Título: Parceria em pesquisa indica modelo
Autor: Simone Biehler Mateos
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Valor Especial, p. F5

Nos últimos três anos, sem desembolsar um tostão, a Unicamp conseguiu quatro novos laboratórios de informática de última geração, que estão fazendo pesquisas de ponta em parceria com empresas como IBM, Microsoft e Intel. Graças à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Dambroz está fabricando para a Petrobras um novo equipamento para bombear petróleo, mais eficiente, mais compacto e que exige menos manutenção que os anteriores. Em apenas seis anos, como resultado de um convênio com a Gerdau, a mesma universidade conseguiu quintuplicar o número de engenheiros metalúrgicos formados, melhorando simultaneamente a qualidade do curso. Em uma década, Recife transformou-se em pólo nacional de empresas de informática, com mais de 20 companhias com excelência reconhecida na área. Já a indústria de equipamentos Brapenta, em cinco anos, quadruplicou o faturamento graças às inovações desenvolvidas conjuntamente com universidades. Estes são apenas alguns exemplos de resultados diretos de parcerias entre universidades e empresas. Embora a atual estrutura universitária não favoreça os convênios com a iniciativa privada, eles aumentaram muito na última década tanto na área de pesquisa e desenvolvimento, como nas de formação de recursos humanos e extensão. Os resultados se traduzem não só em aumento da competitividade da indústria, como em melhoria do ensino e da pesquisa, assim como em benefícios sociais. Os exemplos falam por si. A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), por exemplo, por causa de uma parceria, criou um grupo permanente de pesquisa, ensino e extensão na área de ergonomia, que já melhorou as condições de trabalho de mais de 110 mil trabalhadores na última década. Tudo começou há nove anos, quando a Faber Castell contratou a UFSCar para fazer um diagnóstico das condições de trabalho em suas unidades. A tarefa ficou a cargo de um grupo de pesquisadores do departamento de Engenharia de Produção. Identificados os problemas, a empresa desafiou os pesquisadores a projetar e implementar as soluções recomendadas. "A necessidade de intervir no mundo real, de passar da teoria à prática, nos obrigou a fabricar competências que não tínhamos". Assim nasceu o Ergo & Ação, grupo dedicado a estudar, projetar e implementar melhorias nas condições de trabalho, conta Nilton Menegon, coordenador do grupo que hoje tem 25 bolsistas de graduação e pós-graduação. Nesses anos, sua equipe já fez parcerias com empresas como Johnson & Jonhson, Multibrás, Embraer e os Correios. O grupo é responsável, por exemplo, pelo novo tênis especialmente projetado para os carteiros. O produto calça os 50 mil carteiros brasileiros e está sendo exportado para os correios argentinos. Quando o trabalho do Ergo&Ação terminar nos Correios, outras 25 categorias de equipamentos terão sido adequadas, beneficiando 80 mil funcionários. Já na Embraer, melhorar as condições de trabalho na fábrica exigiu simular no computador o exercício de 284 funções diferentes. Mais de 60 projetos foram concebidos para solucionar os problemas diagnosticados. Um deles, patenteado, foi uma cadeira que evita posições forçadas quando se trabalha sob o avião. O Ergo & Ação também ministrou cursos de ergonomia para mais de 600 funcionários da empresa. A partir da experiência, a Embraer criou um núcleo interno permanente de ergonomia industrial, referência para que grandes empresas do país - como a Daimler-Chrysler, Ericsson, Peugeot, Citroën e Volkswagen -- enveredem pelo mesmo caminho. E cada novo convênio do grupo multiplica a interação entre empresas e universidades, já que sempre há muitos parceiros da área acadêmica e industrial. A parceria entre a Gerdau e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nasceu, há sete anos, da falta de engenheiros metalúrgicos no mercado. A oferta de empregos contrastava com a baixa demanda e alta desistência dos alunos do curso. A Gerdau decidiu fazer propaganda na mídia das perspectivas da carreira e desse curso da UFRGS. Também lançou bolsas para que os melhores alunos se dedicassem só ao estudo, fazendo estágios na fábrica nas férias. O melhor aluno ganha bolsa para fazer estágio profissionalizante na universidade e o melhor formando, bolsa para fazer mestrado em área de interesse da Gerdau. Com isso, em seis anos, o número de candidatos por vaga ao curso de engenharia metalúrgica na UFRGS passou de dois para 7,9, enquanto o número de engenheiros formados a cada ano saltou de seis para 30. "A demanda tornou-se mais qualificada e os alunos mais engajados, o que melhorou o curso", avalia Telmo Strohaecker, chefe do departamento de engenharia metalúrgica da UFGRS. A aproximação da indústria aumentou também as pesquisas em parceria, levando funcionários da fábrica a fazer pós-graduação na UFRGS. "Isso não só ajuda a disseminar a cultura de inovação na empresa como também beneficia a graduação porque mais professores convivem com exemplos de casos reais e os levam para a sala de aula", destaca Strohaecker. Hoje, não só a Gerdau como a Cosipa e a CSN, entre outras siderúrgicas, recrutam na UFRGS engenheiros metalúrgicos para suas unidades. Mas a Gerdau é apenas um dos exemplos das sólidas parcerias desenvolvidas pela UFGRS, sobretudo nos últimos oito anos, quando aumentaram as verbas públicas vinculadas a contrapartidas de empresas. Com a Petrobras, por exemplo, a universidade desenvolveu e patenteou um novo equipamento para bombear petróleo em poços terrestres, que apresenta melhor rendimento e dimensões mais compactas, além de exigir menos manutenção que as tradicionais. A máquina está sendo fabricada pela Dambroz para a Petrobras. Já o departamento de Engenharia de Materiais da mesma UFGRS tem um grupo com três professores e 30 alunos dedicados tanto a atividades de pesquisa e desenvolvimento, como às de formação de recursos humanos, em parceria com empresas como a Petrobrás, Ipiranga Petróleo, Braskem, Tintas Renner, etc. Estes convênios já resultaram em várias inovações. O pró-reitor de pesquisa da UFRGS, César Vasconcelos, diz que a interação com a indústria está alterando até a estrutura de alguns cursos. "As parcerias nos mostraram a grande demanda por conhecimentos na área de novos materiais, o que nos levou a comprar novos equipamentos e pesquisar mais nessa área. Agora, essas pesquisas estão impulsionando mudanças na estrutura do curso", conta. Mas ele destaca também os benefícios da empresa: "Eles percebem a importância de investir em tecnologia, em pesquisa e desenvolvimento". No caminho inverso ao da parceria da Gerdau, que buscava recursos humanos para suas necessidades, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (César) surgiu, em 1996, dentro da Universidade Federal de Pernambuco (UFPe), com o objetivo de criar demanda local para os excelentes profissionais de informática que a universidade passou a formar a partir dos anos noventa. A idéia era criar um centro de pesquisa com excelência tão reconhecida que fosse capaz de criar mercado para as empresas que incubasse. O César prospecta os problemas das empresas locais e desenvolve soluções para eles. "Sempre que percebemos que uma solução pode ser adaptada para outras empresas, pedimos autorização ao cliente para fazê-lo. Se a venda se concretiza, procuramos um investidor interessado em transformar o produto numa unidade de negócios, tendo o César como acionista majoritário", explica o diretor do centro, Sérgio Cavalcante. Quando a empresa incubada consegue se auto-sustentar e sai da incubadora, o César começa a reduzir sua participação acionária. Em 12 anos, essa estratégia transformou o Recife num pólo nacional de informática. O César criou 30 empresas, das quais 24 sobrevivem, dando emprego a quase 200 profissionais da área, sem contar os 330 funcionários do próprio César. O centro, hoje uma instituição sem fins lucrativos independente da universidade, é totalmente auto-suficiente. Seu superávit é investido nos seus projetos ou no Centro de Informática da UFPE, que graças a isso modernizou boa parte de seus laboratórios. O César também fomentou novas parcerias universidade/empresa: sempre que seus projetos são grandes ou complexos, a instituição solicita a consultoria de professores. "Isso é excelente porque o professor pesquisador que tem experiência no mundo real traz isso para os alunos, o que enriquece e aumenta o interesse pelo curso". Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as parcerias são a regra desde os primórdios. Só o seu Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro), com 40 doutores pesquisadores, desenvolveu em seus 17 anos de existência mais de 200 projetos de pesquisa junto com a Petrobras, sem contar os 50 atualmente em andamento. No Laboratório de Petróleo que o Cepetro inaugurou recentemente, a Petrobras injetou RS$ 2,5 milhões. As parcerias também equiparam o Instituto de Computação da Unicamp. Nos últimos três anos, quatro gigantes do setor de informática - Microsoft, Intel, IBM e CI&T - montaram ali laboratórios de ponta. O Laboratório de Desenvolvimento de Software é um dos cerca de cem que a Microsoft montou dentro de centros de excelência do mundo todo. O laboratório faz pesquisas com vários parceiros - inclusive concorrentes da Microsoft -, mas orgulha-se de ter ganhado duas concorrências internacionais para projetos de pesquisa da Microsoft, que representaram US$ 40 mil. "É excelente porque é um dinheiro que podemos manejar como acharmos melhor. A Microsoft só cobra resultados", diz o diretor do Instituto de Computação, Ricardo Anido. Estes são apenas alguns exemplos de resultados de parcerias entre indústrias e empresas. Mesmo a Unicamp, porém - de longe a universidade brasileira com mais experiência de parcerias com empresas -, está convencida de que essa cooperação pode ser muito incrementada. Por isso criou, no ano passado, sua própria agência de inovação tecnológica que, entre outras coisas, promovendo workshops com empresas. Neles, a empresa apresenta suas demandas tecnológicas e a universidade, suas ofertas e competências. Metade dos mais de 20 workshops já realizados resultaram em novas colaborações. Mesmo parceiros antigos tiraram proveito. "Não tínhamos uma visão de conjunto de tudo o que a Unicamp podia nos oferecer", diz Paulo Bombassaro, gerente de engenharia da CPFL, que há anos mantém convênios essa universidade. O workshop da CPFL originou seis novos projetos de pesquisa conjunta e um programa de formação de recursos humanos. Há também empresas pujantes que consideram as parcerias com universidades e instituições de pesquisa pilares cruciais de seu êxito. É o caso da Brapenta, fabricante de equipamentos eletrônicos para a indústria. Graças às inovações tecnológicas, a empresa quintuplicou seu faturamento nos últimos cinco anos. Noventa por cento dos produtos que a empresa vende hoje foram desenvolvidos em parcerias feitas, sobretudo, com o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e a Universidade de São Paulo (USP). "Sem essas inovações hoje nem estaríamos no mercado", diz Martin Izarra, diretor presidente da Brapenta, destacando que as parcerias aumentaram também a capacidade própria da empresa fazer P&D internamente. Graças às inovações, a empresa, que há cinco anos exportava para dois países, hoje exporta para 22, entre os quais EUA, Canadá, Espanha, Japão e China. O caso da Brapenta é tão emblemático que a empresa foi até convidada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia da Colômbia para falar naquele país de sua experiência na área de inovação.