Título: O imortal corre atrás do tempo
Autor: Simone Goldberg
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2005, EU & FIN DE SEMANA, p. 4/5

Eleito no dia 3 para a cadeira de número 11 da Academia Brasileira de Letras, que era de Celso Furtado, o cientista político Hélio Jaguaribe, 82 anos, autor de mais de 20 obras, se diz preocupado com a incapacidade gerencial do governo Lula. Para ele, esse é o problema mais sério do país, hoje, e que pode comprometer seu futuro. "O Brasil tem 20 anos para alcançar um nível de desenvolvimento autônomo que nos livre de ser satélite dos EUA", afirma. "Não se pode perder tempo. É preciso consolidar a união sul-americana e crescer a taxas superiores a 6%, mais do que Lula está conseguindo", prossegue. Jaguaribe é decano do Instituto de Estudos Políticos e Sociais, teve experiência executiva como ministro de Ciência e Tecnologia de Fernando Collor de Mello e foi fundador e dirigente do PSDB. Diz que, apesar do fracasso - pelo menos até agora - na área social, Lula deve se reeleger, graças aos bons ventos que sopraram sobre a economia e que podem continuar pelos próximos anos. Para o mais novo imortal, o futuro da esquerda no país seria uma aliança, hoje quase impensável, entre PT e PSDB. O PT, diz, mobiliza as massas, mas tem pouca gente competente. E o PSDB é um partido de grandes quadros, sem grande capacidade de mobilização popular. "Minha aspiração era que isso fosse possível para 2006, de forma que a gestão operacional ficasse a cargo do PSDB no segundo mandato de Lula." Valor: Como o sr. compara os governos de FHC e de Lula? Quais as diferenças de estilo ? Hélio Jaguaribe: Do ponto de vista econômico, há pouca diferença. Lula surpreendeu pela sua inesperada ortodoxia. FHC comunica suas idéias pela persuasão intelectual, mas não morde a massa. Lula é emocional. É uma persuasão psicológica, uma comunicação de empatia que penetra na massa. Os dois são mais coordenadores que gerentes, mas FHC tinha mais capacidade gerencial. Uma coisa que está afetando de maneira muito perigosa o governo Lula é a incapacidade gerencial. Ao se defrontar com um problema dentro do governo, ele faz um discurso como se fosse um líder da oposição, em vez de punir, corrigir, demitir. Exortação é algo que compete à oposição. Valor: Essa incompetência gerencial é fruto de alianças políticas com a respectiva distribuição de cargos sem critérios técnicos, inexperiência ou falta de quadros competentes no próprio PT ? Jaguaribe: Tanto Fernando Henrique quanto Lula foram compelidos, em virtude da política de clientela, a fazer acordos esdrúxulos para ter base parlamentar e governar. Era esdrúxulo, pelas ideologias opostas, o acordo entre o PSDB e o PFL, assim como o acordo entre o PT e o PP ou entre o PT e o PMDB. Mas o PSDB é um partido de grandes quadros, com pouca base popular, enquanto o PT tem pouca gente competente, que vem de base operária, e tem grande capacidade de mobilização. Mas alguns ministérios de Lula estão sendo bem exercidos: a Fazenda, as Relações Exteriores e o Desenvolvimento, por exemplo. Valor: Então as alianças políticas atrapalham mais que ajudam? Jaguaribe: O problema fundamental do país neste momento é de gestão. Se ela ficar severamente prejudicada pelas alianças partidárias, o que se consegue de tranqüilidade política se perde na eficiência de gestão. Ter governabilidade parlamentar com incompetência executiva não adianta. O desempenho com eficácia seria muito mais efetivo e importante do que apoio legislativo com ineficiência. Valor: Como se explica o fracasso, pelo menos até agora, do governo Lula na área social, sua principal bandeira? Jaguaribe: A área social foi justamente aquela entregue ao PT, para incompetentes. Veja a Saúde, que talvez seja a de piores resultados. O atual ministro (Humberto Costa) foi acusado de encher o Ministério de petistas e respondeu: "É claro. O sr. quer que eu nomeie um inimigo?". Quem diz que uma pessoa de outro partido é inimigo não está em condições de ocupar um Ministério numa república democrática. Valor: O carisma de Lula é suficiente para compensar a deficiência e garantir a reeleição? Jaguaribe: Os brasileiros tendem a fazer uma distinção entre o governo e o presidente da República. Reprovam o governo, mas aprovam o presidente. É um dado da nossa cultura. A capacidade de mobilização do Lula, se a economia continuar crescendo como em 2004, o faz reeleger-se. E acho que vai. Mas a minha grande preocupação é que, dentro das condições do mundo contemporâneo, o Brasil não dispõe de mais de 20 anos, prazo que historicamente é muito curto, para conseguir um patamar satisfatório de desenvolvimento autônomo. Se perder esse tempo, vira um segmento do mercado internacional, controlado domesticamente pelas multinacionais e internacionalmente por Washington. Os países sul-americanos, se não conseguirem uma união continental, estão condenados a ser satélites dos Estados Unidos. E essa união depende de uma aliança sólida entre Argentina e Brasil. Além disso, é preciso crescer a taxas acima de 6%, o mais rapidamente possível. Valor: O sr acredita que seja possível escapar deste destino de "satélite" dos EUA? Jaguaribe: De todas as coisas do governo Lula, a mais bem-sucedida, de longe, é a política internacional, tanto do ponto de vista político, com o ministro Celso Amorim, como nas exportações, com o ministro Furlan. Justamente por causa dessa personalidade inteligente, generosa, aberta, com extraordinária capacidade de transmitir uma sensação de seriedade e compromisso efetivo, Lula está conseguindo caminhar rapidamente para uma integração sul-americana. E com isso o Brasil e toda a América do Sul escapam do satelitismo. Mas é preciso fazer uma diferença entre autonomia e antagonismo. Não tem sentido uma política externa brasileira que seja antagônica aos Estados Unidos, porque estaria condenada ao fracasso. Nenhum país, muito menos os sul-americanos, tem capacidade de antagonizar os Estados Unidos. E não precisa. Valor: A esquerda já encontrou seu lugar depois da queda do Muro de Berlim? Qual a perspectiva da esquerda no Brasil? Jaguaribe: Não existe uma solução viável para a esquerda no Ocidente do século 21 que não seja uma forma atualizada de social-democracia, ou seja, uma economia social de mercado. O problema dos países europeus que conseguem, em parte, fazer uma economia social de mercado é a competição com os EUA, uma economia competitiva feroz. A Europa precisa aumentar sua margem de competitividade e proteger-se da supercompetitividade americana com sistemas tarifários, preservando as grandes conquistas sociais da social-democracia. Já no Brasil, para sair da política de clientela, precisamos de um esforço educativo do povo e, no curto prazo, de uma nova legislação nova eleitoral e partidária. E deveríamos formar uma grande aliança programática de partidos comprometidos com o projeto social-democrata, através de uma aliança PSDB-PT, hoje se batendo. Valor: Acha viável essa coligação? Jaguaribe: Lula e FHC caberiam dentro da mesma coligação, desde que desempenhando papéis diferentes. Não sei se essa aliança PT-PSDB é viável na presidência Lula, mas seria altamente desejável que fosse. A minha aspiração é que ela pudesse funcionar para a reeleição de Lula, de forma que no segundo mandato coubesse a gestão operacional do país aos quadros do PDSB e a grande presidência iluminadora e mobilizadora ao Lula. Mas para isso seria necessária uma reviravolta mental no Lula, que não contempla de forma alguma essa idéia, e que houvesse pessoas ilustradas do PSDB ajudando a superar as resistências a Lula. Hélio Jaguaribe vê incapacidade gerencial no governo Lula e receia que essa deficiência acabe comprometendo o futuro do país Hélio Jaguaribe vê incapacidade gerencial no governo Lula e receia que essa deficiência acabe comprometendo o futuro do país Hélio Jaguaribe vê incapacidade gerencial no governo Lula e receia que essa deficiência acabe comprometendo o futuro do país