamaha no Japão não encolheu muito, passando para 9 mil funcionários.

Outra resposta, estranhamente derrotista, é que o Japão precisa do setor industrial porque seu setor de serviços não é competitivo o suficiente. Com exceção de seus bancos lúgubres, as companhias de serviços japoneses são conhecidas por tratarem seus clientes maravilhosamente bem, só que não ganham dinheiro. "Se você olhar para as 50 maiores companhias japonesas, com base onde elas classificam seu setores, acho que todas elas seriam do setor industrial", diz Dujarric da Temple University.

Mesmo assim, há uma maneira mais otimista e sutil de se olhar para o futuro do setor industrial no Japão. Na busca de respostas para seus dilemas, muitos executivos japoneses recorrem a Takahiro Fujimoto, que comanda o Centro de Pesquisas de Administração Manufatureira da Universidade de Tóquio. Para ele, a questão não é se o Japão deveria operar no setor industrial, e sim quais produtos apresentam uma vantagem competitiva. Ele afirma que os pontos fortes do Japão foram forjados na era de crescimento elevado dos anos 60, quando havia uma falta de oferta de funcionários e recursos naturais, o que forçava as empresas a minimizarem o desperdício e a dependerem mais do trabalho de equipe de funcionários multicapacitados, em vez de uma divisão estreita de mão de obra. Dessas raízes surgiram práticas que surpreenderam o mundo industrializado, como a produção "just in time", para diminuir os estoques, e a "kaizen", ou melhoria contínua das atividades de fábrica.

"Nós precisávamos ser bons em produtos que exigem muita coordenação de produção e design", diz o professor Fujimoto. E mais: essa vantagem precisava ser durável e não podia ser empacotada de uma maneira que pudesse ser copiada por concorrentes. Seus dados sugerem que, quanto mais complicados o projeto e a fabricação de um produto, mais desses produtos o Japão exporta.

Apesar da reputação do Japão, os produtos difíceis de serem projetados e onde o país pode ter uma vantagem sustentada não são necessariamente os de alta tecnologia. "Perdemos os semicondutores mas ainda mantemos os vasos sanitários", diz o Professor Fujimoto, referindo-se ao sucesso da Toto, uma companhia que fabrica vasos sanitários mais eficientes do ponto de vista do consumo de água e que atende à demanda da China, país que tem carência de água.

Essa teoria também se encaixa no modelo de como as companhias estão respondendo à recessão. A Hitachi e a Toshiba, por exemplo, estão dando uma menor importância aos produtos eletrônicos de consumo, que usam peças de alta tecnologia, mas possuem designs simples, favorecendo mais o produto de alta tecnologia definitivo: as usinas geradoras de energia nuclear.

Além dos produtos globalmente competitivos, dois outros tipos de fábricas deverão prosperar no Japão: as "fábricas rápidas", que fabricam produtos just-in-time para o mercado doméstico, e as "fábricas-mãe", mantidas junto com centros de pesquisas.

Takanobu Ito, diretor-presidente da Honda, afirma que a "tendência geral" em sua companhia é ela se afastar das exportações, favorecendo mais a produção localizada, mas ele vê um papel importante no Japão para essas instalações importantes. "Nossa postura é aperfeiçoar as tecnologias mais novas e mais avançadas no Japão, antes de transferi-las para outros países. Essas tecnologias não são apenas produtos, elas estão conectadas ao próprio processo de produção. Isso significa que, sem a produção [no Japão], nossa tecnologia não tem como avançar."

Para a fábrica de Fujisawa da NSK, isso sugere que o futuro é relativamente brilhante. Seus metalúrgicos e especialistas em graxas dão suporte a 9 fábricas no Japão e 17 fora do país e, em algumas aplicações, os rolamentos são um produto bastante personalizado.

Shirai aponta uma pilha de rolamentos de um metro de largura, usados em turbinas eólicas no Mar do Norte. "Eles são colocados em alturas de até 100 metros. Uma vez instalados, você não vai querer substituí-los.