Título: O Ipea e a estimativa do PIB
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2005, Brasil, p. A2

Falando francamente, a nova estimativa do Ipea que reduz o crescimento do PIB em 2005 para 3,5% deve ser vista com muito cuidado. As estimativas do PIB de 2004, feitas pelo mercado financeiro no primeiro trimestre do ano (com raríssimas exceções) não passavam de 3,5% inclusive a do Ipea, que era de 3,4%, como se vê na tabela. Os erros (sistemáticos) são imensos. No Boletim nº 66, de setembro, com dados conhecidos até agosto (3/4 do ano), a estimativa do Ipea para o crescimento para o ano ainda era de 4,6% (com erro relativo de 12%). Todos sabemos que as estimativas do PIB são sempre muito difíceis, mas deve haver alguma razão objetiva (ou talvez subjetiva) para a estimativa de 3,5%.

A tabela anterior mostra que nos três últimos trimestres, a velocidade de cruzeiro do PIB foi de 5,5%. A redução do crescimento no quarto trimestre sobre o seu homólogo do ano anterior é estacional e fato mais do que corriqueiro. Um crescimento de 5,5% ao longo de nove meses deveria ter produzido uma tremenda aceleração da inflação se o metafísico "produto potencial" fosse mesmo de 3,5% como sempre afirmou o Banco Central, secundado por inúmeros tarometristas. A tabela abaixo compara o crescimento e a taxa de inflação nos últimos dois anos recusando tal hipótese.

A partir de setembro o Copom passou a aumentar mensalmente a taxa Selic. Desde então ela foi elevada em 275 pontos-base, ou seja, 2,75% (de 16% para 18,75%). Um fato curioso (mas sem maior importância) é que se olharmos para os países que contam na economia mundial desde junho de 2004, trata-se do segundo maior aumento do mundo (o México foi o primeiro). A primeira justificativa dos que crêem (no sentido augustiniano) que o "produto potencial" é um número fixo e econometricamente apalpável (quer por um "filtro", seja ele qual for, ou por uma função de produção, seja ela qual for) é que aquele resultado só foi possível porque existia "capacidade ociosa", o que é verdade. Mais verdadeiro, ainda, é a existência em todas as empresas do que Henry Leibenstein chamou de X-Efficiency. O equilíbrio da empresa não se faz naturalmente com a maior eficiência técnica, com a minimização dos custos ou a maximização da receita líquida, mas por uma "acomodação dos trabalhadores no nível de esforço que lhes dá algum conforto". É por isso que o empresário (que não existe nos "filtros" ou na "função de produção") faz a diferença. Respondendo ao estímulo contemporâneo da demanda, ele eleva o grau de controle (eleva a produtividade homem/hora) e, dependendo da perspectiva de continuidade da demanda no futuro (que ultrapassará sua capacidade de "arranjo interno") ele iniciará novo investimento.

Qual será o crescimento de 2005, depende de inúmeros fatores internos e externos. Uma economia crescendo à "velocidade de cruzeiro" de 5% com enorme possibilidade de aumentar suas importações, com a mobilização creditícia recém-criada, com a melhoria do salário, da renda global e com a melhoria dos investimentos, só aterrissará em 3,8% (como parecem sugerir o Ipea e o Copom) se for cortado o seu combustível pela política interna de juros ou um acidente externo. Greenspan aumenta o juro cuidadosamente para atingir o juro real de equilíbrio que mantém a economia americana crescendo a 4%; Meirelles aumenta o juro porque acredita que não podemos crescer mais do que 3,5%. São duas concepções absolutamente antagônicas.