Título: A busca pela adequação do curso à vida real
Autor: Simone Biehler Mateos
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Valor Especial, p. F5

Farta de empregar engenheiros de alimentos sem as qualificações necessárias, a fábrica de biscoitos Mabel, de Goiás, resolveu atacar o problema na origem: as universidades. "Cheguei a pedir o melhor aluno de análise de sistemas do último ano de um curso e receber um estudante que só conhecia linguagens de programação que a indústria não usa há anos", lembra a coordenadora de recursos humanos do grupo, Lecy Ribeiro. Decidida a resolver o problema, no início do ano passado, ela procurou o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), vinculado à Confederação Nacional da Indústria (CNI), com uma proposta clara: queria ajuda para levar professores e diretores dos departamentos de engenharia de alimentos para conhecer a fábrica de perto. Foi assim que, sob a coordenação do IEL, nasceu o programa Universidade na Indústria. Uma vez a cada dois ou três meses, a Mabel leva uma faculdade diferente para dentro da fábrica. No total, dez já participaram do programa que já originou vários convênios. Numa jornada intensiva, diretor e professores do curso vão à empresa falar sobre o perfil dos alunos, conteúdos e objetivos de cada disciplina, e ouvir sobre as necessidades da indústria. Na seqüência, os professores vão conhecer a fábrica e conversar com os profissionais que atuam nas áreas onde eles lecionam. "Os engenheiros de produção, por exemplo, apresentam a fábrica para os professores de engenharia de produção e de alimentos. Para muitos é o primeiro contato com as máquinas, a linguagem e os processos reais usados na indústria", conta Lecy. Geralmente, esse primeiro contato provoca várias outras visitas isoladas de professores, às vezes acompanhados de grupos de alunos. A universidade também passou a convidar profissionais da Mabel para dar palestras em seus cursos. Como resultado, o conteúdo de várias disciplinas já está sendo reestruturado. Ao mesmo tempo, a Mabel duplicou o número de estagiários admitidos. "Cresceu o número e a qualidade dos estagiários porque agora a universidade conhece nossas necessidades", diz Lecy. Exemplo disso é Harlen Alves, que entrou como estagiário em setembro do ano passado -- quando cursava o último semestre do curso de engenharia de alimentos. Em janeiro, estava contratado. Ainda estagiário, inconformado com as quatro horas que investia para fazer os gráficos solicitados com freqüência, Alves desenvolveu, com a ajuda de professores, um sistema de gestão de processos que hoje lhe permite gerar qualquer gráfico em menos de um minuto. O sistema, que integra todo o processo de produção, já está sendo implantado em outras fábricas do grupo. "Os professores ficavam entusiasmados em me ajudar porque era uma rara oportunidade de trabalhar com problemas reais", conta, lembrando que seu curso de processamento de dados ficou restrito ao estudo da linguagem Pascal simplesmente porque o professor, do departamento de matemática, não tinha idéia do que poderia ser mais útil para um engenheiro de alimentos. "Não estudei nada sobre automação, que é o que eu mais uso aqui!", conta Alves, destacando que a situação já começou a mudar: "Logo que soube do programa, esse professor veio à empresa para ver no que a indústria de alimentos usa informática e prometeu rever sua disciplina". Também para a empresa, os benefícios da parceria acabaram superando o objetivo inicial de obter mão-de-obra mais qualificada. O contato com o meio acadêmico acaba aproximando a empresa de inovações, como bem demonstra o desenvolvimento feito por Alves. Os resultados do programa foram considerados tão positivos, que o IEL está tentando estendê-lo para outras empresas. (S.M.)