Título: A relação entre a educação superior e o setor produtivo
Autor: Armando Monteiro Neto
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Valor Especial, p. F2

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acredita que apenas o debate democrático contribuirá para o aperfeiçoamento do marco legal da educação no país. Com esse propósito, promoveu no dia 28 de fevereiro, em parceria com o jornal Valor Econômico, em São Paulo, o primeiro de dois fóruns de debate inter-regionais para discutir o anteprojeto de lei da Reforma da Educação Superior, com a participação do Ministério da Educação e Cultura (MEC), de empresários, acadêmicos e jornalistas. O segundo fórum realizou-se no Recife, em 7 de março. Desses eventos resultará uma reflexão complementar ao documento "Contribuição da Indústria para a Reforma da Educação Superior", divulgado em novembro. O Brasil tem evoluído quanto ao número de matrículas, à produção científica e à capilarização das instituições de educação superior, mas isso não é suficiente para garantir o desenvolvimento sustentável. É a tecnologia industrial, mensurada em patentes, que faz a utilização do conhecimento gerar inovação e tornar a economia mais competitiva. É ainda muito pequeno o número de estudantes em cursos superiores no país e o sistema está em desequilíbrio. De um lado reduziu-se a expansão das instituições federais de educação superior, de outro as matrículas nas instituições particulares passaram a ser majoritárias, apresentando, porém, graves deficiências qualitativas. A iniciativa do governo de abrir o debate sobre a reforma é extremamente louvável. O anteprojeto traz avanços, como o foco na regionalização, com vistas a diminuir os desequilíbrios regionais na oferta da educação superior. Em outros pontos, porém, contraria dispositivos constitucionais, ao propor práticas de controle e gestão incompatíveis com a livre iniciativa, e um estreitamento do conceito da autonomia universitária. Não define diretrizes gerais, mas desce a níveis de regulamentação infralegal, como no caso do Plano de Desenvolvimento Institucional. Um dos pontos que exigem revisão é a criação do Conselho Comunitário Social como órgão integrante das estruturas das universidades públicas e privadas. Embora definido no anteprojeto como de caráter consultivo, esse Conselho terá poderes decisórios, o que constitui, no caso específico da universidade particular, um grave atentado à iniciativa privada. A criação desse Conselho fere o preceito constitucional que assegura à universidade plena autonomia didático-científica, administrativa, patrimonial e financeira. Por ser constituído de representantes de diversos organismos da sociedade, subordina a universidade a orientar suas atividades de educação e pesquisa a interesses externos, de natureza corporativa, sindical, classista ou religiosa.

A tecnologia industrial, medida em patentes, faz o conhecimento gerar inovação e competitividade

Além dessas e de outras distorções, o anteprojeto peca por não tratar de temas fundamentais, destacados no documento "Contribuição da Indústria para a Reforma da Educação Superior", como o desequilíbrio a favor das ciências sociais na oferta de vagas, em prejuízo das ciências exatas, engenharias e tecnologia; a ampliação do uso da educação superior a distância; e o reconhecimento dos mestrados profissionais - uma demanda da sociedade e, em particular, do setor produtivo. É fundamental que o sistema educacional brasileiro dedique maior atenção à formação tecnológica, pela valorização dos cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de ciências exatas e biológicas. A educação a distância é um eficaz mecanismo para promover com rapidez a equalização do acesso da população à educação superior e à educação continuada, ambas de qualidade. A necessidade de adoção desse mecanismo justifica-se pela dimensão geográfica do país, pelo déficit do contingente de população universitária e pela flexibilidade, em termos de espaço, tempo e ritmo. Outra falha do anteprojeto é não fazer nenhuma menção à pesquisa tecnológica, que materializa a interação entre a indústria e a universidade. O crescimento sustentado da economia exige um esforço coletivo em favor da inovação e do desenvolvimento da pesquisa aplicada. A falta de uma conexão clara com outras políticas oficiais, como a Política Industrial, de Desenvolvimento Tecnológico e de Comércio Exterior, e dispositivos como a Lei de Inovação e a Lei de Biossegurança compromete o sucesso da Reforma da Educação Superior. Ao ignorar essa conexão, o MEC parece ter agido sem a devida articulação com outros órgãos do governo federal. A reforma tampouco será efetiva se não abranger a educação como um todo. A adoção de uma política voltada para a melhoria do ensino básico conduzirá à ampliação democrática das oportunidades de acesso à universidade, pela valorização do mérito. E resgatará a tradição de qualidade das escolas públicas brasileiras, que já foram consideradas referência e eram acessíveis a todos os extratos sociais. Com isso se evitarão as soluções paliativas, como o polêmico sistema de quotas para ingresso na universidade. A CNI traz essas reflexões a público por entender que é seu dever debater o documento apresentado à sociedade pelo MEC e, de uma forma propositiva, contribuir para o amadurecimento do anteprojeto de lei, aprimorando o foco na universalização e regionalização da educação superior, na gestão e no financiamento, e na interação empresa-universidade com base em pesquisa e inovação.