Título: Faculdades privadas criticam os Conselhos
Autor: Erilene Araujo
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Valor Especial, p. F3

Se o governo federal quer que o projeto de reforma universitária seja aprovado no Congresso Nacional e, sobretudo, se pretende preservá-lo de uma enxurrada de emendas dos deputados e senadores que integram a bancada educacional, então terá que se aliar à iniciativa privada. Ao menos isso é o que afirmam reitores e representantes de entidades mantenedoras das universidades particulares. Eles reivindicam do governo uma maior participação na discussão da proposta que será encaminhada à Câmara dos Deputados até o início do segundo semestre, sob a argumentação de que são os que respondem pela maior fatia da educação superior do país. Estatísticas da Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes) apontam que as instituições particulares de ensino superior abrigam 2,7 milhões de estudantes, são responsáveis por 86% do total de vagas oferecidas, empregam 170 mil professores e 140 mil funcionários do setor administrativo e têm uma participação de 0,8% do PIB, que representa algo em torno de R$ 9,5 bilhões. O setor avalia ainda que gera adicionalmente uma renda indireta de mais de R$ 720 milhões anuais, por meio de inúmeras atividades ligadas ao setor educacional, como moradia, transporte, alimentação, equipamentos, material escolar e livros. "O projeto do Ministério da Educação não trará mudanças efetivas para o ensino educacional. Não é bom, não tem visão de futuro e, acima de tudo, é preconceituoso", dispara o presidente da Abmes e reitor da Universidade Anhembi Morumbi, Gabriel Rodrigues. Ele sustenta que educação é uma questão de Estado e não de governo e que a proposta que está colocada para discussão na prática vem engessar o ensino superior. "No mundo inteiro, os debates se voltam para a flexibilização do conhecimento e para atender os reclames da sociedade. Já no Brasil, o Ministério da Educação faz um projeto quadrado e com elevado grau de interferência em empresas privadas", completa. Dos cerca de 100 artigos do anteprojeto elaborado pelo governo, dois incomodam mais os dirigentes de entidades de ensino superior privado: o que estabelece a criação de um conselho comunitário social, com representantes de sindicatos, associações de classe e entidades corporativas, que poderão fazer relatórios que vão influenciar no processo de avaliação da instituição de ensino. O outro ponto é o que limita em 30% a participação do capital estrangeiro nas instituições mantenedoras com fins lucrativos. Para o diretor-executivo da Associação Nacional das Universidades Privadas (Anup), José Walter Pereira dos Santos, se o conselho é consultivo, como dizem alguns, então "só servirá para enfeitar" e, neste caso, "não precisa existir". "Talvez, ele seja mais oportuno para as instituições educacionais filantrópicas, uma vez que o governo já se mostrou incompetente para fiscalizá-las. A universidade particular paga todos os impostos devidos e não tem que se submeter a um conselho formado, em sua maioria, por pessoas que são estranhas à mantenedora", explica. Santos entende que essa proposta é tão absurda quanto sugerir a um supermercado que ele seja submetido a um conselho consultivo formado por donas-de-casa, órgãos de defesa do consumidor, associação de moradores e sindicalistas, como o governo está sugerindo às universidades particulares. Afinal, "os supermercados também prestam um serviço à comunidade", ironiza. Sobre este item do anteprojeto, Gabriel Rodrigues disse se tratar de uma "intervenção do Estado" e uma tentativa de "quebra da autonomia" das instituições de ensino particular. Segundo o reitor da Anhembi Morumbi, o governo não tem direito de estabelecer as regras de uma empresa privada. Ele lembra que pelo artigo 207 da Constituição Federal, a autonomia da universidade é assegurada e reconhecida como condição indispensável à vida acadêmica de qualquer instituição de ensino. "A interferência governamental na organização e no funcionamento da empresa privada, qualquer que seja o seu regime jurídico, é indevida. O anteprojeto do MEC confunde gestão democrática com assembleísmo oneroso e, portanto, deve ser rechaçado", argumenta. Contrário a uma parte das propostas do anteprojeto do MEC, o reitor da UniNove e presidente da Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu), Eduardo Storópoli, lamenta o fato de o Ministério da Educação ter estabelecido na proposta que o pró-reitor acadêmico, ou equivalente, deve ser escolhido por eleição direta. Ele alerta que a medida contraria a Constituição Federal por se tratar de uma "clara interferência na gestão do ensino superior particular". "Cabe ao governo avaliar a qualidade do ensino superior e aperfeiçoar o modelo de avaliação e não interferir em questões internas de uma empresa privada", adianta. Storópoli afirma que, como reitor e presidente da Anaceu, defende a elaboração de um plano estratégico de desenvolvimento educacional. Ele diz estar disposto a colaborar para o avanço da reforma universitária, com a elaboração de propostas para serem incorporadas ao anteprojeto. As sugestões serão encaminhadas ao MEC até o dia 20 de março, quando se encerra o prazo fixado pelo ministério para o envio de sugestões. O diretor-geral da Anup acredita que, como está, o projeto dificilmente passa no Congresso Nacional. "Há um elevado número de deputados que compõem a bancada da educação. Dentro desta bancada, muitos são donos de universidades, faculdades, faculdades integradas ou centros universitários. Eles, certamente, vão se empenhar para fazer ajustes na proposta", assegura. Santos disse ainda que não descarta a possibilidade de a proposta não avançar no Congresso, como tantas outras que ficaram encalhadas por lá. Gabriel Rodrigues garante que a Associação das Mantenedoras também enviará sugestões. Ele entende que o projeto que será encaminhado ao Congresso Nacional precisa, por exemplo, dar novas orientações sobre a organização do ensino e o planejamento dos currículos, ser mais claro nas novas caracterizações e distinções entre os cursos seqüenciais e os de graduação (licenciaturas, bacharelados e tecnológicos), dar mais estímulo à expansão da oferta de vagas e, também, à inovação e à criatividade para a experimentação de novas metodologias de ensino. Ele garante ser necessário ainda discutir o fato de o anteprojeto ignorar os efeitos perniciosos de uma legislação que estimula a inadimplência e provoca conseqüências indesejáveis para a gestão das instituições privadas de ensino superior, inclusive no que diz respeito ao planejamento e questões de qualidade. Rodrigues lamenta que "a crítica à mercantilização do ensino, tão ao gosto das autoridades educacionais, só vê um dos lados da moeda, que é o dos custos do ensino. Não atenta, maliciosamente, para o fato inquestionável de que há uma relação direta entre custo e qualidade". "A qualidade não pode pagar o preço da falta de políticas sociais capazes de assegurar ao estudante condições efetivas de estudo. Nessa perspectiva, qualquer projeto de reforma no ensino superior deve considerar a liberação dos preços de anuidades, fixados apenas controles mínimos capazes de coibir eventuais abusos", defende.