Título: Autonomia nos gastos é bandeira de escolas federais
Autor: Françoise Terzian
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Valor Especial, p. F6

Ao contrário das universidades privadas, as escolas federais de ensino superior têm encarado a proposta de reforma universitária com elogios a itens como a autonomia, apesar de críticas a artigos que tratam de financiamento, cotas e dos conselhos comunitários sociais. Em geral, os reitores dizem que o documento não é claro, explica pouco temas que podem ter várias interpretações e tem propostas que se contradizem. Para Ana Lúcia Almeida Gazzola, presidente da Associação nacional dos dirigentes das instituições federais de ensino superior (Andifes) e reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o texto é positivo ao promover o debate sobre o futuro da educação superior. Ela diz que o debate não poderia mais ser adiado, já que a universidade pública brasileira tem demonstrado sinais inequívocos de qualidade e competência. "A construção de uma legislação para a educação superior é uma oportunidade singular para a criação de um marco regulatório para todo o sistema de educação superior", diz Ana Lúcia. O projeto tem méritos importantes na opinião de Amaro Lins, reitor da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). "É a primeira vez que se vê a educação superior como sistema", lembra. Elogios à parte, o anteprojeto é visto por muitos reitores como um documento que traz itens equivocados, destaques a temas não prioritários e deixa de lado questões urgentes. Dos temas, o mais polêmico e confuso mexe no financiamento às escolas. O texto diz que a União aplicará, anualmente, nas federais, nunca menos de 75% da receita vinculada a manutenção e desenvolvimento do ensino. Ou seja, 75% de recursos sub-vinculados para o ensino superior nos 18% que o Orçamento da União garante para o ensino público. Para Paulo Jorge Sarkis, reitor da Universidade Federal de Santa Maria e presidente da Comissão de Orçamento e Financiamento da Andifes, o problema é que, neste ano, a porcentagem já deverá ir a 80%. "O que se propõe é insuficiente e sequer corresponde ao que se recebe hoje", diz. A Andifes quer que a base de cálculo seja recomposta pelo governo. Sugere trabalhar em cima dos tributos (impostos e contribuições) e não mais somente sobre os impostos - base definida na Constituição de 1988, hoje considerada defasada. Se for assim, ele sugere porcentagem de 50% e não de 75%. Por outro lado, um dos pontos elogiados pelas federais é a autonomia acadêmica, administrativa e financeira. Para Ana Lúcia, autonomia é condição prévia e inegociável de qualquer reforma e requisito para que a universidade pública alcance novos patamares de qualidade. O motivo para este item ser tão elogiado é o atual engessamento das federais. A maior reclamação refere-se à verba da universidade, que já chega com destino pré-definido pelo governo. Paulo Speller, reitor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), defende a autonomia também na gestão do orçamento, hoje controlada pelo Ministério do Planejamento. "Se um professor falece ou se aposenta, mesmo eu tendo orçamento para abrir concurso, preciso da aprovação do Planejamento, da Educação e do Congresso", reclama. A burocracia torna o processo de contratação lento e improdutivo, prejudicando os alunos. O pedido de autonomia não abrange só contratações, mas liberdade de uso dos recursos. Speller explica que se economizar em pessoal, não poderá destinar a verba a outra necessidade. "O orçamento é engessado e insuficiente", critica. É por isso que Ana Lúcia quer que a autonomia seja bem definida. Ela lembra que há artigos do texto que ferem esta autonomia, tornando-o contraditório. A associação tem realizado seminários e debates com reitores de suas 55 instituições. Speller também defende mudanças na escolha dos dirigentes das universidades. Hoje, o reitor é escolhido por meio de um processo que tira da universidade o poder de decisão: três nomes são submetidos ao presidente da República, que escolhe. O pedido é que a decisão seja totalmente centralizada na universidade. O projeto também deve dar mais ênfase à pesquisa nas universidades, segundo Ana Lúcia. A crítica é que o documento fala muito de atuação social e pouco de pesquisa. Hoje, as universidades públicas fazem 84% das pesquisas do país. "O projeto precisa enfatizar ensino de qualidade e pesquisa de alto nível. Se não for explícito, estaremos condenados ao neocolonialismo", diz ela. Outro ponto questionado por Ana Lúcia é o destaque do texto à formação de educadores do campo. "Por que destacar o trabalhador do campo, se também precisamos de educadores para a cidade, para a alfabetização, para a educação? Temos que formar gente de todos os níveis", diz. A sugestão é que haja recursos para formar o trabalhador do campo, mas sem incluir isso na lei. A seção que fala de Políticas e Ações Afirmativas Públicas também tem gerado discussões. A idéia é que, em dez anos, 50% das vagas do ensino superior público sejam de alunos da rede pública. Hoje, a média nacional é de 46%. E há também a questão das cotas para negros e indígenas. O que as federais discutem não é a porcentagem de alunos de escolas públicas, mas o fato de que esta não é a base do problema. Elas querem o aumento do número de vagas das federais. Expansão com inclusão social é a proposta de René Teixeira Barreiro, reitor da Universidade Federal do Ceará. Ele defende que cada escola defina seus percentuais de egressos da rede pública. "Deveria haver estímulo e não imposição." Ele diz que não adianta dar só a vaga, pois alunos carentes precisam de apoio para se alimentar e pagar transporte, além de curso pré-vestibular gratuito. "Democratizar o acesso à universidade exige não só cota, mas aumentar o número de vagas, seja com cursos noturnos, da educação a distância, da interiorização", defende Ana Lúcia. Para ela, não adianta trabalhar com cotas para vagas já existentes. "Cota em cima da miséria de oferta terá impacto mínimo", diz. A sugestão é que cada escola possa decidir a melhor solução. A proposta de expansão deve, segundo Ana Lúcia, ser acompanhada de um planejamento bem detalhado e da garantia de financiamento. "Se há meta de expansão, temos que saber quantas vagas deverão ser criadas, onde e com quais recursos", propõe. Para Lins, a expansão é uma medida urgente que exigirá recursos para contratação de pessoal, criação de salas de aula etc. Apesar da necessidade de mais verba, ele lembra que sua universidade, por exemplo, tem a capacidade de absorver este aumento de vagas com poucos recursos. Da mesma opinião é o reitor da UFMT, que acredita ser a expansão mais barata que criar novas universidades federais. "Com um pouco mais de verba, poderemos trazer mais egressos da rede pública", diz. Mesmo quando todas as universidades públicas tiverem 50% de alunos da rede pública, a situação não estará resolvida. Na opinião do reitor da UFMT, é preciso melhorar o ensino fundamental e médio. "De pouco servirão os esforços das universidades para acolher alunos da rede pública, se não houver qualificação e remuneração digna de docentes", prega. Desde 1995, a UFMT oferece cursos de licenciatura à distância para professores do ensino fundamental da rede pública (municipal e estadual). A preocupação com a formação dos docentes se justifica: hoje, 85% das matrículas da educação básica são na escola pública. Apesar de admitir pontos positivos no anteprojeto, o reitor da UFPE diz que há itens a serem esclarecidos. Como o funcionamento do Conselho Comunitário Social, com participação da sociedade civil nas decisões das universidades. Para ele, há muitas perguntas sem respostas. "Como funcionará, qual será seu papel, quem representará a sociedade?", questiona o reitor. Na opinião da presidente da Andifes, o melhor é ter um conselho que atue de forma consultiva e não deliberativa. "Se for deliberativo, será o fim das instituições", afirma.