Título: Uma reforma que interessa a todos os brasileiros
Autor: Tarso Genro
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Valor Especial, p. F2

O Brasil precisa ampliar e qualificar suas instituições de ensino em todos os níveis. Nos próximos seis anos, cumprindo as metas para o decênio do Plano Nacional de Educação, será preciso dobrar o número de estudantes nas nossas universidades para contabilizarmos 7 milhões de jovens. O desafio é imenso e exige a construção de políticas públicas que incorporem aquilo que de melhor a sociedade foi capaz de produzir dentro e fora das universidades. A reforma da Educação Superior é parte desse desafio e o anteprojeto apresentado pelo Ministério da Educação significa um gesto concreto em favor de um diálogo para alcançar aquele objetivo. A reforma da educação superior também está no centro do debate da União Européia, após sucessivas reuniões de ministros de educação. O diagnóstico que inspirou esta reestruturação partiu da consciência de que, "mais do que nunca, o desenvolvimento e qualidade de vida de uma nação dependerão de seu nível cultural e científico, que depende fundamentalmente do valor do seu ensino superior" (Relatório Attali: por um modelo do ensino superior, Paris, Stock, 1998). Esta também foi a estratégia dos Estados Unidos, que implantaram um amplo sistema público de universidades estaduais e dispõem de um sistema privado de alto prestígio, mas minoritário. Na América do Sul, igualmente, há o consenso de que educação é o melhor investimento para o desenvolvimento nacional. O documento América Latina 2020: II Conferência Latino-americana de Ciências Sociais, colhido em Guadalajara, no México, em 2001, diz que "é urgente fortalecer a vocação para aprender e ensinar, para pesquisar e pensar para resolver os problemas complexos de nosso tempo, para sentirmo-nos co-responsáveis na construção de uma América Latina mais autônoma, próspera e justa". Há um ano, o Ministério da Educação vem construindo projeto de lei da Educação Superior com a colaboração de duas centenas de instituições das comunidades acadêmicas e científicas; entidades empresariais e de trabalhadores; e movimentos sociais urbanos e do campo. A conduta adotada pelo MEC assinala a opção por um processo onde cada reunião renova a complexidade do tema e legitima o esforço em favor do debate. A "proposta" apresentada pelo MEC só é chamada assim porque estamos abertos a alterar qualquer dos seus pontos. A discussão, aliás, já permitiu identificar a necessidade de adições importantes. Este resultado, entretanto, não será alcançado sem uma posição aberta e construtiva de todos os interessados. O governo quer continuar debatendo suas idéias porque sabe que não é detentor da verdade. Mas sabe, também, que nenhum grupo ou especialista o é. Para que possamos superar as unilateralidades em um processo público como este é preciso, apenas, argumentos.

O Brasil deverá duplicar o número de universitários para sete milhões ao longo dos próximos seis anos

Em novembro do ano passado, a exemplo de centenas de entidades, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou ao país a contribuição da indústria para a reforma da Educação Superior. Muitos dos temas apresentados pela indústria, sob a forma de propostas, vão ao encontro do projeto em gestação pelo Ministério da Educação, como a multiplicidade de modelos, a autonomia, o nexo da universidade por desenvolvimento regional, a avaliação interna e externa, o refinaciamento, os novos marcos regulatórios para articular as instituições públicas estatais com o sistema não estatal existente, tendo como centralidade o crescimento do número de vagas. As contribuições da CNI evidenciam a preocupação do setor produtivo com um projeto de nação. O MEC recebeu as propostas à luz da importância que tem a base industrial historicamente constituída no país para que se possa dar suporte, do ponto de vista econômico e social, a este projeto nacional. As universidades brasileiras, portanto, devem ser pensadas em conexão com os grandes impasses que deverão ser superados pelo Brasil nas próximas décadas. Nossas instituições de ensino superior devem, também, interagir com as vocações regionais repartindo o saber e a tecnologia com a base da sociedade. Os recursos instalados pelas universidades e, particularmente, os conhecimentos que ali são gerados constituem um patrimônio de todos e uma das razões de nosso orgulho como nação. Ampliar o acesso a este patrimônio é um objetivo que une a todos. É preciso, não obstante, definir uma política específica para isso. Por entender que educação é um processo que vai do ensino básico ao superior e que necessita de uma atuação forte para ampliar o seu financiamento geral, o MEC está trabalhando duramente para melhorar a alfabetização e qualificar o ensino fundamental, médio e profissionalizante. Além de aumentar os valores de repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), o governo está propondo a criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb), que poderá ensejar uma remuneração mínima nacional a todos os professores do ensino básico, bem como expandir o ensino médio. Não haverá reforma universitária sem que ocorra um choque de qualidade e, especialmente, expansão do ensino médio, atualmente o principal gargalo do sistema. Tudo isso, acreditamos, poderá exercer um impacto positivo importante no desenvolvimento do país, muito mais ainda se esta ampliação for acompanhada - como esperamos - pelos efeitos benignos de uma qualificação sistêmica. Afora pequenos surtos de sectarismo que sempre ocorrem num debate público, pelas contribuições que já recebemos, concluímos que a reforma é possível e necessária.