Título: Um problema que envolve Sarneys e Virgílios
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2009, Opinião, p. A14

Não é a primeira vez que o Senado deve a um presidente da casa uma profunda crise política. Lá, essa é uma constante desde 2001, ano quase integralmente tomado pela guerra política entre o ex-presidente Antonio Carlos Magalhães (DEM, então PFL, da Bahia) e o presidente de então, Jáder Barbalho (PMDB-PA). ACM caiu primeiro, atingido pela denúncia de que havia violado o painel eletrônico da Casa quando estava no comando da instituição. Meses depois, era a vez de Jáder Barbalho: ele sucumbiu a sucessivas denúncias de corrupção e renunciou ao cargo e ao mandato.

Em 2007, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) renunciou à presidência da Casa. Calheiros dividiu com a instituição um prolongado período de desgastes imposto por denúncias sucessivas de corrupção. Renunciou à presidência do Senado e conseguiu manter o mandato. Agora é a vez do presidente José Sarney (PMDB-MA), que apostou no seu poder sobre a máquina do Senado, na sua aliança com Calheiros e no poder político adicional que lhe conferia uma estreita relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e venceu uma disputa contra o senador Tião Viana (PT-AC).

Existem muitas semelhanças entre os processos que derrubaram vários presidentes do Senado. Todos resultam de disputas políticas internas que ganharam peso quando atingiram a opinião pública por meio de denúncias. As renúncias de presidentes, até agora, significaram a vitória de um grupo interno sobre o outro, e a aliança do grupo vitorioso com uma estrutura burocrática, autônoma e poderosa, que se manteve intocada. As crises acabaram envolvendo toda a sociedade sem produzir resultados: passadas as turbulências, os senadores restabeleceram o status quo. Desta vez, todavia, a disputa política atingiu o centro da burocracia da instituição e colocou em questão não apenas senadores que são denunciados, mas usos e costumes pouco "republicanos", partilhados por senadores (não todos, mas vários), sem distinção partidária. O ex-diretor-geral Agaciel Maia, o centro das denúncias na estrutura administrativa, é a representação desse casamento da burocracia do Senado com os representantes eleitos dos Estados. O Senado tornou-se tão frágil quanto o presidente do momento. A representação contra Sarney na Comissão de Ética, a investigação das denúncias contra ele, os inquéritos para investigar a legalidade dos atos do ex-diretor-geral da Casa Agaciel Maia e do ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi são apenas parte da solução dessa crise. A outra é mais difícil: discutir em profundidade o papel da instituição, desaparelhar a máquina e profissionalizar seus quadros. Isso requer que cada um assuma sua responsabilidade - senador ou partido.

É mais fácil, no entanto, fazer política para o grande público. Basta atacar reputações alheias. Isso significa discursos inflamados dos senadores, delegação de culpa contra os mais atingidos pelas denúncias e não assumir qualquer responsabilidade sobre o problema.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (PSDB-AM), é o campeão nisso. Ele colocou em movimento sua máquina de individualizar culpas e jogá-las para seus adversários. Foi alvejado, no entanto, por denúncias de que teria mantido um funcionário fantasma em seu gabinete e aceitado um empréstimo do próprio bolso de Agaciel Maia. Para defender-se, usou uma frase cândida: "Esse é um equívoco do qual me penitencio". Quando já existiam indícios de seria também denunciado, Virgílio foi para a tribuna do Senado e simplesmente apontou o "silêncio" do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) como prova cabal de envolvimento do senador paulista com o ex-diretor-geral. Não satisfeito, tratou os seus pares como "bando".

É mais fácil fazer política atacando reputações alheias. O difícil é desmontar, de fato, toda a máquina de privilégios do Senado, torná-la menos pesada política e financeiramente e discutir o papel da instituição na democracia brasileira. Reconstruir a instituição significa retirar o poder de alguns caciques sobre ela - e Sarney é, hoje, o maior representante dessa política -, mas quer dizer também botar no lugar dessa estrutura arcaica, da qual todos os senadores, direta ou indiretamente se beneficiaram, alguma coisa melhor.