Título: Conclusões do fórum apontam para alternativas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, Valor Especial, p. F8

A indústria brasileira apresentará uma série de propostas ao anteprojeto da Reforma da Educação Superior elaborado pelo governo. Em dois fóruns regionais, um deles realizado no dia 28 de fevereiro, em São Paulo, e outro no dia 7 de março, no Recife, o setor produtivo debateu com acadêmicos e representantes do governo e instituições de fomento, sugestões para a construção de uma nova universidade, voltada para a era do conhecimento e conectada com as necessidades do mercado de trabalho. Desde julho passado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) discute com a sociedade os desafios e as estratégias necessárias à transformação da educação superior. O diagnóstico e as sugestões do setor produtivo para a reestruturação da universidade brasileira foram apresentados em novembro ao ministro da Educação, Tarso Genro, no documento intitulado A Contribuição da Indústria para a Reforma da Educação Superior. Esse documento será complementado com novas avaliações do anteprojeto de reforma universitária. No Fórum Inter-regional Sul Sudeste "A Indústria e a Reforma da Educação Superior", realizado pela CNI e o jornal Valor Econômico, em São Paulo, os participantes defenderam, entre outras questões, a inclusão no texto de incentivos à maior integração entre as universidades e a indústria, a autonomia das instituições de ensino e a definição de formas de gestão e financiamento das instituições federais. Leia abaixo as principais propostas das regiões Sul e Sudeste para a reforma universitária. É preciso contextualizar a Reforma da Educação Superior numa visão de futuro para o País e estabelecer metas estratégicas com horizonte de longo prazo. É crucial que o MEC leve em consideração as contribuições da sociedade e da indústria na revisão do documento em todos os seus pontos fundamentais. Uma observação importante é o fato de que o anteprojeto não faz nenhuma referência à empresa, mas cita muitas vezes as palavras sindicato, trabalhadores do campo, organizados ou não em cooperativa. É preciso estabelecer essa ligação com o setor produtivo no âmbito da lei visando ao desenvolvimento sustentado do País. No tema da inclusão, em vez de estabelecer cotas, seria mais estratégico estimular objetivos e metas que incrementem o aproveitamento de alunos provenientes da escola pública. Esses critérios poderiam incrementar, por exemplo, o aproveitamento em cursos noturnos dos alunos que trabalham. Essa recomendação já foi posta em prática pelo sistema público de universidades paulistas, que hoje atende a 33% dos estudantes, enquanto no Sistema Federal de Universidades Públicas, essa participação é de apenas 25%. Cerca de 70% dos estudantes matriculados nas Instituições de Ensino Superior (IES) privadas trabalham de dia, estudam à noite e pagam mensalidade. Por que não oferecer a esses alunos, hoje nas IES privadas, um elenco de cursos profissionalizantes de dois anos de duração, ou cursos seqüenciais? Nos Estados Unidos, a população universitária é de 35% na faixa etária de 18 a 25 anos. Alcançar essa meta foi possível porque 50% desse contingente freqüenta escolas profissionalizantes, em cursos de dois anos de duração. As regras contidas em um marco regulatório da educação superior devem constituir diretrizes obrigatórias e comuns para as instituições públicas e para as privadas. Estabelecer tratamento diferenciado trará deformações e dificuldades para um bom sistema de avaliação e de ordenamento. Entretanto, o projeto, adotando técnica legislativa adequada, deverá separar com maior clareza as normas para a educação superior em geral, das normas e regulamentos do Sistema Federal de educação superior. Outro aspecto relevante se refere à diversidade do sistema de educação brasileiro, com a qual o anteprojeto tem dificuldade de lidar. Fundações As fundações têm papel importante na relação da universidade com a sociedade, mas não devem ter independência em relação à governança da universidade. Na verdade, as fundações são instrumentos que propiciam articulação, diálogo e eficiência maior da universidade na consecução dos seus objetivos sociais. Além disso, possibilitam aos pesquisadores e professores se aproximarem do mercado. As fundações não podem ter autonomia nem advogar em interesse próprio, à revelia da universidade. Portanto, é fundamental que guardem absoluta transparência em relação à gestão da instituição a que estão relacionadas. Assim, é importante que se mantenham as fundações e que, ao mesmo tempo, o seu vínculo com as universidades seja reforçado com regras de funcionamento mais claras e sujeitas à auditoria. Conselho Comunitário Social O Conselho é positivo enquanto espaço de interlocução da universidade com a sociedade, propiciando um diálogo mais efetivo com a comunidade. No entanto, suas funções precisam ser esclarecidas, reforçando o seu caráter consultivo. Ele deve ter a responsabilidade de contribuir para que a gestão da universidade seja a mais transparente possível, e ao mesmo tempo, zelar pela responsabilidade da universidade na realização de sua missão social. Embora a criação do Conselho seja positiva, não deveria ser obrigatória a todas as IES, possibilitando que os Conselhos Superiores decidam quanto à pertinência e a forma de instituição do CCS como, por exemplo, sua composição e manutenção. O grande desafio das IES, portanto, seria tornar o Conselho Comunitário Social realmente qualificado e compatível com as características regionais. Autonomia O ponto de partida para o anteprojeto deve ser o fato de que existe um dispositivo constitucional que assegura autonomia às universidades. A autonomia, portanto, deve ser plena e substantiva, observando o fato de que a universidade deve responder à sua mantenedora em algum grau, ou seja, a mantenedora não pode deixar de se responsabilizar pela gestão, seja ela privada ou pública. Nesse sentido, o reitor deve ser escolhido pelo Conselho Superior da universidade, sempre obedecendo à tradição da lista tríplice para que o mantenedor escolha, dessa lista, o mais indicado. Essa autonomia deve ser articulada com a avaliação e o financiamento das IES, garantindo recursos orçamentários atrelados a um eficaz sistema de avaliação que priorize metas de gestão. Os três itens precisam caminhar juntos, pois autonomia pressupõe recursos a serem geridos e avaliados. O anteprojeto é muito regulamentador e entra em detalhes desnecessários para seu nível de legislação. Mais que isso, tal detalhamento não é compatível com o princípio de autonomia. Uma das tarefas mais importantes das universidades é formar recursos humanos para o País. Então, o conceito de autonomia se opõe à idéia das cotas, porque as cotas determinam como a universidade vai selecionar os estudantes. Avaliação É fundamental criar uma agência independente de avaliação. Tendo em vista que o MEC é o promotor da educação superior pública, não deveria ser avaliador de si próprio. Assim, é preciso criar um sistema adequado de avaliação, com participação da sociedade e do governo. Essa agência deveria considerar a criação de um sistema de avaliação para outras áreas da educação superior, análogo àquele que a Capes tem para a pós-graduação. O foco desse sistema seria a avaliação da graduação, da atividade de pesquisa e da extensão. Também é importante manter o sistema de avaliação conhecido como "provão", aproveitando o aprendizado já obtido com o instrumento e incorporando aprimoramentos, em busca de outros indicadores com foco em resultados. Outro aspecto relevante da avaliação é a criação de um mecanismo de relacionamento direto que garanta a aplicação da dotação orçamentária das IES, principalmente aquela destinada a projetos de expansão . Financiamento público É vital ampliar os investimentos públicos para a educação superior, elevando-os a um patamar de 1,5% do PIB em cinco anos. Dessa forma, o governo federal poderia injetar um volume significativo de recursos, dinamizando o sistema e corrigindo o atual descompasso com países líderes em educação e também no processo de competição globalizada. A sociedade brasileira não suporta mais nenhum tipo de aumento de tributos e, portanto, não devem ser criados novos impostos para aquele fim. Por outro lado, é preciso ter a garantia de que não haverá redução de outros investimentos públicos fundamentais, sobretudo na educação (básica, fundamental e média). Como já foi dito, autonomia, financiamento e avaliação não podem ser desvinculados. Assim, a gestão dos recursos deve ser autônoma, mas a sua alocação deve ter em vista a obtenção de resultados aferidos no processo de avaliação. Um caminho para a busca de maior eficiência das universidades seria a definição de um montante de recursos per capita. Assim, as escolas teriam que operar com recursos proporcionais ao seu número de alunos. Isso criaria uma concorrência saudável por mais recursos e a busca pela incorporação de mais alunos guiados por padrões de qualidade. Gestão e custos É fundamental para a universidade racionalizar recursos, por meio da redução de custos operacionais, maximização do uso da capacidade instalada e dos recursos humanos. Neste sentido, seria razoável, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelecer um limite para os gastos com pessoal, hoje o grande responsável pelo volume reduzido de recursos para investimentos. A criação de regras orçamentárias de incentivo à eficiência, assim como de um ambiente organizacional que incentive a boa gestão dos recursos públicos e a autonomia, combinados com um esquema apropriado de avaliação, trará maior eficiência no uso dos recursos públicos pelas universidades. A profissionalização das funções de reitor é fundamental para a profissionalização da gestão das universidades. Os mandatos de 4 anos com possíveis reconduções ao cargo são muito importantes. Um bom reitor poderia assim ficar mais tempo no cargo, prestando um excelente serviço à sociedade. Relação empresa - universidade Os órgãos de governo devem difundir experiências exitosas de inovação em conjunto com a universidade Se vivemos na era do conhecimento e temos diversos atores sociais produzindo conhecimento, é preciso criar meios que permitam articulação da universidade com a sociedade, reconhecendo o conhecimento produzido fora da academia, validando esse conhecimento e vice-versa. É necessário, portanto, ampliar a interação das universidades com as empresas. A participação das empresas nos conselhos universitários tem que ser ampliada. Além disso, é preciso criar canais institucionais para permitir que as demandas do setor produtivo cheguem às universidades. No que diz respeito às demandas do setor, estimular a formação de recursos humanos qualificados para todas as atividades, não apenas do ponto de vista da produção, mas também para o desenvolvimento tecnológico. O pesquisador não é um elemento "desligado" do que acontece à sua volta. Nas boas universidades estão disponíveis laboratórios de alto padrão e os trabalhos científicos, para serem considerados completos, têm que ter comprovação prática. Faz-se necessário, portanto, ampliar o número de doutores em atividade nas empresas e assim, orientar a produção de teses acadêmicas voltadas para as necessidades do setor produtivo. A formação de recursos humanos pelas universidades deve levar em conta as necessidades do setor produtivo, sem perder de vista o contexto regional. Também nesse sentido, é necessário regulamentar melhor e incentivar o planejamento das empresas brasileiras no que se refere ao estágio. Deve-se incentivar a participação de alunos em projetos com empresas como forma de estabelecer uma ponte entre o setor produtivo e a academia já no processo formativo. Proposta de criação da rede de centros tecnológicos industriais Propõe-se criar uma Rede de Centros Tecnológicos Industriais para facilitar a interação universidade-empresa, por meio do estabelecimento de estreita parceria entre ambas, contribuindo para o aumento do desenvolvimento tecnológico e inovação nas indústrias brasileiras. Os centros tecnológicos têm um papel intermediário entre a universidade e as indústrias e podem servir de "ponte" entre ambos, pois é difícil para a universidade desenvolver sozinha todas as etapas de P&D, desde o estudo inicial do problema até a confecção de um protótipo funcional. É comum nessa fase de "prototipagem" a universidade necessitar de contratações externas, visto que seus laboratórios não foram dimensionados para tal fim, mas focados em pesquisa básica. Por outro lado, os centros tecnológicos possuem tal infra-estrutura, mas carecem de pessoal de desenvolvimento nas fases iniciais, que normalmente são realizados nas universidades, através do envolvimento de alunos bolsistas, principalmente mestrandos e doutorandos. Após a fase inicial da pesquisa, esses alunos de pós-graduação podem migrar das universidades para os centros tecnológicos, acompanhando seus projetos de dissertação/tese, desenvolvendo pesquisas mais aplicadas, voltadas ao atendimento das necessidades do mercado industrial. Esse modelo teria o benefício adicional de facilitar a inserção de mestres e doutores no setor produtivo, pois os jovens pesquisadores seriam profundos conhecedores da solução aplicada ao problema real de cada indústria. Após o término da pós-graduação (parte experimental realizada nos centros tecnológicos, mas com orientação e defesa/certificação a cargo da universidade) esses mestres e doutores podem ser contratados pela indústria para a nova fase de inovação contínua do produto/processo, esta já no ambiente industrial. Políticas de desenvolvimento O MEC deve articular o projeto de Reforma da Educação Superior com a Lei de Inovação e com a Política Industrial, visando incluí-lo no modelo de desenvolvimento do País, pois no texto do anteprojeto apresentado há uma nítida cisão entre essas peças. Sem a devida correlação com as ações voltadas à inovação e ao desenvolvimento do País, o projeto é inócuo, pois não contempla o aproveitamento da combinação das capacidades da universidade e da indústria. O País é o mesmo, o governo é o mesmo, e certamente isso ainda pode ser remediado. Do ponto de vista da interação entre a universidade e as empresas, existe uma extensa e rica experiência no Brasil de cooperação, tanto no campo de formação de talentos, quanto em atividades ligadas ao amplo espectro que leva à inovação tecnológica, pesquisa, desenvolvimento, engenharia, extensão, tecnologia industrial básica. A integração da universidade com o setor produtivo não pode se dar apenas sob o ponto de vista utilitário e funcional. Deve passar também por uma visão de sociedade, uma visão de políticas públicas e uma otimização dos atores sociais em favor de políticas públicas mais abrangentes. Alguns exemplos positivos de colaboração e integração da universidade com o setor produtivo passaram antes por políticas governamentais. Os agentes se articularam de forma ótima e conseguiram produzir o melhor de cada uma de suas competências. Esse é o caso da Embrapa, por exemplo. A interação da universidade com o setor produtivo será tão mais fácil quanto mais competente for o governo no estabelecimento de políticas de longo prazo, liderança e visão estratégica. Currículos e conteúdos O MEC deve incentivar a criação de cursos de curta duração de dois anos voltados para tecnologia como forma de inclusão rápida dos profissionais no mercado, em consonância com as necessidades do setor produtivo. A flexibilização dos currículos, à luz das demandas da indústria, é uma necessidade que responde à diversidade de demandas e à grande velocidade das transformações que ocorrem em nossos dias. Não se deve apenas lidar com a questão do ponto de vista da estrutura curricular, mas também da dinâmica do processo de ensino-aprendizagem, em que a cooperação empresa-universidade deve ser um elemento indutor de processos mais vivenciais, fortalecendo a aproximação entre esses dois mundos. Como parte da flexibilização dos currículos, a empresa deve ser considerada local adequado e interessante para que a universidade incremente a educação dos estudantes, por meio de parcerias. Inovação O MEC e os outros órgãos de governo preocupados com a inovação devem incentivar a criação de incubadoras e parques tecnológicos, voltados para inovação tecnológica e de acordo com as potencialidades de cada região. É determinante a criação de um espaço de cooperação entre empresas e universidades que envolva a inovação tecnológica, visando a consolidar a gestão de redes complexas e heterogêneas entre as universidades, empresas, institutos de pesquisas, agências de apoio, entidades de capital empreendedor, as chamadas "venture capital", entre outros agentes do processo de inovação. É preciso tornar acessível o conhecimento, para que aquelas empresas que não conhecem o "caminho das pedras" possam usufruir de novas tecnologias, criando as incubadoras de base tecnológica. Sob a ótica da avaliação dos docentes, o MEC deve considerar, como estímulo à inovação, outros mecanismos e indicadores, favorecendo a geração de tecnologia. Deve valorizar, na avaliação do desempenho acadêmico, a atividade de registro de patentes, tanto quanto valoriza a produção de artigos científicos e livros.