Título: Indústria defende maior integração com a produção
Autor: Simone Biehler Mateos
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Valor Especial, p. F4

É preciso melhorar a sintonia entre o ensino superior e as necessidades do setor produtivo, tanto na área de formação de recursos humanos como de pesquisa e extensão. Esta é uma das reivindicações centrais da indústria, que participa ativamente do debate nacional sobre reforma universitária, mobilizando federações estaduais do setor, dirigentes do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), do Serviço Social da Indústria (Sesi) e de várias outras entidades empresariais que, sob a coordenação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), formularam um conjunto de propostas sobre o perfil de ensino superior que o país precisa para se desenvolver e os caminhos para construí-lo. "Precisamos implementar padrões educacionais compatíveis com a sociedade da informação e fazer pesquisa sintonizada com um projeto de nação", sintetiza Armando Monteiro Neto, presidente da CNI. "A defasagem entre o atual sistema de educação superior e as necessidades da indústria pode tirar o país de maneira definitiva da trajetória de desenvolvimento sustentável", adverte. A indústria defende um sistema de educação superior que contemple diferentes perfis de instituições, sem a obrigatoriedade de que todas integrem ensino, pesquisa e extensão, como ocorre hoje e como mantém anteprojeto de lei elaborado pelo governo. "As universidades devem se especializar em uma dessas áreas segundo as demandas do ambiente onde estão inseridas", diz Monteiro. A flexibilização é vista como importante para que o país possa atingir as metas do governo de ampliar o ensino superior e também para facilitar a expansão de opções de educação de terceiro grau que atendam às diferentes demandas da produção. Hoje, o Brasil tem cerca de 9% dos jovens entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior, porcentual sete vezes menor que o de países como Coréia, Estados Unidos e Canadá. Na opinião da CNI, aumentar esse percentual só será factível se o governo investir pesado em estratégias alternativas. Como na educação a distância, com qualidade, instrumento considerado fundamental para democratizar o ensino, a custos viáveis, num país de proporções continentais. A idéia é ampliar a oferta de cursos não presenciais tanto na graduação como na pós-graduação, incluindo mestrados, especializações e outros de curta duração. A indústria sugere ainda que o governo crie uma Universidade Aberta (UA), que combine metodologias de educação presencial e a distância, em diversos tipos, flexíveis, de cursos de nível superior. Os especialistas da CNI lembram que mesmo países industrializados com sólidas estruturas educacionais, como o Reino Unido, criaram redes virtuais de ensino superior para viabilizar a permanente atualização. A Índia tem uma com 1,5 milhão de alunos e a China, outra, com 2,5 milhões. Já no Brasil, a educação a distância ainda engatinha. Em 2003, apenas 52 dos mais de 16 mil cursos superiores do país eram oferecidos a distância. Embora seja permitido às instituições de ensino superior ministrar 20% das disciplinas de graduação por meios não presenciais, apenas 60 delas usavam esses recursos em 2002.

Precisamos implementar padrões educacionais compatíveis com a sociedade da informação"

"É vital estimular a educação a distância de qualidade para democratizar o ensino no Brasil. O anteprojeto deve ser reformulado para incluir isso", destaca Carlos Roberto Rocha Cavalcante, superintendente do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), entidade que coordena os debates sobre reforma universitária no âmbito da CNI. A indústria também se dispõe a colaborar na construção da Universidade Aberta do Brasil, já que acumula ao menos cinco anos de experiência com ensino superior a distância. Só os cursos oferecidos pela Universidade Corporativa do Sesi atenderam a cerca de 1.500 pessoas no ano passado. Já o Senai teve no ano passado 297 alunos em seus cursos de especialização a distância e outros 500 na graduação de formação pedagógica, em parceria com a Universidade Virtual do Sul de Santa Catarina. "Ensino a distância é vital para a formação permanente, indispensável para um país que queira ser competitivo" frisa Joana D´Arc Cerqueira, coordenadora da Universidade Corporativa do Sesi. A indústria também critica o anteprojeto do governo por não prever formas de estimular a ampliação da oferta de cursos na área de exatas, sobretudo nas engenharias e afins. Hoje 68% dos cursos superiores no país são de ciências humanas ou sociais, o que é uma distorção se comparado à proporção nos países desenvolvidos. "Para enfrentar o desafio tecnológico que se coloca, o Brasil precisa de muito mais engenheiros do que forma", frisa Cavalcante. Por isso, a CNI considera vital que o governo estimule a oferta de cursos nessas áreas, pois a expansão recente do ensino superior, protagonizada pela iniciativa privada, concentrou-se na área de humanas, que exige investimentos menores. "O governo deve estimular os mestrados profissionais e cursos de graduação na área tecnológica, de exatas e nas engenharias porque ter mais e melhores profissionais nessas áreas é essencial para impulsionar o desenvolvimento do país", diz Cavalcante. Ele lembra que o governo poderia contar com parcerias com a indústria para ajudar a financiar vários desses cursos. A indústria sugere, especialmente, a criação de cursos tecnológicos voltados a profissões emergentes que decorrem da constante inovação, além de uma maior adequação dos cursos existentes à realidade do mercado em termos de conteúdos, horários e locais. Complementarmente, os empresários reivindicam que os cursos de especialização promovidos pelo setor produtivo passem a ser certificados. "É preciso reconhecer esses cursos que conferem competências específicas para o trabalho, computar suas horas no cálculo do tempo de escolaridade das pessoas, como fazem vários países europeus", diz Joana D´Arc Cerqueira. Outra crítica do setor produtivo refere-se ao fato de o anteprojeto de reforma do governo não ter previsto formas de estimular a pesquisa aplicada, meios de aproximar a indústria das universidades. "O foco da pesquisa nacional está muito voltado para a publicação de trabalhos científicos, em detrimento do desenvolvimento de inovações, de avanços em processos e produtos. É preciso reorientar isso, estimulando uma relação permanente entre os provedores de conhecimento e a indústria", frisa Cavalcante. O objetivo é que a respeitável produção científica nacional se traduza também num bom número de patentes capazes de gerar riqueza para o país. Para isso, a indústria propõe que se criem programas de incentivo para a fixação de doutorandos nas empresas, em atividades de pesquisa e desenvolvimento. "É importante que o Brasil incentive a inovação e siga o exemplo de países hoje globalmente competitivos, como a Coréia do Sul, que reordenaram suas prioridades de pesquisa e inovação enfatizando as demandas do setor produtivo", conclui Cavalcante.

É vital estimular a educação a distância de qualidade para democratizar o ensino no país"

Os empresários avaliam também que para alcançar a educação superior de qualidade que o país precisa será imprescindível traçar um plano para superar as deficiências crônicas da educação básica, onde, por exemplo, faltam mais de 200 mil professores nas áreas de matemática, física, química e biologia, segundo dados do próprio MEC. Eles sugerem políticas de valorização desses profissionais, baseadas em programas de qualificação e melhores remunerações, além de fortes investimentos em infra-estrutura. Também recomendam a criação de programas de compensação para as vítimas das atuais deficiências da formação escolar básica. A sugestão vem com a autoridade de quem tem experiência na área. O Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (Cetiqt), a primeira unidade do Senai a oferecer um curso de graduação criou um programa especial para contornar as lacunas na formação básica de seus calouros. Feito o diagnóstico dos problemas, são estabelecidas aulas extra para sanar as deficiências. Hoje, essas aulas incluem matemática básica, informática básica e complementos de matemática e física. "Não poderemos construir a universidade que queremos, que o país precisa sem repensar toda a educação básica, o assunto não está no anteprojeto do governo, mas tem de ser incluído", diz categórica a diretora de operações do Sesi, Mariana Rapozo, expressando a opinião geral da indústria. Ela lembra que o problema a ser atacado não é só de qualidade como também de quantidade: em 2002, menos de dois milhões de alunos concluíram o ensino médio. A preocupação é coerente com o modelo de país competitivo sempre lembrado pela indústria: a Coréia do Sul cresceu e se desenvolveu a partir de uma política de estímulo às inovações, ancorada no ensino público gratuito e de qualidade. Naquele país, um aluno universitário custa duas vezes mais que um aluno do ensino fundamental, proporção que no Brasil é de dezessete vezes mais. "Resgatar a tradição de qualidade do ensino público básico é a única forma de democratizar, de fato, o acesso ao ensino superior. O sistema de cotas proposto pode ser um esforço de inclusão social válido, mas é só um paliativo de curto prazo", conclui Cavalcante.